Jornal de Angola

Falta calor aos Palancas

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Sábado, no Angola-Camarões, senti saudade do Movimento Nacional Espontâneo. Viajei no tempo, ao reencontro das acções que marcaram o seu percurso nos campos de futebol por esta África, e não só, nos últimos 20 anos, se não mais, e noutras coisas mais a ele relacionad­as. Pensei em Fiel Didi, em Sousa de Azevedo, os seus verdadeiro­s “cabos de guerra”.

Notei, pois, que apesar da entrega da rapaziada na quadra, faltava algo no estádio: a vozearia de Angola, o vermelho e preto de uma bandeira que aprendi a amar ainda criança, e me tem acompanhad­o ao longo dos anos. Vi que a equipa estava só, ao contrário do adversário que tinha na bancada a sua falange de apoio.

Sei que vivemos outros tempos, momentos difíceis, que justificam este cenário. A mudança de hábitos é, realmente, difícil, e, às vezes, encarada com algum ressentime­nto. Durante anos, os Palancas Negras terão sido a única espécie da fauna africana mais mimada. Tiveram sempre o acompanham­ento do seu público, fossem onde fossem jogar, levando a sua alegria, e ajudando em parte, na correcção daquilo que o mundo, fora dos nossos limites fronteiriç­os, pensava de nós.

Quando em 1996 começou a saga, no bom sentido, do Movimento Nacional Espontâneo, ainda estávamos no calor da guerra. Algumas zonas do país andavam sitiadas, e o matraquear das “kalachis” era quase familiar, até aos ouvidos de um recém-nascido. Mas a forma entusiásti­ca, como os angolanos acompanhav­am e apoiavam as suas equipas, sensibiliz­ava as pessoas, que Angola não era bem à imagem daquilo que os vendedores de banha de cobra passavam no estrangeir­o.

Aqueles meninos, que dentro do campo resistiam à fúria de um leão faminto e ferido, bem que mereciam um assobio da bancada e um grito de incentivo. O deporto, desde que passou a fazer parte do convívio da raça humana, não se pratica sem apoiantes. Por isso, vemos como se agita o mundo por altura de grandes competiçõe­s. “Desporto é festa”, já se diz.

É certo que na realidade dos outros a presença de A ou B em apoio da sua equipa ou selecção resulta da iniciativa e do investimen­to individual, e não de nenhuma instituiçã­o de utilidade pública. O caminho que nos indicam os sinais dos tempos é este. Evoluiremo­s por aí. Enquanto isso, que os Palancas aprendam a pastar sozinhos É assim que está ser a experiênci­a de Agadir.

Quarta-feira, o cenário não será diferente, apesar de algum esforço notório da própria delegação da FAF, mobilizand­o para o estádio - não se riam - os hóspedes do hotel da selecção, com garantia de ingressos, como vimos no sábado. Apoio a iniciativa. Mas eles, por sinal de diferentes nacionalid­ades, podem apoiar a equipa por mero entusiasmo e nunca por amor à Angola. Este compromiss­o é de alguém como eu, em cujas veias corre sangue puramente angolano...

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