Endogeneidade e assimilacionismo lusófono
África é caracterizada pela sua multiculturalidade e diversidade linguística. Independentemente do número de idiomas, a maioria dos países africanos de expressão inglesa e também alguns de expressão francesa, tendem para o uso das suas línguas africanas durante os três primeiros anos de escolaridade. Até ao momento, nenhum país de língua oficial portuguesa faz uso do seu património linguístico africano como matéria de ensino e/ou meio facilitador de aprendizagem. Contudo, a história da Educação em Angola revela-nos que as missões religiosas, contrariamente às políticas do Estado, procuram respeitar e estudar as línguas africanas como línguas de identidade cultural, na sua cooperação com a língua portuguesa. Até 1869, data da promulgação de um decreto, saído a 25 de Fevereiro de 1869, que abolia imediatamente a escravatura em todas as possessões portuguesas, são conhecidas, só por parte de eclesiásticos, as seguintes publicações:
- Em 1556, foi impresso para fins evangélicos, um manual bilingue (em língua kikongo e português), da autoria do Frei Gaspar da Conceição; - Em 4 de Março de 1624, a divulgação em kikongo, da “Cartilha da Doutrina Cristã” do Pe. Marcos Jorge. Primeiro livro impresso numa língua africana falada no hemisfério sul, quase duas décadas após a criação da primeira escola de ler e escrever em Luanda, em 1605, uma das primeiras de toda a África negra, em que o I. António de Sequeira foi o seu primeiro mestre;
- Em 1642, foi impresso, em Luanda, o primeiro catecismo bilingue, em português e kimbundu, intitulado “Gentio de Angola Suficientemente Instruído”, organizado pelo Pe. Francisco Paccónio e adaptado pelo Pe. António do Couto;
- Em 1659, foi editada em Roma, uma gramática com vocabulário de língua kikongo, da autoria de Frei Jacinto Vetralha;
- Em 1697, foi publicada a primeira gramática em língua kimbundu, intitulada “A arte da língua de Angola” da autoria do Pe. Pedro Dias; - Em 1715, saiu a público a edição em kimbundu da “Doutrina Cristã acrescentada com alguns documentos, do Pe. José Gouveia de Almeida; - Em 1864, já depois da emergência do ensino público, em 1845, foi editada a obra “Elementos Gramaticais da Língua N’Bundu”, por Manuel Alves de Castro Francina e Saturnino de Sousa Oliveira, bem como ainda o “Vocabulário de língua kimbundu”, organizado por Saturnino de Sousa Oliveira.
Num conjunto de 38 países da África Subsaariana, todos apresentarem um mesmo aspecto comum: o fraco domínio das línguas oficiais de origem europeia, independentemente do ex-país colonizador e do maior ou menor número de anos de independência. Daí que as principais razões para a introdução das línguas africanas no ensino, na opinião de Joseph Poth, especialista em didáctica das línguas junto do Instituto Nacional de Educação da República Centro Africana, decorrem, essencialmente: do elevado índice de reprovações que se verificam na escola primária, por falta da necessária competência linguística nas línguas de escolarização de origem europeia; dos avanços alcançados pela linguística, no que se refere aos sistemas de funcionamento das línguas, o que, no plano teórico, acabou por ultrapassar dificuldades consideradas, até bem pouco tempo, insuperáveis; dos progressos alcançados pela psicologia, que realçou a importância primordial da língua materna no desenvolvimento psicomotor, afectivo, moral e cognitivo da criança; do imperativo de, pedagogicamente, organizar os programas do ensino e da formação, de acordo com a realidade cultural, linguística e humana de África.
Dos países que usam um tipo de política linguística mesoglótica, onde a língua africana e uma língua de origem europeia ou árabe são co-oficiais, destacam-se, a título de exemplo, o Burundi, o Chade e o Ruanda (francês); o Botswana, o Quénia, o Lesotho, o Malawi, a África do Sul, a Nigéria, a Tanzânia e a Swazilândia (inglês); a Somália (árabe); e as Ilhas Seychelles (francês e inglês). Apenas oito países do nosso continente usam um tipo de política linguística endoglótica, em que a língua africana é a única língua nacional. Situam-se neste quadro os casos da Argélia, do Egipto, da Mauritânia, de Marrocos, do Sudão e da Tunísia (árabe), da Etiópia (amarico) e da Tanzânia (swahili). Outros países, com Angola, apresentam uma política linguística exoglótica, onde a língua de colonização é a única oficial.
Face às assimetrias de desenvolvimento entre litoral e interior, dever-se-ia pensar numa efectiva cooperação entre a língua portuguesa e as línguas africanas, quer para a melhoria do discurso pedagógico nos primeiros anos de escolaridade, quer para a necessidade de criação de um bilinguismo, tão equilibrado quanto possível, que se opunha a actual diglossia, ideologicamente de conveniência assimilacionista lusófona.