Matrículas geram polémica na centralidade do Sequele
Moradores do Sequele questionam o pagamento de propinas, uma vez que as escolas foram construídas com o dinheiro do Estado. A gestão dos estabelecimentos foi entregue a uma entidade particular afecta à Igreja Católica
Encarregados de educação reclamam dos gestores privados que estão à frente das escolas erguidas, pelo Estado, na centralidade do Sequele. As instituições foram entregues ao padre Apolónio Graciano para gestão, desde 2014. Moradores questionam por que razão têm de pagar para matricular os filhos numa instituição construída com dinheiros públicos.
A polémica em torno da gestão das escolas públicas erguidas na Centralidade do Sequele, por uma entidade privada, no caso, o padre Apolónio Graciano, desde 2014, está a ganhar novos contornos, depois de a direcção provincial da Educação e a própria Igreja Católica virem a público negar qualquer envolvimento na história.
A situação ficou ainda mais agitada, principalmente nesta altura do ano, em que centenas de pais e encarregados de educação lutam para matricular os filhos, com críticas pelas comparticipações financeiras quer nas matrículas, quer pela alta dos valores das mensalidades.
Os moradores da centralidade questionam tais pagamentos, uma vez que as escolas foram construídas com o dinheiro do Estado e para piorar, vem ao de cima a razão da gestão dos estabelecimentos a uma entidade particular afecta à Igreja Católica.
Engrácia de Lemos, que vive no Sequele, desde 2014, explica que as escolas da centralidade só foram abertas depois que um grupo de moradores ter “levantado muita poeira” junto da Administração Municipal de Cacuaco, que, na época, detinha a jurisdição do Sequele.
A encarregada de educação recorda que só depois de três meses do início do ano lectivo, é que as escolas do Sequele começaram a funcionar, mas com muita confusão no processo de matrículas, por causa das cobranças sem explicações, cenário que continua até hoje. “Todos os meses pagámos”, queixa-se.
Com três filhos a estudar, Pedro Gaspar também procura saber as razões para as cobranças mensais exigidas pela gestão das escolas do Sequele, quando as instalações e os professores pertencem ao Estado.
“Sabe-se, é de lei, que o ensino primário é gratuito. Por que aqui, nós, os pais, somos obrigados a pagar propinas mensais?”, questiona o cidadão.
Outra questão levantada pelos pais e encarregados tem a ver com o estado das infra-estruturas, que se encontram numa situação lastimável, com as paredes sujas, casas de banho nojentas, falta de carteiras, entre outros problemas, que deveriam ser ultrapassados com o dinheiro que se cobra aos utentes.
Marisa Ferreira afirma que os gestores das escolas do Sequele exigem a compra da bata e do uniforme de educação física, vendidos por eles, sendo que o primeiro utensílio custa 3.500 kwanzas e o segundo 6.000 kwanzas. Sem estes adereços, os alunos são impedidos de entrar na escola.
A confirmar as alegações dos pais e encarregados de educação, o porta-voz das escolas do Sequele, Isaac Makemba, confirmou ao Jornal de Angola que “o padre Apolónio Graciano é, de facto, o gestor de todas as escolas desta centralidade, desde 2014, embora desconheça as modalidades para que isso fosse possível”.Isaac Makemba explicou que o padre faz a gestão das escolas, mas cabe ao Ministério da Educação disponibilizar os professores e pagar os salários desses docentes. Entretanto, o sacerdote encarrega-se pelo pagamento das empregadas de limpeza, seguranças, reposição das carteiras, quadros, giz e de outros materiais didácticos. O interlocutor do Jornal
de Angola esclareceu que as instituições de ensino funcionam como escolas comparticipadas, em que os pais e encarregados comparticipam na gestão ou manutenção do estabelecimento, através de pagamentos de actos de matrículas, confirmações de matrículas e propinas mensais simbólicas.
O responsável diz estar bem informado sobre o Decreto Lei 16/17, que estabelece a gratuidade do ensino, desde a Iniciação até a Nona Classe, mas afirma que a norma não se aplica para o caso em concreto, pelo referido despacho.
Isaac Makemba, nomeado por Apolónio Graciano, explicou que os valores das comparticipações foram estipulados pelo próprio cónego, durante uma reunião mantida com os encarregados de educação, em 2014, para permitir que as escolas tivessem um funcionamento minimamente aceitável. “Os pais aceitaram e, agora, não se percebe o motivo de tanto alarido à volta disso”, disse Isaac Makemba.
Sobre os valores das comparticipações, o porta-voz explicou que, para o ensino primário, os alunos pagam mil kwanzas, os do Primeiro Ciclo 1500 kwanzas, enquanto o Segundo Ciclo a comparticipação é de dois mil kwanzas por mês.
Quanto ao processo de matrícula, pelo menos, o candidato ao ensino primário é obrigado a pagar mil kwanzas, uma vez que a capa de processo é personalizada e engloba já o cartão de estudante. No primeiro e segundo ciclos, a confirmação custa 2.000 kwanzas.
SONIP entrega chaves
A SONIP, na condição de proprietária dos imóveis do Sequele, foi a instituição que procedeu à entrega das chaves das escolas da centralidade ao padre Apolónio Graciano. Quem o afirma é o próprio sacerdote católico.
Questionado se este contrato foi feito em que circunstância, o cónego deixou claro que, além de cidadão angolano, é um sacerdote que pertence à Igreja Católica, uma instituição conhecida universalmente pelos seus feitos no sector da Educação.
“Logo, as escolas do Sequele foram entregues à igreja, na pessoa do padre Apolónio Graciano, e a igreja tem pleno conhecimento disso”,afirmou.
Apesar das muitas intrigas, Apolónio Graciano revelou que as escolas do Sequele funcionam, até agora, graças aos muitos sacrifícios que faz, uma vez que, desde 2014, o Estado não dá subsídio algum, além de dar os professores e pagar seus salários.
Quanto às comparticipações, que vão dos mil aos dois mil kwanzas, o padre disse que existem pais que refutam os valores, alegam questões de pobreza e recusam a pagar. Referiu que é a minoria de encarregados que cumpre com o acordo.
“As cobranças das comparticipações vão continuar”, afirma categórico. “As famílias muito pobres, que têm até três filhos matriculados nestas escolas, apenas pagam a propina de um deles, para que saiam do sufoco”, ameniza.
O padre revelou que, desde 2014, pediu colaboração à Comissão Diocesana das Escolas Católicas, no sentido de se dar pendor mais religioso nas escolas que gere, mas, até agora, não obteve resposta. Para si, esta atitude representa que “há gente contra mim,
Cónego Apolónio Graciano deixou claro que, além de cidadão angolano, é um sacerdote que pertence à Igreja Católica, uma instituição conhecida universalmente pelos seus feitos no sector da Educação
mesmo dentro da sociedade a que pertenço. Porém, vou continuar a dedicar-me às boas causas”.
Igreja nega participação
O secretário nacional do clero da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé(CEAST), padre Correia Hilário, negou qualquer envolvimento da Igreja Católica na gestão das escolas da Centralidade do Sequele.
“Não existe nenhum protocolo celebrado entre a CEAST ou a Arquidiocese de Luanda, em que o padre Apolónio pertence, e o Ministério da Educação”, afirmou o sacerdote.
O prelado disse que essas escolas foram entregues ao padre Apolónio Graciano, à título pessoal, e a igreja respeita isso, mas deixa claro: “o cónego não está, de forma alguma, a representar a Igreja Católica dentro daquelas escolas, porque não foi a igreja que o colocou aí para gerir as mesmas”.
O secretário nacional do clero da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé(CEAST), padre Correia Hilário, negou qualquer envolvimento da Igreja Católica na gestão das escolas da Centralidade do Sequele
Correia Hilário explica que a CEAST desconhece a celebração do compromisso de entrega e a entidade do Estado com a qual o sacerdote Apolónio negociou a gestão das escolas. “Logo, a igreja não pode se envolver num assunto, cujo processo de cedência não esteja devidamente clarificado”, sustentou.
Apesar da estranheza do processo de entrega da gestão ao padre católico, Correia Hilário garante que a Igreja Católica sente-se honrada, por saber agora que há um sacerdote com tais responsabilidades, o que significa algum reconhecimento daquilo que, a titulo pessoal, o cónego Apolónio tem estado a fazer para a sociedade.
André Soma, director de gabinete de Educação de Luanda, revelou apenas que este problema é semelhante ao que se passa em duas escolas do KK-5000.
“Depois de muitas discussões, uma continua a funcionar como escola pública e outra ficou comparticipada. São assuntos já reportados para o Presidente da República, no ano passado”, disse André Soma.
Explicou que essas escolas foram entregues pelo Governo Provincial de Luanda, uma vez que o Gabinete da Educação não tem competência para atribuir uma escola a quem quer que seja.
“As pessoas que gerem estas instituições fazem-no de forma legal, daí que quem estuda nestas escolas deve pagar”, rematou.