PGR e os desafios da fiscalização da legalidade
Zelar pela legalidade impõe uma série de desafios que, muitas vezes, obrigam os órgãos que administram ou contribuem para administrar a justiça a fazer prova das suas responsabilidades.
Um desses órgãos é sem sombra de dúvidas o Ministério Público, órgão da Procuradoria-Geral da República essencial à função jurisdicional do Estado, que em Estados democráticos de Direito são permanentemente desafiados a provar que a independência, a autonomia e outros direitos a si reservados caracterizam-se pela sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade.
Atendendo as competências do Ministério Público, nomeadamente representar o Estado, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar, promover o processo penal e exercer a acção penal, fica difícil compreender a indiferença e a inacção, pelo menos publicamente, do Ministério Público perante situações, algumas bastante mediatizadas que acontecem dentro e fora do país.
Cá entre nós, não faltam situações que levam muitos sectores a questionar o silêncio tumular em que, muitas vezes, justificada ou injustificadamente, acaba por se remeter a aquele importante órgão que tem por missão zelar pela legalidade. É verdade que a Procuradoria-Geral da República não precisa de se orientar em função do que o público pretende, embora a sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade obrigam-na a clarificações sempre que confrontada com situações que geram perguntas do tipo “e agora PGR”? No nosso caso, foi encorajadora a informação segundo a qual a PGR teria solicitado o áudio do programa de rádio em que uma das intervenientes terá feito declarações que se tornaram de interesse para aquela instituição. Vamos aos exemplos, tendo como base posições avançadas por entidades públicas, alguma lógica fundamentada no princípio de que ninguém está acima da lei, um pouco de razoabilidade e outras coisas sempre susceptíveis de discussão, de questionamento e de busca de respostas. Em tempos, o antigo Procurador-Geral da República, João Maria de Sousa, tinha declarado que a instituição que dirigia, contrariamente a aparente percepção de inactividade, fazia o seu trabalho de casa. E, ainda segundo o chefe do Ministério Público, a PGR baseava grande parte das suas investigações também no que chamou de indícios que lesem a legalidade, não raras vezes publicados pelos meios de comunicação social. E embora nem sempre tudo justifique eventualmente a promoção do processo penal ou o exercício da acção penal, nos termos da lei, não há dúvidas de que há casos que acarretam numerosas e compreensíveis interrogações, quer tendo por base exemplos fora, quer dentro do país. Por exemplo, em alguns países da Europa, algumas sociedades indignaram-se quando por conta do escândalo dos submarinos, ocorreram processos judiciais, condenações e prisões nos países fornecedores e simples arquivamento dos processos nos países fornecidos.
É expectável que para o nosso caso e exactamente à semelhança do exemplo acima mencionado, a PGR mova alguma palha, ao menos para inquerir, sempre e quando a sociedade angolana deparar-se com casos que suscitem alguma “fiscalização legal”.
Pode ser que se tratem de casos que, a julgar pela agenda da Procuradoria-Geral da República, não mereçam necessariamente um tratamento consentâneo com as expectativas do público, com o interesse do público ou, mais precisamente, passem pelo escrutínio legal dentro de canais apropriados.
Entre nós e a julgar pelo novo quadro político e institucional saído das eleições de 23 de Agosto de 2017, com a eleição de um Executivo, será que teremos uma Procuradoria-Geral da República mais comprometida com o zelo pela legalidade e pelo activo exercício da acção penal? Não há dúvidas de que se mudaram os tempos, as vontades e, como era de esperar, a mudança de Executivo acabou e tende ainda a acabar por destapar situações que venham aumentar alguma pressão sobre a PGR, sobretudo nesta altura em que o combate contra a corrupção pretende despir-se da retórica que a tem acompanhado. Para a credibilidade do país, para a boa imagem de Angola e para fazer jus às palavras e compromisso do Presidente João Lourenço, que faz do combate contra a corrupção uma das suas prioridades, o órgão que tem como uma das atribuições a fiscalização da legalidade deverá fazer prova dos novos tempos.
Nos últimos dias não faltaram casos que, relacionados com Angola, noutros ordenamentos jurídicos conheceram e conhecem um tratamento que daria para a PGR iniciar, ao menos um processo de indagação, se assim se pode dizer. Seguramente, a PGR soube do contrato leonino que vinculava a TPA às empresas de comunicação que a forneciam conteúdos, que se veio a provar lesivo aos interesses do Estado. Esteve à espera que o novo Executivo o denunciasse ?Desde os Panama Papers ao alegado desvio de 500 milhões de dólares para bancos britânicos, alegadamente já detectado pelas autoridades daquele país, ao lado de outros casos que envolvem figuras próximas do Executivo do ex- Presidente, será que a PGR terá a coragem e firmeza necessárias para em representação do Estado, exercer a acção penal, fazer a defesa da legalidade e eventualmente preparar instrução preparatória de eventuais processos que envolvam aquelas e outras figuras que venham a incorrer em actos ilícitos? Esperemos que a perturbadora inacção da PGR seja coisa do passado, para bem da imagem e credibilidade de Angola como Estado Democrático e de Direito.
Seguramente, a PGR soube do contrato leonino que vinculava a TPA às empresas de comunicação que a forneciam conteúdos, que se veio a provar lesivo aos interesses do Estado. Esteve à espera que o novo Executivo o denunciasse?