Jornal de Angola

Concurso de leitura “Quem me Dera ser Onda”

- José Luís Mendonça

Representa um paradoxo educaciona­l a criação de um concurso “literário” dirigido às crianças, numa época em que a sociedade angolana, principalm­ente a camada estudantil, atirou para as calendas gregas o hábito da leitura. Não digo só de livros. Mesmo de jornais, meras revistas de turismo, viagens, desporto, moda, banda desenhada, para não falar mesmo de textos que proliferam na Internet.

Quase que ninguém lê nos dias que nos cercam de deserta sabedoria e solidaried­ade humana.

Foi no ano 105 que o chinês Cai Lun inventou o papel e agora nós, passados quase dois mil anos, estamos a inventar uma nova sociedade que poderá extinguir o papel e o livro. Tenho pena da Humanidade.

Mete dó ver continuar um concurso de escrita para crianças, como o nome da obra de um grande escritor angolano que, na sua infância, leu muitos livros para escrever como escreve. Crianças que não são ensinadas a ler, e ainda por cima se lhes publica a obra, que nada tem de literatura. Em vez de se lhes dar livros como prémio, dá-se-lhes dinheiro. E ainda por cima, desde que o prémio foi criado, há mais de dez anos, nunca produziu um só escritor. É de bradar aos céus!

Mas é de bradar mais aos céus, quando esta acção toda é desencadea­da por uma instituiçã­o (a União dos Escritores Angolanos) que devia velar pela qualidade das obras que Angola publica.

O Concurso Quem me Dera ser Onda fabricou uma inversão dos conceitos e do próprio ciclo da produção literária. A chamada literatura infantil, ao longo da História da Humanidade, nunca foi escrita por nenhuma criança. Angola quer aparecer como o primeiro país do Mundo, onde se está a inverter os termos do ciclo da criação literária. A criança aparece, no género da Literatura Infantil, como receptora e nunca como produtora. Quem produz boa literatura para crianças tem de ser uma pessoa adulta, conceituad­o escritor ou escritora. Caímos, em Angola, no erro de qualquer pessoa enveredar por este género por achar que é mais fácil escrever uma estoriazin­ha para crianças.

Deste equívoco intelectua­l resultante de uma má interpreta­ção da expressão “Literatura Infantil”, devido ao desconheci­mento, (por falta de leitura da parte dos adultos que criaram o concurso, da boa literatura infantil universal) resulta o chamado epifenómen­o da puerilizaç­ão do processo de criação da Literatura Angolana. É um equívoco de proporções alarmantes que deve ser imediatame­nte parado e repensado, no sentido de reverter os termos da falsa equação literária para a sequência normal da criativida­de: primeiro, a criança tem de ler; depois é que deve escrever texto literário. Ora, escrever um texto literário implica o conhecimen­to do acervo literário nacional e mundial, isto é, possuir uma Cultura Literária, que faz parte de uma Cultura Geral, que só se alcança após muitos anos de estudo. Só numa idade já adulta ou quase adulta é que o ser humano poderá dar num escritor. E só almas altamente sensíveis dão em escritores de Literatura Infantil.

Portanto, o que sugiro é que a UEA recrie o Concurso Quem me Dera ser Onda, na vertente da LEITURA. E passe a chamar-se Concurso Quem me Dera ser Onda de Leitura. Os termos desta versão já os entreguei, há mais de uma década, à UEA, pois não sou membro apenas de passeio pela Casa das Letras. Primeiro, ler, depois escrever. Não venham cá com estórias da carochinha escritas por crianças, porque quem as conta (e as escreve) são os mais velhos. As crianças aprendem primeiro. Senão, vão errar toda a vida. Vão continuar a escrever mal, como escrevem essas redacções, a pensar que é obra literária porque a UEA as publica.

Quem produz boa literatura para crianças tem de ser uma pessoa adulta, conceituad­o escritor ou escritora

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