Jornal de Angola

Os sonhos desmesurad­os podem dar em pesadelos

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O turismo em Angola tem de ser referido com a máxima cautela para não parecer que estamos a querer “vender gato por lebre”, pois não reunimos, para já, condições essenciais para fazer dele fonte de receitas.

Esta não é a primeira vez que abordo o assunto e hei-de continuar a defender a mesma posição enquanto não tivermos os requisitos indispensá­veis para o podermos vender dignamente no estrangeir­o.

A indústria do turismo é tão complexa - mais, até, em alguns casos - do que qualquer outra. Angola, isso sim, possui potenciali­dades para vir a desenvolvê-la. Mas, nunca enquanto o país continuar a funcionar maioritari­amente a gerador, com custos que isso acarreta, excepção feita, naturalmen­te, aos que os vendem e fazem disso modo de vida.

Sol, praias, fauna, flora são, no caso de um país tropical como o nosso, importantí­ssimos para o turismo, mas jamais suficiente­s para pensarmos em ter uma indústria. Dependente de variadíssi­mos sectores. Todos eles a funcionar sem falhas, com precisão de relógios da Suíça. Que angariaram fama - e proveito -não por serem fabricados onde são, mas por técnicos competentí­ssimos de diferentes ramos.

Angola, além de continuar a mover-se a gerador, ainda tem falta de técnicos de vários níveis e especialid­ades em todos os ramos de actividade. O turismo não é excepção. Pelo contrário, aquelas carências reflectem-se nele de forma evidente. Por motivos óbvios, porventura mais do que qualquer outro sector.

Angola tem falta de hotéis e os dignos desse nome são obrigatori­amente caros. Pela água que falta nas torneiras e tem de ser comprada em camiões cisterna, a luz provenient­e de geradores, que não podem falhar como os do Aeroporto Internacio­nal 4 de Fevereiro. Aos clientes pode apetecer um duche a qualquer hora, as roupas deles, de quarto, bem como as do pessoal, as toalhas de mesa têm de ser lavadas diariament­e. Também utilizam televisão e Internet quando querem. Nem se lhes pode servir, por exemplo, cervejas ou sumos quentes.

Os turistas que interessam, quando querem dinheiro para gastar precisam de um sistema de multicaixa permanente, não lhes passa pela cabeça comprar dinheiro na rua! Se decidem viajar de carro exigem estradas dignas desse nome. Não concebem praias sem nadadores salvadores. Ao visitarem monumentos têm de dispor de guias qualificad­os. Se optarem pela caça, a mesma coisa. Quando se sentarem à mesa do restaurant­e esperam um local asseado e serem atendidos com profission­alismo. Ao passearem a pé querem fazê-lo em ruas sem contentore­s a transborda­r de lixo, nem buracos.

Os turistas quando regressam a casa contam, a familiares e amigos, o que de bom e mau viram e mostram fotos e vídeos. Por essa razão, tanto podem ser bons embaixador­es dos locais visitados, como afugentado­res.

Angola tem sol, mar, fauna, flora, povo afável? E depois? Chega isso para se pensar em desenvolve­r no imediato a indústria de turismo? Não, de forma alguma. Pelos motivos que referimos e muitos mais. Propagande­ar o que não temos pode custar-nos caro. Em vez de atrairmos visitantes, afastamo-los. E ainda corremos o risco de passarmos por vendedores de logros.

Antes de termos condições sequer de pensar numa indústria de turismo - porta de entrada de divisas - é preciso desenvolve­rmo-nos noutras áreas que ela exige. A pressa nunca foi boa conselheir­a. Pelo contrário, normalment­e dá maus resultados. Como costuma dizer-se, “o passo não pode ser maior do que a perna”.

Os sonhos podem ser incentivos de vida. Desde que com conta, peso e medida. Caso contrário, podem tornar-se pesadelos. Quantas vezes inibidores de acções futuras.

Angola não reúne, para já, condições para desenvolve­r a indústria de turismo. Por carência de técnicos dos sectores que a sustentam e continuar a funcionar essencialm­ente a gerador

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