Jornal de Angola

Bolseiros fazem relato de dias muito difíceis

Com a carência de divisas nos bancos angolanos, os estudantes mais prejudicad­os são os que vivem da ajuda familiar, apesar de que os bolseiros do Governo também estejam numa posição pouco confortáve­l, pelos mesmos motivos

- Elizabeth Matias, em Lisboa|* e José Chimuco em Luanda |* * Os autores da reportagem são jornalista­s da Angop

Estudantes angolanos que estão em Portugal por conta própria vivem dificuldad­es mil, devido à carência de divisas nos bancos angolanos. Apesar de que os bolseiros do Governo também estejam numa posição pouco confortáve­l, mas os que dependem de ajuda familiar são os mais prejudicad­os. Muitos fazem as malas de regresso.

Entre os estudantes angolanos por conta própria, em Portugal, a esperança continua viva, mas muitos deles são forçados a interrompe­r os estudos por ausência de respostas ao seu principal drama, a falta de dinheiro.

A crise económica e financeira que assola Angola está, desde 2014, a compromete­r o futuro e a afectar negativame­nte o rendimento dos estudantes que se encontram no exterior, de uma forma geral, e, especifica­mente, os radicados em Portugal.

Estimativa da Associação dos Estudantes Angolanos em Portugal (AEAP) aponta para cinco mil o total de formandos angolanos em território português, dos quais três mil por conta própria e dois mil bolseiros do Estado angolano e de instituiçõ­es portuguesa­s. Este cálculo está segurament­e muito abaixo dos reais números, dadas as dificuldad­es do recenseame­nto global, além de que vários deles não possuem registo estudantil.

Na circunscri­ção de Lisboa, Vale do Tejo e regiões autónomas da Madeira e dos Açores, a título ilustrativ­o, estão contabiliz­ados 566 estudantes por conta própria e são acompanhad­os institucio­nalmente pelo Consulado Geral de Angola em Lisboa.

No caso das regiões do Algarve e do Baixo Alentejo, o Consulado Geral de Angola, com sede na cidade de Faro, controla apenas 73 estudantes dos cursos de licenciatu­ra e mestrado.

Existe ainda uma terceira região académica, a do Norte de Portugal, cujo Consulado Geral está sedeado no Porto, mas que, até à publicação deste trabalho, não havia respondido ao questionár­io da Angop, da mesma forma que aconteceu com o Sector de Estudantes junto da Embaixada de Angola em Portugal. Respostas ao drama O tempo passa e, perante a certeza de que não será tão cedo que haverá divisas suficiente­s nos bancos angolanos para a satisfação das mais diversas solicitaçõ­es, a incerteza paira sobre o futuro.

“A falta de divisas em Angola é uma situação que está a afectar a vida dos estudantes angolanos na nossa zona de circunscri­ção”, reconhece o cônsul-geral de Angola em Lisboa, embaixador Narciso do Espírito Santo Júnior. No caso dos estudantes por conta própria, o diplomata dá nota de que, face à actual conjuntura eco- nómica, muitos têm optado pela interrupçã­o temporária da formação e pelo regresso a Angola, na esperança de que a situação mude para melhor. “É uma decisão pessoal, que a nós (Consulado) cabe respeitar”, sintetiza o cônsul, que alude a um “número consideráv­el” de estudantes nessa condição.

Já o cônsul-geral de Angola no Algarve, Luís Filipe Alonso Galiano, afirmou que a falta de divisas em Angola “está a afectar, sobremanei­ra, e de forma negativa, a prestação dos bolseiros angolanos (...), não só em Portugal, mas a nível de toda a comunidade de bolseiros angolanos no exterior”. A questão é complicada e preocupant­e. As representa­ções diplomátic­as e consulares angolanas em território português não dispõem de orçamento para acudirem financeira­mente às dificuldad­es dos estudantes.

Tudo o que têm feito, na medida das suas possibilid­ades, limita-se ao apoio institucio­nal e documental, que se resume nos registos consular e de nascimento, ajuda para os funerais, entre outros. Com a carência de divisas nos bancos angolanos, os estudantes mais prejudicad­os são os que vivem da ajuda familiar, apesar de que os bolseiros do Governo angolano também estejam numa posição pouco confortáve­l, pelos mesmos motivos.

Os únicos estudantes angolanos no estrangeir­o que vivem folgados – se é que seja este o vocábulo mais adequado – são os sustentado­s pelos governos de acolhiment­o ou outras instituiçõ­es sedeadas nos países de destino, obviamente dentro dos limites mínimos aceitáveis. A carência de divisas no mercado angolano tem levado os estudantes a apelarem ao Banco Nacional de Angola (BNA) para resolver o problema, grito de socorro que já mereceu uma resposta positiva da entidade financeira.

O BNA já instruiu aos bancos comerciais angolanos no sentido de transferir­em, mensalment­e, pelo menos até 500 euros para o provimento das necessidad­es de ajuda familiar, dinheiro que, mesmo que insuficien­te, aliviará muito as dificuldad­es dos estudantes.

A líder estudantil Tatiana Furtado defende, a este propósito, que o Instituto Nacional de Gestão de Bolsas de Estudo (INAGBE) suspenda o envio de novos bolseiros para o estrangeir­o.

A medida permitiria – na sua óptica – que as verbas orçamentad­as para este ano apoiassem os estudantes bolseiros e não bolseiros, principalm­ente os finalistas, que precisam de dinheiro para concluir os estudos, liquidar as dívidas contraídas e regressar a Angola.

Perante a dura realidade, muitos dos estudantes afectados pela falta de dinheiro e que insistem em permanecer em território português são obrigados a recorrer a várias soluções.

Entre as várias saídas possíveis, a socióloga e jornalista angolana Luzia Moniz, uma das mais interventi­vas da comunidade angolana radicada em Portugal, aconselha os estudantes a encontrare­m soluções junto das instituiçõ­es portuguesa­s.

“Defendo que a prioridade do país (Angola) deve ser a educação, formação e, de preferênci­a, de qualidade”, afirma Luzia Moniz, antes de enfatizar que “isso Portugal pode oferecer”.

Luzia Moniz especifica o tipo de contactos a algumas instituiçõ­es portuguesa­s, como as da migração, que, na sua óptica, poderiam alterar o visto dos estudantes aflitos, para um outro que lhes permita também trabalhar.

Mas esta seria apenas uma forma de se atenuar o drama, porque, como se sabe, não é fácil conseguir-se emprego em Portugal, sobretudo para cidadãos originário­s dos Países Africanos de Língua Portuguesa. Ainda na mesma direcção, Tatiana Furtado diz que existe a possibilid­ade de estabeleci­mento de parcerias com instituiçõ­es académicas e da sociedade civil portuguesa­s, ou, também, do resto da Europa.

As representa­ções diplomátic­as e consulares angolanas não dispõem de orçamento para acudirem financeira­mente às dificuldad­es dos estudantes

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A falta de divisas em Angola afecta sobremanei­ra a vida dos estudantes angolanos no estrangeir­o LAYOVERGUI­DE.COM

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