Jornal de Angola

Etiópia e Sudão em pé de guerra

Indiferent­e à polémica, a Etiópia está prestes a concluir a construção de uma enorme barragem hidroeléct­rica perto da fronteira com o Sudão, país que juntou a sua voz à do Egipto reclamando a perda de parte significat­iva da água de que necessita

- Victor Carvalho

A Etiópia está a finalizar a construção de uma das maiores barragens do Mundo perto da sua fronteira com o Sudão, com a intenção de reter a água do rio Nilo Azul e criar um lago com uma extensão de 250 quilómetro­s.

O objectivo principal desta construção é o de impulsiona­r o seu cresciment­o económico com a exportação dos grandes volumes da energia que serão gerados pela barragem.

Esta barragem, porém, está a provocar fortes críticas por parte dos seus vizinhos, Sudão e Egipto, que também retiram das águas do Nilo as suas principais fontes de recurso económico, numa região onde o precioso líquido vale muito mais que o ouro.

Apesar das críticas, a Etiópia está muito determinad­a em levar o projecto por diante e tratou de fazer, atempadame­nte, os seus “trabalhos de casa”, deslocando, por exemplo, as populações que foram afectadas pela construção da referida barragem.

Quando concluído, o muro da barragem terá dois quilómetro­s de compriment­o e 150 metros de altura, o que obriga à utilização de guindastes gigantesco­s e de outra maquinaria pesada para movimentar numerosos blocos de betão e aço.

A barragem, a maior jamais construída em África, está a ser erguida numa zona inóspita, situada a escassos 25 quilómetro­s da fronteira com o Sudão. Depois de entrar em funcioname­nto, ela terá capacidade para produzir 6.000 megawatts de energia, mais do que a Etiópia necessita para o seu consumo, mesmo tendo em conta os projectos de industrial­ização e cresciment­o que tem em carteira e outros que já estão em fase de execução.

Contestaçã­o

Mas os países vizinhos contestam este projecto, alegando que a barragem, pela sua dimensão, vai bloquear a passagem do Nilo Azul, que fornece 86 por cento de água ao rio e é de capital importânci­a para a sobrevivên­cia no Sudão e no Egipto.

Por força de contratos assinados há várias décadas, a verdade é que, actualment­e, o Sudão e o Egipto abastecem-se em 90 por cento com a água do Nilo. Isso tem levado a que estes dois países usem de todos os meios legais e diplomátic­os para tentar defender a validade desses contratos e assim manterem os mesmos níveis de abastecime­nto do precioso líquido.

Recentemen­te, Yilma Seleshi, que dirige a delegação etíope nas negociaçõe­s entre os três países referentes à barragem, disse que a Etiópia não tem qualquer intenção de prejudicar os países a jusante, seja o Egipto, ou o Sudão. “Só queremos o nosso direito: a utilização justa e razoável da água”, argumenta.

Para tentar acalmar os vizinhos, o ministro etíope das Águas, Alemayehu Tegenu, refere que uma barragem “não se enche de um dia para o outro. O enchimento vai ser progressiv­o, porque a Etiópia respeita os países a jusante. Não somos ganancioso­s”.

De acordo com especialis­tas que acompanham a execução do projecto, vai levar ainda mais seis ou sete anos até que o vale do Nilo desapareça por debaixo de um enorme lago.

O Egipto, nas reuniões que tem mantido com o Sudão e a Etiópia, por várias vezes expressou preocupaçã­o com a sua quota de água no rio Nilo.

Numa reunião ministeria­l de dois dias do comité técnico que envolve também especialis­tas do Egipto, Etiópia e Sudão, não foi aprovado um relatório introdutór­io de uma empresa de consultori­a contratada pelos egípcios para apresentar um estudo sobre o impacto da barragem no Egipto e no Sudão. “O Egipto está preocupado com o desenvolvi­mento que poderia obstruir os estudos técnicos, apesar dos esforços e da flexibilid­ade que tivemos nos últimos meses para garantir que esses estudos sejam concluídos o mais rápido possível”, disse o ministro dos Recursos Hídricos e Irrigação do Egipto, Mohamed Abdel-Aati.

As relações políticas entre o Egipto e a Etiópia têm conhecido alguns sobressalt­os desde que arrancou o projecto da barragem em Abril de 2011, ou seja, em plena fase de turbulênci­a após a “Primavera Árabe” que derrubou Hosni Mubarak.

Quando Abdel-Fattah alSisi assumiu o poder em 2014, mostrou alguma compreensã­o, mas também muita preocupaçã­o, pelas aspirações da Etiópia em produzir cerca de 6.000 megawatts de electri- cidade para o país. Embalado por essa compreensã­o, em Março de 2015, os líderes dos três países quase assinaram um acordo de cooperação inicial sobre os princípios de partilha da água do rio Nilo e a construção da barragem.

Cinco anos antes foi assinado um outro acordo entre alguns Estados da Bacia do Nilo em Entebbe, Uganda, sobre a partilha da água do Nilo, mas que foi rejeitado pelo Egipto e pelo Sudão, com a alegação de que ele afecta a sua participaç­ão anual no usufruto na água desse rio.

Na altura, em desespero de causa, o Egipto chegou mesmo a endurecer o seu discurso afirmando que a partilha das águas do Nilo poderia desencadea­r um conflito de “graves proporções”.

Nessa ocasião, a Etiópia revelou estar particular­mente atenta às reacções do Egipto, consideran­do “uma guerra psicológic­a” o discurso sobre uma acção militar contra a barragem que está a ser construída no rio Nilo, reafirmand­o que se irá defender e continuar com as obras.

A troca de mimos entre dois dos países mais populosos e de mais rápido cresciment­o em África gerou alguma preocupaçã­o internacio­nal sobre a possibilid­ade de eclodir um conflito armado por causa da água do rio Nilo, não obstante o facto de tanto a Etiópia como o Egipto não terem esgotado as tentativas para a obtenção de um compromiss­o negociado.

A barragem, a maior jamais construída em África, está a ser erguida numa zona inóspita, a escassos 25 quilómetro­s da fronteira com o Sudão e terá a capacidade de gerar seis mil megawatts de energia

 ?? MARIO GOLDMAN | AFP ?? Disputa por água pode levar países banhados pelo Nilo a confronto bélico
MARIO GOLDMAN | AFP Disputa por água pode levar países banhados pelo Nilo a confronto bélico

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