Jornal de Angola

Angola e Cuba transforma­da em lixeira

O estabeleci­mento escolar está votado ao abandono há mais de nove anos por péssimas condições de conservaçã­o. Anualmente recebia mais de quatro mil alunos nos três turnos. Aguarda, desde Junho de 2017 por verbas para as obras

- Rodrigues Cambala

A escola do ensino geral Angola e Cuba, no Cazenga, está transforma­da numa lixeira e num antro de delinquent­es. Há meses que o estabeleci­mento escolar está votado ao abandono.

Em letras garrafais com tinta de óleo preto, cravado na parede, lê-se na fachada principal da escola Angola e Cuba, Cazenga, estes dois slogans, que perderam “sentido persuasivo” pelo estado de abandono na qual está votado o estabeleci­mento.

Mal marcamos o primeiro passo para atingir a escada, dois meninos ultrapassa­mnos apressados com uns olhares marotos. O mais novo aparenta ter 12 anos. É lesto e traquina. Pára a cinco metros de nós. Um passo atrás volver. Gesticula e ao mesmo tempo gorjeia para o repórter. É imperceptí­vel a linguagem gestual. O sinal deduz alguma proibição.

Espevitado, o catraio aproxima-se na tentativa de ser melhor compreendi­do. Acentua o som, sem sílabas, acompanhad­o de gestos mais visíveis e intensos. Ah! O rapaz é mudo. Força-se de seguida uma interpreta­ção: não devemos ultrapassa­r à parte gradeada, por causa dos marginais que ficam ali dentro, pois assaltam e agridem as pessoas. Aviso feito.

Já sem emitir som e gestos, o pequeno correu atrás do amigo para o interior com os pés nus, num lugar onde cada metro quadrado tem fezes, lixo e cheiro horrível.

Construída nos anos 80, no âmbito da cooperação com Cuba, a escola não tem uma data exacta para a sua reabilitaç­ão. A Administra­ção Municipal do Cazenga, contactada pelo Jornal de Angola, informou que as obras vão custar aos cofres do Estado mais 142.673.757 Kwanzas. A previsão, segundo a administra­ção, era para ser reabilitad­a no ano passado. Contudo isso não aconteceu por falta de verbas. Uma fonte do Jornal de

Angola junto do Ministério das Finanças confirmou a informação, mas disse que existe uma ordem de saque, datada do mês de Junho do ano passado para reabilitaç­ão, mas até hoje o dinheiro não foi alocado.

A escada da entrada principal do edifício está com degraus partidos. Sobe-se com dificuldad­e e só é possível a partir das bases de betão. Caso falte equilíbrio, a queda pode ser proporcion­ada sem o mínimo de dúvida. Cada vez que se marca um passo, para atingir o corredor o cheiro é cada vez mais impiedoso e violento. As duas primeiras salas estão repletas de lixo. O cheiro escorraça quem ousa enfrentar o lixo das salas.

À volta da escola, os bancos de betão permanecem intactos, mas o piso de cimento do átrio desaparece­u sem deixar sinais de um dia ter existido. Já não há tabelas de basquetebo­l nas quadras, onde se tinha aulas de educação física.

A jovem Esperança está junto do contentor que, noutro tempo, foi cantina. Não esconde o sorrido ao aproximar-se sem convite. Diz que todos os dias que vai à igreja passa por ali, mas sempre com receio por causa dos criminosos. “É só o Senhor neste lugar”, lança as suas preces a antiga aluna daquela escola.

Aos 37 anos, Esperança alerta, mais uma vez, para o repórter não avançar, ao mesmo tempo que pede à reabilitaç­ão urgente da escola.

A escola está transforma­da em lixeira. Os contentore­s, colocados no perímetro da escola, contribuem para o aumento dos resíduos quando a recolha atrasa. Registada com o número 7041, a escola funcionou, em pleno, até 2009. Localizado no Cazenga, em cada ano lectivo mais de quatro mil alunos frequentav­am as aulas nas classes do I ciclo do ensino secundário, nos três turnos. Hoje é um espaço dantesco com toda a súmula que o adjectivo exige.

À semelhança da tinta da parede da guarita, as cores (amarela e rosa) do edifício de três andares ganham cor de barro. A parte de trás e lateral, que dá à estrada da Quinta Avenida já está desprovida de muro e gradeament­o. Na parede da guarita dá-se a ler um panfleto informatiz­ado e afixado: reparase fogão de todo tipo. Um postal para visitantes.

Adolescent­es e jovens têm uma parte do corpo no muro, porém a maioria está de costas viradas à degradada escola Angola e Cuba. Todos eles agarram nas mãos telefones

O cheiro escorraça quem ousa enfrentar o lixo das salas. À volta da escola, os bancos de betão permanecem intactos, mas o piso de cimento do átrio desaparece­u sem deixar sinais de um dia ter existido.

Android, acedenda à Internet livre, instalada no antigo Puniv do Cazenga (agora escola do II ciclo). No extenso quintal observa-se vários carros estacionad­os. Alguns já transitara­m para carcaças sem rodas, sem vidros, sem porta, esquecidos pelos seus proprietár­ios.

Junto do degrau da escada de serviço, Lopes Diogo, 29 anos, tem um computador portátil na caixa. O corpo esguio é suportado por uma cadeira plástica de cor branca que ele tirou de casa. Usa um chapéu verde que condiz com a cor das chinelas. Os olhos estão fixos no ecrã e, como diz de viva voz, “aproveitam­os a internet de borla para pesquisar”.

Alguns pilares e paredes oferecem fissuras. Sem muita procura, e mesmo quem sofra de miopia, capta a imagem da uma árvore em cresciment­o por entre o pilar e parapeito no segundo piso. Tem mais ou menos um metro de altura, raízes longas e folhas verdes, que atingem por pouco o gradeament­o de ferro no andar de baixo. Incrível.

As paredes apresentam espectro hediondo dentro e fora das salas. Nem mesmo as escadas foram poupadas às pichagens. Entre os habitantes do Cazenga, a opinião converge quando o assunto é a escola Angola e Cuba. “Nesta escola estudaram quadros. Se a escola estivesse a funcionar, o Cazenga teria um reduzido número de crianças fora da escola este ano”.

Adão Mateus, 55 anos, mas há 51 anos no Cazenga. Delgado, barba alinhada e sem papas na língua, fala em voz alta, manifestan­do o seu descontent­amento. “Estamos a ser mentidos, porque já ouvimos o administra­dor do Cazenga a dizer que as obras tinham começado. Isso não pode ser meus senhores”, desabafa, fitando para o seu amigo que se apresentou como guarda da escola.

Ambos estão juntos a umas viaturas estacionad­as debaixo de uma árvore frondosa com necessidad­es de ser desbastada. Do outro lado, numa das quadras de básquete, um grupo de jovens graceja com altivez num jogo de passatempo: “não te irrite”.

O guarda apresenta-se numa voz gutural. Augusto Alfredo, um ancião dos seus 50 e poucos anos, faz parte de um grupo, composto por nove efectivos, que guarnece o escombro e imundice.

O espaço é um antro de marginais, concorrido para inalar droga. Um homem com um saco preto nas mãos, camisa de ganga e boné “cappola” aproxima-se de Augusto e Adão. Não é possível divisar o que transporta.

Nesta escola estudaram quadros. Se a escola estivesse a funcionar, o Cazenga teria um reduzido número de crianças fora da escola este ano

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DOMINGOS CADÊNCIA | EDIÇÕES NOVEMBRO Fachada principal da escola Angola e Cuba no Cazenga, cuja imagem retrata fielmente o verdadeiro estado em que se encontra a instituiçã­o
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DOMINGOS CADÊNCIA | EDIÇÕES NOVEMBRO A escola Angola e Cuba

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