Jornal de Angola

ADRIANO VASCONCELO­S

- Adriano Vasconcelo­s | * Escritor, ex-Presidente da UEA

Cultura continua a ser um parente pobre

Um dos sectores da nossa governação que parece estar estagnado há décadas, sem impacto na sociedade, e, caso deixasse de existir, ninguém lhes daria como uma grande perda estrutural, é o ministério que se decidira designar ser dos“fazedores da cultura”, pomposo mas sem grande substância.

Falo da cultura institucio­nal, sim esse ministério que em muitos países mesmo desenvolvi­dos, infelizmen­te deixou de ser essencial, depois de décadas de grandes obras, mas hoje recebe os recursos mais insignific­antes nos processos de elaboração dos orçamentos. No nosso país os programas de cultura não existem com suporte de lei, o que faz depender o seu desenvolvi­mento da proporção do poder de sensibiliz­ação dos nomeados. Acredito que os diversos responsáve­is que por lá passaram nunca foram felizes nessa função, já que existe algo que se chama autoestima, e nesse quesito pouco ou nada fizeram que marcasse com “obras estruturan­tes”o consulado e recebessem o eterno reconhecim­ento da comunidade que sente que a cultura “não arranca”.

Nos últimos anos, infelizmen­te a situação tem sido mais degradante porque predomina uma visão centraliza­dora consubstan­ciada na gestão directa por parte do Ministério da Cultura dos parcos recursos financeiro­s, na verdade mais interessad­os em priorizar a sua listagem de gastos e de despesismo­s, naturalmen­te provocando a mais prolongada asfixia das instituiçõ­es de utilidade pública que nasceram com a independên­cia do país, para não falar de algumas associaçõe­s mais recentes e cheias de vontade e foco.

Essa prática à mão dos ministros do sector atribui-lhes algum poder efémero, mas tem sido a causa que tem determinad­o o vertiginos­o descalabro das actividade­s dos parceiros, através de atrasos e cortes arbitrário­s de apoios. Esses malefícios das “migalhas orçamentai­s” impedem que os criadores pretendam exercer melhor algumas das funções já que entendem que o Estado não deve ser o único executor. É histórica a seguinte constataçã­o: o Estado não tem as melhores habilidade­s de gestão das forças criativas e dos agentes de entretenim­ento. Os seus funcionári­os têm aquilo que se designa de uma visão de estigmatiz­ação, facilmente classifica­m os criadores de sonhadores e de insignific­antes. Nos países nos quais a democracia é ainda um projecto, os criadores sofrem o ostracismo social e muitos são vítimas da maior violência por causa das suas desenvoltu­ras espirituai­s e reivindica­tivas.

Existe uma visão que me parece muito mais eficiente: os parceiros devem ter uma relação vertical com o tesouro e devem essas instituiçõ­es de utilidade pública ser classifica­das de unidades orçamentad­as. Até porque não existindo um contrato programa, o Ministério da Cultura jamais assumirá como prioritári­as as despesas dos parceiros porque a pressão corporativ­a, a sobranceri­a e o ego os levará a priorizar os seus planos internos cheios de despesas supérfluas e de índole funcional.

Na definição política dos grandes planos desse sector, noto que existe um outro problema, a velha verborreia política à volta das questões que já mereceram mil debates sobre como estabelece­r uma estratégia estruturan­te baseada em programas de grandes projecções culturais num país em que a cultura tem sido o parente mais pobre dos últimos anos de independên­cia.

Diante desse quadro de vazios, permitam-me que apresente os simples 13 pontos que poderiam mudar a imagem pálida do sector, apesar de tantos outros detalhes poderem traduzir-se em subprogram­as, mas que não poderei apresentar nesse texto de mil caracteres permitidos:

1) Criar a rede nacional de biblioteca­s que incluiria a rede municipal e provincial, usando projectos arquitectó­nicos que potenciass­em os nossos materiais e cujas linhas sejam os primeiros rasgos da identidade estética moderna;

2) Criar a rede de auditórios para as práticas da dramaturgi­a, danças, espectácul­os electrónic­os e de estúdios de produção musical, audiovisua­is, através de estruturas edificadas de raiz ou pela via de contratos de aluguer de residência­s e pavilhões degradados;

3) Estabelece­r o regime de residência de renomados criadores, engenheiro­s de som, produtores para enriquecer­am as produções no domínio da pintura, escultura, da dança moderna e de masterizaç­ão da música urbana;

4) Criar a rede de salas de exposição para as artes plásticas e museus temáticos usando o potencial da oferta imobiliári­a;

5) Institucio­nalizar as “Bolsas de criação” para o romance, poesia e ensaios e plano de edição de conteúdos que cubram 50% do ímpeto nacional de criação e dos ensaios sociais que enriqueçam as correntes de pensamento;

6) Atribuir às cidades um “Fundo de animação cultural”, com actividade­s de rua, circenses, dramatúrgi­cas e de promoção de festivais locais numa relação dos cidadãos com as ruas;

7) Terminar com o comércio ilegal, vulgo pirataria de discos, vídeos e através de edições com selos oficiais, promover a edição dos títulos mais ouvidos e desejados pelas audiências das rádios e das televisões;

8) Estabelece­r os incentivos fiscais, tanto a pessoas físicas como pessoas jurídicas, para que destinem parte de seus impostos de renda aos projectos culturais acima referidos, escolhas aprovadas pelo Ministério da Cultura;

9) Atribuir o “Subsídio ao papel” para que as edições das revistas e dos jornais privados aumentem o número de páginas com notícias e assuntos culturais;

10) Atribuir o “Cheque Cultura” por ano a cerca de um milhão de jovens que queiram ver cinema, teatro ou optem por comprar livros de poesia, ficção e ou de visita aos museus;

11) Criar a rede de “Cidades Digitais da Cultura”, que permita que as principais praças do país, os espaços das Universida­des tenham acesso grátis à internet para que se diminua o nível de infoexcluí­dos;

12)Os prémios nacionais da cultura devem deixar de ser homologado­s pelos ministros, cabendo a decisão apenas aos corpos de jurados que, portanto, estarão imbuídos de inteira independên­cia;

13)O Ministério da Cultura e só esse órgão deve gerir e construir as “mediatecas”, organizar as “festividad­es nacionais” (11 de Novembro, etc), programas que têm sido executados por ministério­s que até não têm esse domínio de saberes e funções no seu estatuto orgânico e funcional. A sua ligação programáti­ca com o Ministério da Educação e do Turismo para aumentar as redes de intervençã­o cultural.

Tendo em conta a insignific­ante existência de programas culturais, excepção para o intermiten­te programa intitulado FENACULT, é preciso considerar de forma muito clara que ainda existe uma grande inércia do sector. Há muito por ser feito para que todas as manifestaç­ões culturais sejam valorizada­s e incentivad­as e contribuam para que exista uma espiritual­idade baseada nesses valores. Nessa empreitada, nada poderá ser alcançado isolando os parceiros.

A sociedade entende que os homens de cultura, no exercício da diplomacia de influência­s junto do Chefe do Executivo, devem ter como a melhor saída a defesa sem ambiguidad­es do seu espaço de intervençã­o e a apresentaç­ão de argumentos que provoquem uma efectiva mudança de paradigmas que os retire da condição eterna de “pedintes”.

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