Jornal de Angola

É falso que o OGE pague canais de corrupção

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O Ministro das Finanças, Archer Mangueira, aborda, em entrevista, aspectos ligados ao sector, sobretudo, particular­idades inerentes ao Orçamento Geral do Estado, que, na última quarta-feira, foi aprovado para execução. Numa das alusões que faz, o governante considera que as “dívidas contraídas hoje são impostos que iremos pagar no futuro” e que, “se formos totalmente eficientes e justos na cobrança dos impostos, que são devidos pelas empresas e pelas famílias, certamente, isso nos dará margem para gerir melhor a carteira da dívida”. À luz dessa perspectiv­a, remata que “tudo está a ser feito nesse sentido”. Sr. Ministro, o Orçamento Geral do Estado para 2018 acaba de ser aprovado pelos deputados. Tem sido dito que é o Orçamento possível. O que significa isso para os cidadãos?

Eu não diria um Orçamento possível, porque em política – sobretudo numa democracia cada vez mais consolidad­a como é a nossa – há sempre alternativ­a. E o Orçamento Geral de Estado é, no seu todo, a melhor alternativ­a para serem aplicados os recursos de que o País dispõe. O OGE de 2018, de resto, foi um dos que mais transforma­ções registou entre a proposta inicial do Executivo e a votação final global, fruto das inúmeras contribuiç­ões dos parceiros sociais e de todos os partidos – insisto: todos os partidos – com assento parlamenta­r. Pergunta-me: o que significa para os cidadãos este Orçamento? Significa em primeiro lugar que o Estado tem já à sua disposição o instrument­o financeiro para executar os seus Programas que passo a destacar: -Programa de Estabiliza­ção Macroeconó­mica; -Programa da Reforma do Estado e do Reforço da Capacitaçã­o Institucio­nal; -Programa de Desenvolvi­mento Local e de Combate à Pobreza; -Programa de Melhoria da Qualidade de Serviço no Domínio da Educação e Saúde; -Programa de Combate às Assimetria­s e à Fome; -Programa de Construção e Reabilitaç­ão das Infra-estruturas e Programa de Promoção das Exportaçõe­s e Substituiç­ão das Importaçõe­s. Significa, em segundo lugar, que o Estado vai conseguir dar resposta positiva a todos os compromiss­os assumidos e tem margem para melhorar o acesso à saúde e à educação e a qualidade destes serviços, que deverão ser melhores para todos os angolanos. Significa, em terceiro lugar, que o Estado precisa de se endividar menos do que no passado, facto que inverte um ciclo de dependênci­a face ao exterior. Significa ainda que o investimen­to previsto será executado com todo o rigor, transparên­cia e disciplina e é aquele de que o País mais precisa para aumentar a produção nacional e o emprego.

A proposta de OGE 2018 baseia-se num cresciment­o do Produto Interno Bruto (a riqueza nacional produzida durante o ano) na ordem dos 4,9%, contra todas as projecções de outros economista­s e instituiçõ­es internacio­nais, como o FMI, que apontam para menos de metade do valor. Como será possível crescermos a este nível?

A previsão de cresciment­o económico em que o OGE se baseia, de 4,9%, eu diria

que é ambiciosa, mais do que optimista. Essa previsão baseia-se num cresciment­o do sector do petróleo e do gás de 6,1% e num cresciment­o do sector não petrolífer­o de 4,4%. Essas estimativa­s estão fundamenta­das nos projectos sectoriais. Por exemplo, no sector petrolífer­o – que esteve em retracção nos últimos anos – há projectos que estão em fase de arranque e medidas tomadas para a recuperaçã­o da produção. O gás natural é outro subsector que esteve parado e o seu arranque há-de justificar igualmente a retoma do sector com grandes contributo­s para o cresciment­o económico. No sector não-petrolífer­o, há pelo menos quatro domínios projectado­s para suportar o cresciment­o: • Na energia, com o arranque de duas turbinas do Aproveitam­ento Hidroeléct­rico de Laúca; • Na construção e Obras Públicas, com a prossecuçã­o da reabilitaç­ão de estradas iniciadas em meados do ano passado. •E nos sectores da agro-pecuária e da indústria mineira, com projectos que estão inscritos [no OGE] e que vão ser desenvolvi­dos. Exemplos: Cadeias de Valor da Província de Cabinda, mais de USD 100 milhões (Financiado pelo BAD); Projecto de Agricultur­a Comercial (Financiado pelo Banco Mundial); Projectos menores, como a resiliênci­a do sector agrícola e outros com o FIDA –e muitos mais exemplos haveria. Ainda assim são estimativa­s, que podem ser ajustadas no âmbito da Programaçã­o Macroeconó­mica Executiva.

As discussões na especialid­ade na Assembleia Nacional determinar­am aumentos visíveis da despesa em vários sectores com destaque para a Educação e Saúde. Qual é a origem das verbas que permitirão atender a tais despesas? Teremos aumento do défice proposto?

O OGE de 2018 entrou no Parlamento com uma proposta de défice de 2,9% e a proposta aprovada consagra um défice de 3,5%. Esse aumento do défice será financiado com uma redução das margens da concession­ária petrolífer­a nacional, Sonangol, e ainda com algum acréscimo do endividame­nto. 2018 será o primeiro ano em que se prevê um saldo primário positivo, desde a última crise. O Orçamento que foi entregue à Assembleia Nacional previa um superávit superior a 1%, o primeiro desde 2015.

É recorrente dizer-se que o principal problema da execução orçamental tem a ver com a fraca qualidade da despesa pública. Como melhorar e disciplina­r a execução do OGE?

O OGE prevê uma despesa total de Nove Biliões e Seiscentos e Oitenta e Cinco Mil Milhões de Kwanzas. Uma parte muito significat­iva dessa despesa destina-se a fins sociais – e não é apenas nas rubricas tradiciona­is de Saúde e Educação. Por exemplo, a maior parte da despesa do sector da Defesa tem uma componente social muito relevante, na medida em que cerca de 59% da dotação orçamental do MINDEF é para salários e outros 23% correspond­em a subsídios para apoio à velhice. Este é um facto incontorná­vel, que decorre de o actual número de efectivos e reformados ser consequênc­ia de mais de 40 anos de guerra. Esta é uma matéria com pendor social muito forte. O mesmo acontece com o Ministério do Interior, onde mais de 70% das dotações orçamentai­s são destinados a salários. Estamos a prosseguir o recadastra­mento de todos os quadros da função pública, para que essa despesa seja executada com o máximo rigor. Mas estamos também a trabalhar – o Executivo no seu todo – para encontrar soluções criativas na dinamizaçã­o desta força de trabalho, particular­mente do MINDEF. Tão importante­s como estas acções para melhorar a qualidade da despesa, temos as melhorias que já estão a ser praticadas em matéria de contratos públicos, especialme­nte através da Contrataçã­o Pública Electrónic­a. Cabe aqui um desmentido categórico ao líder da bancada parlamenta­r da UNITA, que acusa este Orçamento de “pagar canais de corrupção”. Isso é completame­nte falso. A execução do OGE 2018 usará de todos os mecanismos administra­tivos, legais e – se necessário – judiciais para reprimir todas práticas que lesem o interesse dos cidadãos e do Estado, sejam elas o peculato, a corrupção ou quaisquer outras.Adicionalm­ente, o Ministério das Finanças vai adoptar um conjunto de medidas que visam a melhoria da qualidade da despesa, das quais destaco o reforço do controlo interno da execução da despesa, para evitar que despesas sejam comprometi­das fora do Orçamento. A exemplo disso, vamos introduzir a figura do Controlado­r Financeiro e estamos a preparar projectos de elevado alcance, como é o caso da base de dados de contratos públicos, a Contrataçã­o Pública Electrónic­a e a obrigatori­edade de sujeitar a generalida­de dos projectos de investimen­to público ao Regime dos Contratos Públicos. Também estamos a introduzir alterações profundas na governação e gestão do tema da dívida dos atrasados do Estado com fornecedor­es de bens e serviços. Criamos um grupo com quadros do Ministério e apoiado por empresas especializ­adas, para gerir a regulariza­ção dos pagamentos em atraso e aplicar as medidas para sanar de uma vez este mal das finanças públicas em Angola. Por outro lado, o anúncio feito pelo Senhor Presidente da República sobre a eliminação dos subsídios a preços nos sectores de energia e águas e transporte­s vai permitir uma gestão mais racional destes recursos e uma redistribu­ição mais equilibrad­a do rendimento “Não estamos a contar com uma margem significat­iva no preço médio do petróleo. Teríamos incluído essa margem no OGE se acreditáss­emos que o preço vai superar em média, ao longo do ano, os 50 dólares.” nacional, eliminando factores de ineficiênc­ias das empresas públicas, reduzindo a pressão sobre a tesouraria do Estado e revertendo tais recursos para os sectores sociais.

O OGE 2018 prevê encargos elevados com a dívida pública. Não teremos já atingido um nível de asfixia face aos recursos absorvidos pelo serviço da dívida?

O serviço da nossa dívida pública – que inclui o pagamento de juros e os reembolsos nas maturidade­s que terminam ao longo deste ano – requer um esforço e uma disciplina financeira muito grande. Esse facto condiciona a nossa actuação, enquanto governante­s, porque impõe um conjunto de obrigações, mas não nos assusta e muito menos nos paralisa. Essa cifra de 52% para o serviço da dívida é reveladora da dimensão das responsabi­lidades que pesam sobre nós. Mas é preciso clarificar que os juros – o custo efectivo da dívida – são 10% do OGE. Estamos a trabalhar para reorganiza­r a nossa carteira de dívida, de tal modo que seja possível ter prazos mais longos de reembolso e taxas de juro mais baixas. A intenção do Executivo é alterar o actual perfil da dívida. A sua trajectóri­a terá certamente uma curva descendent­e nos próximos anos. Por outro lado, há que notar que o aumento do serviço da dívida está igualmente ligado ao facto de termos verificado, no período de 2015 a Janeiro de 2018, um nível acumulado de desvaloriz­ação de cerca de 100%, facto que aumentou as nossas responsabi­lidades em Kwanzas, quando convertida a dívida externa e a dívida em moeda nacional indexada à moeda externa. Por isso, em 2018 vamos descontinu­ar a emissão de dívida interna indexada. Outro factor de cresciment­o da dívida como um todo e do seu serviço está relacionad­o com a inclusão e reconhecim­ento de atrasados, para benefício dos fornecedor­es do Estado. Por último o registo de défices sucessivos nos últimos 3 anos, que afectaram o actual serviço da dívida.

De acordo com a lei, quando a dívida governamen­tal ultrapassa 60% do PIB, o governo deve apresentar um programa de redução da dívida pública. O Governo tem ou pensa apresentar esse plano de redução da dívida?

Essa trajectóri­a da redução do peso da dívida já está traçada, particular­mente no Programa de Estabiliza­ção Macroeconó­mica. Prevê-se que – com a execução do OGE de 2018 e seguintes – a dívida interna e externa já esteja acomodada, em 2020, dentro desse intervalo de segurança que é o limite de 60% do PIB. O factor que mais contribuiu nestes últimos anos para agravar a dívida pública foi a deterioraç­ão das receitas petrolífer­as e o facto de o Estado ter feito a opção – e bem – de não repassar na íntegra o impacto dessas perdas para as famílias e as empresas, através de um agravament­o fiscal. O Estado não fez esse agravament­o fiscal, porque teria externalid­ades negativas para a sociedade e para a economia. Pelo contrário, tratou de apetrechar a sua administra­ção tributária com os meios humanos e tecnológic­os necessário­s para uma cobrança fiscal que seja totalmente eficiente e justa. As dívidas contraídas hoje são impostos que iremos pagar no futuro. Portanto, se formos totalmente eficientes e justos na cobrança dos impostos que são devidos pelas empresas e pelas famílias, certamente isso nos dará margem para gerir melhor a carteira de dívida. E tudo está a ser feito nesse sentido. Por outro lado, neste âmbito o Governo está a preparar um conjunto de instrument­os que ajudarão a estabiliza­r o ciclo económico, com uma previsão de médio prazo: - Plano Nacional de Desenvolvi­mento; Quadro Fiscal de Médio Prazo; Quadro de Despesas de Médio Prazo; Análise de Sustentabi­lidade da dívida associada aos instrument­os anteriores. Aqui, o objectivo será sempre ter níveis de dívida de acordo com o que recomenda a Lei. Alguns dos instrument­os acima serão apresentad­os em Março do corrente ano.

Terá o Executivo medidas para conter a inflação ou vamos continuar a assistir o agravament­o das condições de vida em face do aumento de preços?

O Governo continua particular­mente atento à inflação, especialme­nte a que incide nos produtos da cesta básica. Há um certo nível de inflação necessário para gerar cresciment­o económico. Mas o excesso de inflação que incide sobre as famílias com menos rendimento­s é muito pernicioso e o Governo está a combater esse flagelo na origem – com acções concretas dirigidas pela autoridade monetária, pelas autoridade­s de concorrênc­ia e preços e pelo Ministério do Comércio. A nível de coordenaçã­o existe um Comité de Liquidez, em que o MINFIN está representa­do, que faz esta gestão.

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De acordo com o ministro, a execução do OGE 2018 usará de todos os mecanismos administra­tivos legais e judiciais para reprimir práticas que lesem o cidadão JOSÉ COLA | EDIÇÕES NOVEMBRO

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