Jornal de Angola

Zuliana a mãe da Gininha

- Rui Ramos

De manhã manhãzinha se levantou a Zuliana cheirando a brisa ainda nocturna da Chicala. Nos trinta ainda não chegados mamã lhe diz tem 28 no BI fala 24 porque papá se esqueceu de registar e quando foi na administra­ção já passava anos e registou todos filhos trocou tudo. Filha de Tia Zinha e Tio Dadão. Vindos com destroços de Bula atravessan­do o Bengo rumo à Petrangol. Isso foi naqueles anos de zero à esquerda porque destruição da guerra nada acrescenta a nada. Esta não é a história dos pais é a história de Zuliana ou só Ana para os mais chegados, os irmãos, primos-irmãos, tios grandes e pequenos.

Zuliana devia ser Juliana como avó mulata mas quando papá finalmente se despreguiç­ou e foi registar o funcionári­o transpiros­o trocou o j pelo z em clara evidência da sua origem.

Magrela sempre magrela Zuliana carapinhan­do por aqui e por ali, cueca tapando palitos olhos grandes e alvos que só mesmo menina negra tem para nos olhar. Como ela chegou na Chicala nem ela sabe quando depressão lhe tapa como toalha escura ela funga. Cresceu ou melhor lhe cresceram no calulu de folhas e escapadas de gasosa e sambapitos, escola nível um chegou no dois mas sempre com mesma cueca e mesmo sapato lutando contra adolescênc­ia de desejos.

Como todas as moças kunangas começou a encarar namorados muito nova outras nanguinhas lhe falavam foi seduzindo e escolhendo tipo está a peneirar fuba para ganhar experiênci­a no sabor namorados pulas já homens da soares da costa lhe davam géneros quando ela aparecia ainda miminha e levava em casa, mamã foi senhor amigo que deu mamã desconfiav­a mas como alimento era bom, passa na frente. Perando já aqui e ali conseguiu mais uns pares de cuecas, mais um par de sabrinas, umas calças jeans trazidas da tuga até soutiã preto de renda.

Namorou e desnamorou já nem sabia mais se ter só um estava certo ou dois ou três ninguém lhe explicou a diferença. Também nem mãe nem tia lhe explicaram quando vai aparecer o sangue. Normal.

Um dia então encheu encheu tudo barriga rabo pernas bochechas. Barrigou do Aragão, moço educado que lhe enganou como é normal. Já tinha mulher e filhos e lhe prometeu te dou isto e aquilo lhe deu migalhas e umas garrafas de cerveja e lhe introduziu no champanhe Zuliana deliciou.

Quando mamã descobriu lhe surrou bem sovada mas já não dava para tirar. Aragão olhou na desgraça pegou táxi e desaparece­u na vidrul.

Se deprimiu deprimida mesmo pais lhe levaram em senhor para lhe benzer mas ela nem ria só olhava dia a dia barriga a encher. Surra surra sempre a toda a hora da mamã papá lhe apelidando de puta vizinhos lhe tujando de ordinára nem já saía do quintal. Quando explodiu foi no Ngangula se lembra apanhou táxi e segurou segurou no meio da confusão e do calor. Desembarco­u como chata naufragada na antiga casa de saúde lhe olharam com desdém as enfermeira­s e lhe puseram numa cama com mais três despossuíd­as.

Nem sabia era menina ou rapaz, à sorte. Vais sofrer minha filha para aprenderes ouviu de uma enfermeira. Lhe rasgaram para bebé nascer ela se desfaleceu. Quando bebé saiu ela acordou e viu era menina, Só reparou nos grande olhos brancos. Lindos olhos. Ouviu enfermeira do ngangula está a sangrar e lhe abandonara­m na sua sorte até mamã comprar soro e levar na enfermeira com gasosa acrescenta­da.

Dar de mamar que chatice Zuliana acabou brincadeir­a agora não dá para desistir é uma vida que saiu de ti mas Zuliana se deprimiu bebé chorava e ela mamar outra vez? Se cansava de tanto dar a chucha na menina. E Juliana desabafou desabafou com cassule é melhor eu morrer ou é melhor ela morrer. Me apetece lhe matar. Mas Zuliana não morreu nem matou suportou. Aragão era só fantasma ainda apareceu uma vez com promessa promessa e mais promessa e depois voltou nos becos.

Na manhãzinha húmida da Chicala onde cabem bakongos e gentes do mundo Zuliana nem sabe como está ali passeou uma vez duas vez três vez na marginal se encarou com Carlos ele lhe disse sou marinheiro mas não era nada marinheiro arranjava chatas dos pescadores da Chicala, Carlos do Kongo nunca foi nem mesmo na alfabetiza­ção. Se juntaram ela levou Gininha agora é que vou dizer o nome Bertina como avó avó ficou assim no registo se fizeram distraídos no Al pensando em quê ficou Bertina lá nos tempos.

Vem isto tudo a propósito de nesse dia Zuliana Zuli para uns Ana para outros se erguer do colchão de espuma gasto e berrar na Gininha se levanta vamos na escola te matricular.

Passo a explicar. Zuliana disse no Carlos a gente podia ter a nossa casa e ele sim sim mas não tinha cabeça porque nas chatas lhe desemprega­ram ele limpava e lavava e a crise entrou no país se pode trabalhar mesmo com a chata suja.

Encontrada casa, bem, casa é só forma de escrever, é mais casebre, bem na margem do mar parado, Zuliana encarou por acaso dona Carlota e lhe explicou saber tratar de cabelos. Então vai trabalhar no meu salão lhe pago cada trabalho podes tirar uns trinta mil. Zuliana foi. E Gininha nos quatro anos? Onde lhe deixa? Na vizinha? Hum!...

Tem uma creche do outro lado do mar creche Dulcineia e Zuliana foi lá quinze mil e precisa atravessar o canal de chata ou chatinha mais cem para lá cem para cá quatro vezes no dia. Bem se aquilo é chata Zuliana é doutora. É uma porta grande porta de palácio que flutua e os ratinhos da Chicala lhe remam com braços compridos e palitos. Empreended­orismo alanvacado.

Zuliana milagrou assim como deus jeová ou allá tem de ser se atirou no vazio como angolano faz sorrindo nos sorrisos bochechudo­s.

E Carlos? Bem, Carlos se encostou, hoje diz que vai nas obras amanhã desobra e quem paga tudo é Zuliana.

Zuliana magrelinha se olhando no espelho vaidosa se endireitan­do cabelo deus existe deus me protege ainda não morremos de fome.

Gininha cresce no arroz com feijão da creche. Gininha comeste o quê hoje? Hoje me deram arroz com feijão. Creche do senhor Zuadi. Mamã me bateram na escola. Foi saber porquê. Estava a brincar na hora de comer, sem importânci­a as bofetadas. Encurtando porque vida é curta. Gininha chegou quase nos seis arroz com feijão bolinhos quando calha leite é desleite e tem de ir na escola. Hum!...

Manhã manhãzinha ainda nem os corvos tinham acordado Zuliana fintou humidade com blazer do kero tapou Gininha e rumaram na escola.

A fila das quatro horas se ensonava, o sol continuava na cama. Zuliana sentou no chão e deitou Gininha no colo para a menina dormir sono nos mais novos. Nas oito horas o sol já queimava fome apertava barriga colada nas costas a funcionári­a veio dormindo e ditou: escola não tem vaga nem carteira nem sala nem material escolar vão nos colégio privado. Zuliana perguntou onde tem colégio e a doutora arrastando: não sei. Viventes sentados nos passeios olhando o ontem não sabiam nada de colégios só queriam cuca e liambar.

Zuliana mandou mensagem na patroa Lg. só. Patroa lhe mandou em colégio das madres no bairro azul África Sagrada. Foi. Pá! A esta hora? Volta amanhã bem cedo talvez.

Se enrugou a Zuliana. Dia seguinte quatro e trinta lhe entregaram número 68. Nas oito horas madre lhes benzeu filhas só recebemos sessenta não tem mais vagas. Zuliana desespero na velhice precoce manda outro Lg. só na patroa. Dona Carlota telefona na madre depois acertam passando de 68 para início. Zuliana e Gininha passam na frente deixam outros insolentes na morte. Três mil sem recibo só cartão com X no mês de Janeiro. Vitória é certa, se inscreveu. Gininha na primeira classe. Tem de ter bata custa cinco mil e propina é três mil subiu por causa dos kwanzas. Zuliana milagrou de novo. No salão nem faz quinze paus renda bem atrasada Carlos no vaivém do dormir e em casa da família bakongo nem um só pau leva em casa tudo sobra para a santa Zuliana rainha dos milagres. Zuliana olhou vazio do sol bem no cimo do céu ou do inferno lhe queimando mais três mil somando no impossível. Estava assim puxando Gininha no salão até receber chamada de papá que lhe stressou ainda mais. Afinal Carlos faz pedido ou não? Essa é outra história que vou contar depois.

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