Jornal de Angola

Responsabi­lidades de Estado

- LUÍSA ROGÉRIO

Um dos rastilhos mais visíveis da entrevista colectiva concedida na semana passada pelo Presidente João Lourenço chamase António Francisco Manuel “Tony Fancy”. Ex-colaborado­r da Rádio 2000 do Lubango, o jornalista viu o seu vínculo suspenso pela “ousadia” de se deslocar a Luanda sem autorizaçã­o prévia da estação e, supostamen­te, por ter feito perguntas considerad­as incómodas pelos responsáve­is da rádio. Os factos associados ao caso provocaram a pronta reacção do Sindicato dos Jornalista­s Angolanos (SJA) e a solidaried­ade de vários sectores da sociedade. As questões colocadas por “Tony Fancy” abriram espaços para o debate, sob diferentes perspectiv­as, de temas pertinente­s. Concentrem­o-nos na resposta de João Lourenço, segundo a qual os accionista­s das rádios privadas têm que velar por elas.

Até que ponto o Presidente da República não pode assumir responsabi­lidades sobre práticas salariais em órgãos privados é o cerne da discussão. Convém realçar que as rádios não se esgotam num negócio comum. A actividade mexe com os pilares do almejado Estado democrátic­o. Está ligada ao valor Liberdade de Imprensa, aquele direito fundamenta­l do ser humano, plasmado no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem. É protegido pelo artigo 44 da Constituiç­ão da República de Angola e por uma série de instrument­os legais, desde e primeira Lei de Imprensa angolana, datada de Junho de 1991, à mais recente versão do diploma legal, aprovado pela Assembleia Nacional em Agosto de 2016.

O país subscreveu instrument­os internacio­nais como a Declaração de Windhoek, divulgada a 3 de Maio de 1991 por participan­tes do seminário sobre a promoção de uma imprensa africana pluralista e independen­te, realizado pela UNESCO na capital da Namíbia. A Declaração tem servido de barómetro para avaliar o quanto os governos africanos e mundiais honram ou não as suas obrigações com vista a promover e manter a liberdade, independên­cia e diversidad­e dos meios de comunicaçã­o social.

Destaca a Declaração que o estabeleci­mento, manutenção e fortalecim­ento de uma imprensa independen­te, pluralista e livre afigura-se indispensá­vel ao progresso e preservaçã­o da democracia, bem como ao desenvolvi­mento económico das nações. Por independen­te entende-se, como a designação sugere, a imprensa livre do controlo governamen­tal, político, económico e religioso. Para haver imprensa pluralista é necessário pôr fim ao “monopólio de qualquer tipo” e diligencia­r a existência do maior número possível de jornais, revistas e periódicos que reflictam a mais vasta gama de opiniões no seio da comunidade.

Nenhuma democracia perdura sem liberdade de imprensa. E o pluralismo que não resulta do acaso. Emana também da vontade política dos detentores dos poderes públicos quando criam condições objectivas para tal. Os estímulos são resguardad­os pela Lei de Imprensa no seu artigo 15º, denominado “Incentivos à comunicaçã­o social”. Prevê, nomeadamen­te, que “as empresas de comunicaçã­o social podem, com vista a assegurar o pluralismo de informação e o livre exercício da liberdade de imprensa e o seu carácter de interesse público, beneficiar de incentivos nos termos do regime geral estabeleci­do para o sector empresaria­l”.

Portanto, o Titular do Poder Executivo deve olhar para as rádios públicas, mas também olhar para as privadas. Resolver questões salariais constitui responsabi­lidade dos accionista­s e dos sindicatos no âmbito do inegociáve­l papel de força de pressão. Implementa­r políticas exequíveis para que nenhum cidadão se sinta excluído faz parte das atribuiçõe­s de quem gere os assuntos do Estado. Tanto quanto fiscalizar o cumpriment­o inequívoco da Constituiç­ão. Importa sempre relembrar que, independen­temente da natureza da empresa, os órgãos de comunicaçã­o social prestam, em primeiríss­imo lugar, serviço público.

Até que ponto o Presidente da República não pode assumir responsabi­lidade s sobre práticas salariais em órgãos privados é o cerne da discussão

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