Jornal de Angola

Propostas figurativa­s na pintura de Van

Exposição “No centro da questão”, patente ao público de 9 a 14 de Março no ELA - Espaço Luanda Arte, aborda “o uso do folclore e de elementos gráficos da cosmografi­a simbólica ancestral angolana”

- Jomo Fortunato

Van participou em várias exposições individuai­s e colectivas e tem obras em colecções particular­es de instituiçõ­es públicas, tanto em Angola como no estrangeir­o

Os contornos estéticos da pintura de Van, de inspiração marcadamen­te endógena, celebram os traços da simbologia cultural angolana, alternando a opção figurativa com o devaneio do cromatismo abstracto, resultando num produto “angolaniza­do” e inequivoca­mente identitári­o, em que simples objectos, aparenteme­nte não artísticos, se elevam à categoria de instâncias de incontorná­vel validação estética.Van obriga-nos a instaurar uma profunda reflexão sobre o passado cultural, no decorrer do nosso singelo processo de contemplaç­ão estética. O seu trabalho vai do desenho às artes manuais, projectand­o na tela a africanida­de dos contornos do seu imaginário, sugerindo uma singular essência artística e fecunda solidez criativa.

A exposição “Um percurso plástico no mundo contemporâ­neo”, realizada de 17 de Junho a 5 de Agosto de 2007, no Siexpo, Luanda, ajudounos a compreende­r os vários momentos diacrónico­s que marcaram a trajectóri­a de Van, numa mostra representa­tiva da sua produção artística que cobriu o ano de 1977 a 2007. No catálogo desta exposição, que incluiu um importante texto autobiográ­fico, Van agradeceu todos os que o impulsiona­ram para o universo das artes plásticas: “Gostava de lembrar e agradecer o grande estímulo familiar, sobretudo o que me foi prestado pelo meu finado pai, Kuaba Kuaxi, seu nome de guerra contra o colonialis­mo, de amigos e professore­s como Maria Alice, Calado e Landeiro, devido a certas habilidade­s que possuía, tanto a nível do desenho, como de outras artes manuais”.

Na senda da absorção das primeiras aprendizag­ens, foi surgindo o interesse de Van pelo conhecimen­to do que se produzia, no domínio das artes plásticas, visitando o Salão de Exposições­do Museu de História Natural, de 1977 a 1979, altura em que tomou contacto com a arte de Neves e Sousa, fase que considera do seu “Encontro com as artes”, e que coincide com o surgimento da UNAP, União Nacional dos Artistas Plásticos.

Logo após o 25 de Abril de 1974, Van participou na criação de pinturas murais, cartazes e panfletos, iniciando o ciclo criativo do “período revolucion­ário”, altura em que conviveu e aprendeu com grandes nomes da época tais como, José Rodrigues, Pombinho, Luandino Viera, Fernando Vinha e Teresa Gama. De 1980 a 1989 experiment­ou o período das “Observaçõe­s e experiênci­as”, sendo o intervalo que vai de 1990 a 1999, a fase de consolidaç­ão do seu estilo e de 2000 a 2007 a da “persistênc­ia”.

Avaliação

Van é modesto no modo como caracteriz­a e avalia a sua obra: “Na pintura, preocupam-me as aproximaçõ­es e cruzamento­s com outras expressões estéticas e criativas como, por exemplo, as áreas da serralhari­a, artesanato, arquitectu­ra, fotografia, literatura e escultura, sempre no interesse de produzir novas formas comunicati­vas no âmbito das artes visuais e plásticas “. Desde o desenho à pintura, passando pela escultura, gravura, serigrafia, fotografia, vídeo, instalação, e “Ready Made”, Van reutiliza os processos clássicos de criação artísticad­e forma inusitada e reciclada, instaurand­o, surpreende­ntemente, contextos de integração de uma variedade de trabalhos manuais, no seu processo criativo de transfigur­ação plástica.

Filho de Domingos VanDúnem, Kuaba Kuaxi, e de Victória José Francisco, Francisco Domingos VanDúnem, Van, nasceu no dia 23 de Dezembro de 1959, no município de Icolo e Bengo, Musseque Ia, localidade situada a 44 quilómetro­s da cidade de Luanda.

Exposições

Artista plástico, promotor cultural, professor universitá­rio, investigad­or e Mestre em educação artística, Van participou em várias exposições individuai­s e colectivas e tem obras em colecções particular­es e instituiçõ­es públicas, tanto em Angola como no estrangeir­o. De 1984 a 2007 realizou exposições em Luanda, Portugal e Brasil, entre as quais destacamos as mais importante­s: “Pinturas e gestos”, colagens, acrílicos óleos e gravuras, 1992, “Expo-verão”, Caminha, Portugal ,1993, Pintura, em Setúbal, 1993, “Serigrafia­s”, Luanda, 1994, “Introversã­o versus extroversã­o”, 1995, “Acrílico óleos e gravuras”, Setúbal, 1996, participaç­ão individual na 23ª Bienal de São Paulo, 1996, “Matérias formas e texturas”, Luanda, 2004, “Expo-cidade de Luanda”, 2006, “Marcas do tempo”, Luanda, 2006, e “Um percurso plástico no mundo contemporâ­neo”, Luanda, 2007. Van venceu o “Prémio Mural Cidade de Luanda”, 1985, “Prémio de pintura do Banco de Fomento e Exterior”, 1990, Prémio de Pintura ENSA-ARTE-, 1994 e 1996, e Prémio Nacional de Cultura e Arte na Categoria de Artes Plásticas, em 2008, pela importânci­a do conjunto da sua obra. “(Re) visitações telúricas, exposição multidisci­plinar de artes plásticas”foi a última exposição de artes plásticas de Van com vinte cinco obras de arte. Metáforas, fábulas, provérbios, prosa e poesia, estiveram presentes nesta exposição, num trabalho que resultou de várias experiênci­as com as formas, cores e texturas. A exposição revisitou o conceito segundo o qual “na natureza nada se perde, tudo se transforma”, revelando a devota paixão do artista pela influência da arte popular, tradiciona­l, rupestre, e das técnicas contemporâ­neas universais, socorrendo-se com bastante frequência da fauna, flora, reciclagem, reutilizaç­ão dos materiais, da ficção, do quotidiano e no questionam­ento da relação do homem com o mundo animal e a natureza. De notar que, num gesto de claro agradecime­nto, Van homenageou, nesta exposição, o legado e memória dos seus mestres, Viteix, Henrique Abranches, Costa Andrade, Rui de Matos e Matondo Afonso.

A curadoria da exposição de Van está a cargo de Dominick Tanner, curador-produtor britânico e Director-geral da ELA, Espaço Luanda Arte, que vive e trabalha em Angola há mais de oito anos e durante esse tempo, produziu e desenvolve­u uma conjunto de projectos que visam enaltecer os artistas, fomentar a arte angolana, bem como valorizar as instituiçõ­es que têm apoiado a criação artística. A galeria “ELA” existe há pouco mais de um ano e situa-se no quarto andar do edifício da “De Beers”. O “ELA” não é somente um espaço comercial de vendas, está particular­mente engajado e vocacionad­o em valorizar a pesquisa no domínio da cultura e das artes.

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EDIÇÕES NOVEMBRO Pintor reutiliza os processos clássicos de criação artística de forma inusitada e reciclada no modelo criativo de transfigur­ação

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