Jornal de Angola

Quem desamarrou a chuva?

- Osvaldo Gonçalves

Fica por se saber quem desamarrou a chuva e quem lá esteve diz que a interrupçã­o do desfile central do Carnaval na Nova Marginal teve razão de ser, tão forte o lençol de água que bem se poderá dizer que o céu resolveu desabar sobre a cabeça dos foliões.

Poderíamos recorrer à mitologia asteca, desconfiad­os de que ninguém reparou na nossa presença quando passámos diante da tribuna principal misturados numa qualquer ala de gentios. É certo que nos disfarçámo­s o melhor que pudemos, primeiro, empunhando uma lança, depois, arco e flecha, mas éramos nós mesmos, Tlaloc, o Deus da chuva, o senhor do raio, do trovão, do relâmpago, senhor do inferno.

Poderíamos ainda evocar a mitologia grega, mas temíamos que depois a Polícia andasse por aí à procura de algum Nereu dos tempos modernos. Tal seria exigir demais, quando é muito mais fácil atribuir tudo aos escritos da Bíblia e ficar por aí, descansado­s, porque, se as escrituras sagradas falam em chuva em Luanda, por altura do Carnaval, não seremos nós a duvidar. Mais complicado será explicar como, mais uma vez, a chuva só choveu mesmo depois de o União Mundo da Ilha desfilar.

Nessa maka do desamarrar da chuva no Dia de Carnaval não metemos a nossa colher, mesmo porque não faz muzongué com lambula e faltounos farinha musseque para a pura farofa – só havia farinha Malanje e dessa não gostamos, não senhor, porque é torrada demais e lhe falta aquele tom azedo que só as larvas são capazes de lhe acrescenta­r. Por mais avisos do INAMET e mais ameaços do céu, juramos a pés juntos a nossa total inocência, mesmo porque se algum pedido fizemos à Kianda foi apenas que chovesse de mansinho, para enverdejar a nossa hortinha, não que diluviasse como diluviou, ao ponto de afogar todas as cabuenhas que estavam a secar na tarimba, ainda tudo em meia-cura.

O que sobra vai no Mar, dizem os nossos kotas e nós respeitamo­s, por saber que em boca de mais-velho só saem dentes podres, nunca as palavras, mas desconsegu­imos conter a revolta diante de tanto prejuízo.

O peixe tinha passado duas noites na salmoura antes de ser estendido nas tarimbas feitas de ramas de coqueiro uma parte, a maioria mesmo ramas de palmeira que um parente trouxe para nos boamuximar – ele tem casa lá na Boa Esperança e nunca que nos ofereceu um kacoxito de maruvo, mas pronto! A vida é mesmo assim, vamos fazer mais como?

Mas, como não há dor sem ferida, adiantamos de manifestar a nossa desconfian­ça nesse tal de S. Valentim e nos mais jovens, miúdos descuidado­s com o futuro, convencido­s de que mais vale um hambuguer que uma lambula. Afinal, como pode alguém querer comer carne em plena Quarta-feira das Mabangas?

Se as escrituras sagradas falam em chuva em Luanda, por altura do Carnaval, não seremos nós a duvidar. Mais complicado será explicar como, mais uma vez, a chuva só choveu mesmo depois de o União Mundo da Ilha desfilar

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