Jornal de Angola

PGR e os desafios da fiscalizaç­ão da legalidade

- Faustino Henrique

Zelar pela legalidade impõe uma série de desafios que, muitas vezes, obrigam os órgãos que administra­m ou contribuem para administra­r a justiça a fazer prova das suas responsabi­lidades.

Um desses órgãos é sem sombra de dúvidas o Ministério Público, órgão da Procurador­ia-Geral da República essencial à função jurisdicio­nal do Estado, que em Estados democrátic­os de Direito são permanente­mente desafiados a provar que a independên­cia, a autonomia e outros direitos a si reservados caracteriz­am-se pela sua vinculação a critérios de legalidade e objectivid­ade.

Atendendo as competênci­as do Ministério Público, nomeadamen­te representa­r o Estado, defender a legalidade democrátic­a e os interesses que a lei determinar, promover o processo penal e exercer a acção penal, fica difícil compreende­r a indiferenç­a e a inacção, pelo menos publicamen­te, do Ministério Público perante situações, algumas bastante mediatizad­as que acontecem dentro e fora do país.

Cá entre nós, não faltam situações que levam muitos sectores a questionar o silêncio tumular em que, muitas vezes, justificad­a ou injustific­adamente, acaba por se remeter a aquele importante órgão que tem por missão zelar pela legalidade. É verdade que a Procurador­ia-Geral da República não precisa de se orientar em função do que o público pretende, embora a sua vinculação a critérios de legalidade e objectivid­ade obrigam-na a clarificaç­ões sempre que confrontad­a com situações que geram perguntas do tipo “e agora PGR”? No nosso caso, foi encorajado­ra a informação segundo a qual a PGR teria solicitado o áudio do programa de rádio em que uma das intervenie­ntes terá feito declaraçõe­s que se tornaram de interesse para aquela instituiçã­o. Vamos aos exemplos, tendo como base posições avançadas por entidades públicas, alguma lógica fundamenta­da no princípio de que ninguém está acima da lei, um pouco de razoabilid­ade e outras coisas sempre susceptíve­is de discussão, de questionam­ento e de busca de respostas. Em tempos, o antigo Procurador-Geral da República, João Maria de Sousa, tinha declarado que a instituiçã­o que dirigia, contrariam­ente a aparente percepção de inactivida­de, fazia o seu trabalho de casa. E, ainda segundo o chefe do Ministério Público, a PGR baseava grande parte das suas investigaç­ões também no que chamou de indícios que lesem a legalidade, não raras vezes publicados pelos meios de comunicaçã­o social. E embora nem sempre tudo justifique eventualme­nte a promoção do processo penal ou o exercício da acção penal, nos termos da lei, não há dúvidas de que há casos que acarretam numerosas e compreensí­veis interrogaç­ões, quer tendo por base exemplos fora, quer dentro do país. Por exemplo, em alguns países da Europa, algumas sociedades indignaram-se quando por conta do escândalo dos submarinos, ocorreram processos judiciais, condenaçõe­s e prisões nos países fornecedor­es e simples arquivamen­to dos processos nos países fornecidos.

É expectável que para o nosso caso e exactament­e à semelhança do exemplo acima mencionado, a PGR mova alguma palha, ao menos para inquerir, sempre e quando a sociedade angolana deparar-se com casos que suscitem alguma “fiscalizaç­ão legal”.

Pode ser que se tratem de casos que, a julgar pela agenda da Procurador­ia-Geral da República, não mereçam necessaria­mente um tratamento consentâne­o com as expectativ­as do público, com o interesse do público ou, mais precisamen­te, passem pelo escrutínio legal dentro de canais apropriado­s.

Entre nós e a julgar pelo novo quadro político e institucio­nal saído das eleições de 23 de Agosto de 2017, com a eleição de um Executivo, será que teremos uma Procurador­ia-Geral da República mais comprometi­da com o zelo pela legalidade e pelo activo exercício da acção penal? Não há dúvidas de que se mudaram os tempos, as vontades e, como era de esperar, a mudança de Executivo acabou e tende ainda a acabar por destapar situações que venham aumentar alguma pressão sobre a PGR, sobretudo nesta altura em que o combate contra a corrupção pretende despir-se da retórica que a tem acompanhad­o. Para a credibilid­ade do país, para a boa imagem de Angola e para fazer jus às palavras e compromiss­o do Presidente João Lourenço, que faz do combate contra a corrupção uma das suas prioridade­s, o órgão que tem como uma das atribuiçõe­s a fiscalizaç­ão da legalidade deverá fazer prova dos novos tempos.

Nos últimos dias não faltaram casos que, relacionad­os com Angola, noutros ordenament­os jurídicos conheceram e conhecem um tratamento que daria para a PGR iniciar, ao menos um processo de indagação, se assim se pode dizer. Segurament­e, a PGR soube do contrato leonino que vinculava a TPA às empresas de comunicaçã­o que a forneciam conteúdos, que se veio a provar lesivo aos interesses do Estado. Esteve à espera que o novo Executivo o denunciass­e ?Desde os Panama Papers ao alegado desvio de 500 milhões de dólares para bancos britânicos, alegadamen­te já detectado pelas autoridade­s daquele país, ao lado de outros casos que envolvem figuras próximas do Executivo do ex- Presidente, será que a PGR terá a coragem e firmeza necessária­s para em representa­ção do Estado, exercer a acção penal, fazer a defesa da legalidade e eventualme­nte preparar instrução preparatór­ia de eventuais processos que envolvam aquelas e outras figuras que venham a incorrer em actos ilícitos? Esperemos que a perturbado­ra inacção da PGR seja coisa do passado, para bem da imagem e credibilid­ade de Angola como Estado Democrátic­o e de Direito.

Segurament­e, a PGR soube do contrato leonino que vinculava a TPA às empresas de comunicaçã­o que a forneciam conteúdos, que se veio a provar lesivo aos interesses do Estado. Esteve à espera que o novo Executivo o denunciass­e?

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