Acusação sem chão procura bode expiatório
O julgamento da Operação Fizz caminha, inexoravelmente, para o seu fim. Mas, contrariamente ao que era suposto acontecer, ou seja, ir ficando cada vez mais claro o bem fundado da acusação deduzida pelo idóneo e competente Ministério Público de Portugal contra Manuel Vicente e Orlando Figueira pela prática dos crimes de corrupção activa e passiva, está cada vez mais enevoado.
Daquilo que é sabido e que chega ao conhecimento do grupo de advogados e juristas que em Angola acompanha o curso do julgamento, é evidente que Orlando Figueira vai levando gradualmente a água ao seu moinho, através da apresentação de provas cada vez mais sólidas e fundamentadas que arrasam a acusação segunda a qual em momento algum terá sido corrompido por Manuel Vicente. No entanto, o paradoxo vem ao de cima porquanto ao mesmo tempo que parece distanciar-se da acusação de ter praticado o crime de corrupção passiva, admite alegremente que cometeu os crimes de fuga ao fisco e de prestação de falsas declarações, num conluio criminógeno com Carlos Silva e Proença de Carvalho.
Apesar de pública e reiteradamente quer Carlos Silva quer Proença de Carvalho já terem negado a existência de qualquer pacto com Orlando Figueira, no meio deste duplo malabarismo, o arguido em causa parece estar a ser bem-sucedido, uma vez que o juiz que preside ao colectivo, Alfredo Costa, alterou o despacho anterior que permitia a Carlos Silva depor por vídeo-conferência a partir do Consulado de Portugal em Luanda, Angola, país da sua residência habitual, para exigir que o seu depoimento seja feito presencialmente, estando inclusive agendado para os dias 6, 7 e 8 de Março.
Caso a Lei Penal Portuguesa assim o considere, Orlando Figueira terá ainda cometido o crime de destruição de documentos, pois, como o admitiu, por sua iniciativa pessoal, destruiu os documentos através dos quais Manuel Vicente fez prova da proveniência lícita dos fundos com os quais adquiriu o apartamento no edifício Estoril Sol. Na sessão de julgamento da passada segunda-feira, 19 de Fevereiro, Orlando Figueira, para felicidade da sua advogada, Carla Marinho, parece ter dado o xeque mate à acusação deduzida contra si pelo Ministério Público, ao apresentar em tribunal manuscritos seus, do tempo em que era funcionário do Departamento de Compliance do Banco Millennium BCP, nos quais recomendava o envio para as autoridades judiciais e policiais portuguesas, para a abertura de inquérito criminal, de operações financeiras que envolviam Manuel Vicente, Mirco Martins, seu enteado, e Armindo Pires, já que no seu entender os montantes das operações eram incompatíveis com os rendimentos conhecidos ou declarados por essas pessoas, bem como de outras figuras políticas e da sociedade civil angolana, designadamente do então ministro Pitra Neto e de Catarino dos Santos, sobrinho do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.
Sabe o grupo de advogados e juristas que em Angola acompanha este processo que tão logo lhes foi solicitado, essas duas últimas figuras fizeram prova da proveniência lícita dos fundos movimentados em Portugal, pelo que os seus inquéritos criminais foram arquivados.
É, por isso, caso para se indagar, apesar de Manuel Vicente ter igualmente feito prova da proveniência lícita dos fundos, porque razão terá ele sido acusado de ter corrompido o ex-procurador Orlando Figueira para arquivar os processos que corriam contra si, quando, afinal, se ficou agora a saber que depois de ter mandado arquivar o inquérito criminal, enquanto ainda Procurador no DCIAP, recomendou a abertura de inquéritos cri- minais contra Manuel Vicente e contra pessoas a ele ligadas, já depois de ter abandonado o Ministério Público e de se ter transformado em funcionário do banco, ou seja, já depois de alegadamente ter sido corrompido por Manuel Vicente.
Estes factos consubstanciam o seguinte cenário: temos um Orlando Figueira Procurador no DCIAP que, corrompido por Manuel Vicente, arquiva inquéritos criminais que corriam contra quem o corrompia; e temos um Orlando Figueira funcionário do Millennium BCP que recomenda o envio de documentos para as autoridades judiciais e policiais portuguesas para abertura de inquéritos criminais por suspeita de branqueamento de capitais contra Manuel Vicente e os seus pares.
Um tal comportamento feria e fere a lógica e o senso comum. Porém, é o usado por Orlando Figueira para arrasar a acusação do Ministério Público contra si e o que “de per si” iliba Manuel Vicente da acusação que impende contra ele.
Por isso não é estranho que as autoridades judiciais portuguesas, juízes e procuradores, vendo os fundamentos da acusação contra Manuel Vicente fugirem-lhes dentre os dedos queiram agarrar-se às teorias de Orlando Figueira, segundo as quais cometeu apenas dois crimes, em co-autoria com Carlos Silva e Proença de Carvalho, razão pela qual ele roga a pés juntos ao tribunal que os mesmos sejam responsabilizados.
Quais náufragos que avistam algum objecto a flutuar, as autoridades judiciais portuguesas dão sinais evidentes de terem encontrado os bodes expiatórios para não ficarem mal na fotografia, que constitui a trapalhada em que se envolveram ao acusarem Manuel Vicente de ter corrompido o exprocurador Orlando Figueira.
Se, por um lado, do ponto de vista jurídico-legal, parece ficar claro para os advogados e juristas que em Angola acompanham o desenrolar da Operação Fizz que de facto Manuel Vicente não cometeu o crime de que está acusado; por outro lado, cresce a convicção de que juízes, procuradores e advogados, embevecidos e deslumbrados pelas avultadas somas de dinheiro envolvidas em negócios realizados em Portugal por personalidades da vida política e social em Angola terão constituído um esquema com vista a tirarem benefícios pessoais, quer do conhecimento quer do tratamento desses processos, contando para esse efeito com o concurso de personalidades angolanas também interessadas em enriquecerem por essa via.
E é, infelizmente, devido ao comportamento menos digno dessas pessoas que as relações entre Angola e Portugal estão a passar por um período de estagnação que não beneficia qualquer um dos países, porquanto Portugal tarda a reagir ao pedido concreto que lhe foi formulado para o envio do processo de Manuel Vicente, para ser tratado pelas autoridades judiciais angolanas, no âmbito da execução ou aplicação do Acordo de Cooperação Judiciária e Jurídica, assinado entre os dois Estados Soberanos, aos 30 de Agosto de 1995.
Por isso não é estranho que as autoridades judiciais portuguesas, juízes e procuradores, vendo os fundamentos da acusação contra Manuel Vicente fugiremlhes dentre os dedos queiram agarrar-se às teorias de Orlando Figueira