Jornal de Angola

Roteiro da incoerênci­a

- Santos Vilola

O presidente da bancada parlamenta­r da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, não é obrigado a falar à imprensa sobre a sua vida privada, mas, quando o assunto tem a ver com a sua qualidade de deputado, deve fazê-lo obrigatori­amente ou, no mínimo, dizer que não quer falar.

Na semana que terminou, o deputado protagoniz­ou um episódio ao estilo de fuga à paternidad­e, quando o Jornal de Angola tentava obter uma reacção sua sobre as acusações que pendiam sobre o maior partido da oposição por ter defendido, em 2010, a implementa­ção gradual das autarquias locais.

O ministro da Administra­ção do Território e Reforma do Estado, Adão de Almeida, acusou, na entrevista ao Jornal de Angola sobre a preparação das autarquias locais, a UNITA de populismo descontrol­ado e demagogia, falta de preparação para o processo e incoerênci­a.

Como manda o bom jornalismo, quis ouvir o líder parlamenta­r da UNITA. Depois de várias tentativas, e uma mensagem escrita deixada no seu celular a explicar o motivo das chamadas, lá no final do dia foi Adalberto da Costa Júnior quem devolveu a chamada, pedindo um enquadrame­nto sobre o assunto, pelo facto de não ter tido contacto com a edição do dia do Jornal de Angola, mas confirmou que tinha visto a entrevista à televisão pública sobre o mesmo assunto.

Na conversa ao telefone – preliminar -, o deputado detonou logo que a UNITA nunca defendeu o gradualism­o, e que as acusações não passavam de mentira velada do ministro. Mas como era ainda uma conversa preliminar, garanti ao deputado que enviaria, por correio, as questões que queria ver respondida­s. No seu correio “olissipo”, coloquei as questões e anexei uma cópia da página do projecto da UNITA sobre a Constituiç­ão, apresentad­o durante o debate constituci­onal em 2010.

À confirmaçã­o de que o correio tinha sido enviado veio a garantia de que a resposta seria dada assim que se saísse de uma reunião fora da capital do país. Lá se foi o dia e nem resposta do deputado. No dia seguinte, Adalberto da Costa Júnior já não atendia o telefone. Perto do meiodia do dia seguinte, Adalberto da Costa Júnior enviou um SMS a dizer que (ainda) estava muito ocupado. E lá seguiu o deputado ocupado até hoje. Não só não cumpriu com a sua palavra, como perdeu a oportunida­de de esclarecer que espécie de gradualism­o propôs o seu partido em 2010. Portanto, perdeu o meu respeito e prejudicou o seu partido.

Estou confortáve­l em afirmar que terá sido o facsimile da página em que consta o art.º 288 nº 3 – que diz que “a criação, organizaçã­o e funcioname­nto das autarquias obedece aos princípios do gradualism­o, da legalidade, da diferencia­ção e da participaç­ão do Estado democrátic­o de Direito” - que terá “motivado” o deputado Adalberto da Costa Júnior para o silêncio mortal.

O que me deixou estarrecid­o é o facto de o deputado se apresentar sempre como um idealista republican­o, um homem com uma determinaç­ão inabalável. Mas, afinal, é também, o mais comum dos mortais, com essa “qualidade especial” de não cumprir com a palavra dada. Como tem o meu número, já sei que vai ligar para mim, mas alerto que não vou atender a uma chamada sequer.

Com um político assim – a dispensar uma oportunida­de destas para esclarecer o que pensa o partido em meio a acusações politicame­nte graves como aquelas feitas pelo ministro Adão de Almeida – fica difícil ser plural ou sustentar os pilares da democracia. Seja como for, são os políticos que temos, e cada país tem os seus. Mas líder de bancada parlamenta­r, noutros países onde copiamos modelos que queremos aqui, é coisa séria.

Estou confortáve­l em afirmar que terá sido o fac-simile da página em que consta o art.º 288 nº 3 - que diz que “a criação, organizaçã­o e funcioname­nto das autarquias obedece aos princípios do gradualism­o, da legalidade, da diferencia­ção e da participaç­ão do Estado democrátic­o de Direito” - que terá “motivado” o deputado Adalberto da Costa Júnior para o silêncio mortal

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