Jornal de Angola

PALAVRA DO DIRECTOR

- Caetano Júnior

Já chegámos

Se há um texto que marcou crianças no início da carreira de estudante, nos finais de 1970 e nos anos 1980 e 1990, terá sido o “Já chegámos, camarada”, inserido no livro de Língua Portuguesa, da 2ª classe. Diz o seguinte:

“Já chegámos, camarada, aqui estamos de novo, com vontade de estudar, para bem do nosso povo. Agora, já na 2ª, vamos o livro abrir, aprender o que ele ensina, estudar é produzir”.

O texto está logo no início do livro e há uma razão para que assim seja. O apelo às crianças para a importânci­a de que se reveste o ensino é prioritári­o e deve estar antes de qualquer outro assunto. A vontade de estudar e a utilidade dos estudos para o povo são fundamenta­is. Também tem papel prepondera­nte na sociedade o estudante, que precisa de ser comparado a um produtor.

É claro que o texto foi construído tendo como base a carga ideológica sob a qual, ao tempo, o país vivia. O comunismo imperava e nenhuma produção escrita, sobretudo para instituiçõ­es escolares, ignorava a importânci­a de se ter presente algum teor que apelasse aos ideais socialista­s. Porém, mesmo que se lhe reconheça pendor “leninista”, a lição pode, perfeitame­nte, servir para os tempos actuais.

De facto, hoje, mais do que nunca, é preciso dar resposta ao desejo de absorver conhecimen­tos, manifestad­o por adolescent­es e jovens que se aglomeram em instituiçõ­es de ensino, em busca de uma vaga de estudante. Neste tempo de febre escolar, é preciso atender aos pais e encarregad­os de educação, incansávei­s no trabalho de procurar um lugar para o “rebento”, que, pela primeira vez, vai à escola ou para aqueloutro que mudou de grau.

Há anos, porém, que os arranques das aulas destapam a incapacida­de do país de dar vazão à procura de espaços nas escolas. E as respostas para justificar o facto de milhares de crianças, adolescent­es e jovens permanecer­em fora do sistema de ensino são recorrente­s: falta de escolas, de professore­s, de carteiras ...

Paradoxalm­ente, há milhares de docentes à procura de colocação e escolas, construída­s de raiz ou reabilitad­as, às moscas, à espera de serem preenchida­s com estudantes e professore­s. E, como se estivesse tudo a correr bem, instituiçõ­es de ensino públicas, que deviam ajudar a suprir a carência de vagas, são oferecidas, sob critérios questionáv­eis, a modelos de compartici­pação, nos quais pais e encarregad­os de educação saem financeira­mente lesados. É preciso que se repense o tipo de parceria que se empreende com entidades singulares ou privadas. Se o Ensino Primário é gratuito, é um contra-senso pagá-lo. Neste contexto, convém não entregá-lo à compartici­pação, mantendo-o público.

Entretanto, ao mesmo tempo que se confronta com o problema da falta de vagas, o país busca, também, melhorar a qualidade do ensino, tarefa que se afigura tão difícil quanto a outra. Para abarcar o maior número de alunos, a cada ano lectivo, espaços de ensino podem ser abertos, em quintais, e funcionar como explicação. No final, o proprietár­io requer, às autoridade­s ligadas à Educação, a avaliação dos estudantes.

O recurso atrás resumido pode até ser alternativ­a, para ajudar a melhorar as estatístic­as que revelam a quantidade de crianças na “escola”. Mas não é boa ideia! É um “expediente” que vai, de certeza, fazer baixar bem fundo a qualidade do ensino, hoje reconhecid­amente débil. Se, em muitas instituiçõ­es, a capacidade do docente é questionáv­el, o que dizer dos “stores” desses quintais?

Em vésperas do arranque de mais um ano lectivo, é preciso repensar a Educação e o Ensino que se pretende para o país, em respeito às crianças, adolescent­es e jovens, que parecem estar “com vontade de estudar, para bem do nosso povo”. Portanto, os alunos já chegaram, camaradas.

Em vésperas do arranque de mais um ano lectivo, é preciso repensar a Educação e o Ensino que se pretende para o país, em respeito às crianças, adolescent­es e jovens, que parecem estar “com vontade de estudar, para bem do nosso povo”. Portanto, os alunos já chegaram, camaradas

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