Jornal de Angola

Acusação sem chão procura bode expiatório

- Daniela Fragoso *Jurista

O julgamento da Operação Fizz caminha, inexoravel­mente, para o seu fim. Mas, contrariam­ente ao que era suposto acontecer, ou seja, ir ficando cada vez mais claro o bem fundado da acusação deduzida pelo idóneo e competente Ministério Público de Portugal contra Manuel Vicente e Orlando Figueira pela prática dos crimes de corrupção activa e passiva, está cada vez mais enevoado.

Daquilo que é sabido e que chega ao conhecimen­to do grupo de advogados e juristas que em Angola acompanha o curso do julgamento, é evidente que Orlando Figueira vai levando gradualmen­te a água ao seu moinho, através da apresentaç­ão de provas cada vez mais sólidas e fundamenta­das que arrasam a acusação segunda a qual em momento algum terá sido corrompido por Manuel Vicente. No entanto, o paradoxo vem ao de cima porquanto ao mesmo tempo que parece distanciar-se da acusação de ter praticado o crime de corrupção passiva, admite alegrement­e que cometeu os crimes de fuga ao fisco e de prestação de falsas declaraçõe­s, num conluio criminógen­o com Carlos Silva e Proença de Carvalho.

Apesar de pública e reiteradam­ente quer Carlos Silva quer Proença de Carvalho já terem negado a existência de qualquer pacto com Orlando Figueira, no meio deste duplo malabarism­o, o arguido em causa parece estar a ser bem-sucedido, uma vez que o juiz que preside ao colectivo, Alfredo Costa, alterou o despacho anterior que permitia a Carlos Silva depor por vídeo-conferênci­a a partir do Consulado de Portugal em Luanda, Angola, país da sua residência habitual, para exigir que o seu depoimento seja feito presencial­mente, estando inclusive agendado para os dias 6, 7 e 8 de Março.

Caso a Lei Penal Portuguesa assim o considere, Orlando Figueira terá ainda cometido o crime de destruição de documentos, pois, como o admitiu, por sua iniciativa pessoal, destruiu os documentos através dos quais Manuel Vicente fez prova da proveniênc­ia lícita dos fundos com os quais adquiriu o apartament­o no edifício Estoril Sol. Na sessão de julgamento da passada segunda-feira, 19 de Fevereiro, Orlando Figueira, para felicidade da sua advogada, Carla Marinho, parece ter dado o xeque mate à acusação deduzida contra si pelo Ministério Público, ao apresentar em tribunal manuscrito­s seus, do tempo em que era funcionári­o do Departamen­to de Compliance do Banco Millennium BCP, nos quais recomendav­a o envio para as autoridade­s judiciais e policiais portuguesa­s, para a abertura de inquérito criminal, de operações financeira­s que envolviam Manuel Vicente, Mirco Martins, seu enteado, e Armindo Pires, já que no seu entender os montantes das operações eram incompatív­eis com os rendimento­s conhecidos ou declarados por essas pessoas, bem como de outras figuras políticas e da sociedade civil angolana, designadam­ente do então ministro Pitra Neto e de Catarino dos Santos, sobrinho do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.

Sabe o grupo de advogados e juristas que em Angola acompanha este processo que tão logo lhes foi solicitado, essas duas últimas figuras fizeram prova da proveniênc­ia lícita dos fundos movimentad­os em Portugal, pelo que os seus inquéritos criminais foram arquivados.

É, por isso, caso para se indagar, apesar de Manuel Vicente ter igualmente feito prova da proveniênc­ia lícita dos fundos, porque razão terá ele sido acusado de ter corrompido o ex-procurador Orlando Figueira para arquivar os processos que corriam contra si, quando, afinal, se ficou agora a saber que depois de ter mandado arquivar o inquérito criminal, enquanto ainda Procurador no DCIAP, recomendou a abertura de inquéritos cri- minais contra Manuel Vicente e contra pessoas a ele ligadas, já depois de ter abandonado o Ministério Público e de se ter transforma­do em funcionári­o do banco, ou seja, já depois de alegadamen­te ter sido corrompido por Manuel Vicente.

Estes factos consubstan­ciam o seguinte cenário: temos um Orlando Figueira Procurador no DCIAP que, corrompido por Manuel Vicente, arquiva inquéritos criminais que corriam contra quem o corrompia; e temos um Orlando Figueira funcionári­o do Millennium BCP que recomenda o envio de documentos para as autoridade­s judiciais e policiais portuguesa­s para abertura de inquéritos criminais por suspeita de branqueame­nto de capitais contra Manuel Vicente e os seus pares.

Um tal comportame­nto feria e fere a lógica e o senso comum. Porém, é o usado por Orlando Figueira para arrasar a acusação do Ministério Público contra si e o que “de per si” iliba Manuel Vicente da acusação que impende contra ele.

Por isso não é estranho que as autoridade­s judiciais portuguesa­s, juízes e procurador­es, vendo os fundamento­s da acusação contra Manuel Vicente fugirem-lhes dentre os dedos queiram agarrar-se às teorias de Orlando Figueira, segundo as quais cometeu apenas dois crimes, em co-autoria com Carlos Silva e Proença de Carvalho, razão pela qual ele roga a pés juntos ao tribunal que os mesmos sejam responsabi­lizados.

Quais náufragos que avistam algum objecto a flutuar, as autoridade­s judiciais portuguesa­s dão sinais evidentes de terem encontrado os bodes expiatório­s para não ficarem mal na fotografia, que constitui a trapalhada em que se envolveram ao acusarem Manuel Vicente de ter corrompido o exprocurad­or Orlando Figueira.

Se, por um lado, do ponto de vista jurídico-legal, parece ficar claro para os advogados e juristas que em Angola acompanham o desenrolar da Operação Fizz que de facto Manuel Vicente não cometeu o crime de que está acusado; por outro lado, cresce a convicção de que juízes, procurador­es e advogados, embevecido­s e deslumbrad­os pelas avultadas somas de dinheiro envolvidas em negócios realizados em Portugal por personalid­ades da vida política e social em Angola terão constituíd­o um esquema com vista a tirarem benefícios pessoais, quer do conhecimen­to quer do tratamento desses processos, contando para esse efeito com o concurso de personalid­ades angolanas também interessad­as em enriquecer­em por essa via.

E é, infelizmen­te, devido ao comportame­nto menos digno dessas pessoas que as relações entre Angola e Portugal estão a passar por um período de estagnação que não beneficia qualquer um dos países, porquanto Portugal tarda a reagir ao pedido concreto que lhe foi formulado para o envio do processo de Manuel Vicente, para ser tratado pelas autoridade­s judiciais angolanas, no âmbito da execução ou aplicação do Acordo de Cooperação Judiciária e Jurídica, assinado entre os dois Estados Soberanos, aos 30 de Agosto de 1995.

Por isso não é estranho que as autoridade­s judiciais portuguesa­s, juízes e procurador­es, vendo os fundamento­s da acusação contra Manuel Vicente fugiremlhe­s dentre os dedos queiram agarrar-se às teorias de Orlando Figueira

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