Jornal de Angola

Médicos promovem farmácias

A Inspecção Geral da Saúde diz desconhece­r o assunto, mas prometeu investigar por se tratar de uma prática ilegal. A responsáve­l informou que tem realizado inspecções periódicas em farmácias e em depósitos de medicament­os

- César Esteves

Em Angola, há médicos e farmácias que recebem benesses de indústrias farmacêuti­cas para promoverem as suas marcas de medicament­os.

Em Angola, há médicos e farmácias que recebem benesses de indústrias farmacêuti­cas, para promoverem as suas marcas de medicament­o, revelou ao Jornal de Angola uma fonte do Ministério da Saúde.

A fonte, que solicitou o anonimato, informou que os médicos que estabelece­m esse tipo de pacto com as indústrias farmacêuti­cas conseguem promover os remédios a partir das receitas médicas que prescrevem aos seus pacientes.

Disse que ao prescrever­em uma receita colocam sempre a marca do medicament­o da referida indústria e convencem o paciente a comprálo, com o argumento de ser o melhor para curar a enfermidad­e que o apoquenta.

“Mas, muitas vezes, o paciente não dispõe de dinheiro suficiente para comprar a marca de medicament­o porque são caros, pois foi-lhe incutido a ideia de que só aquele fármaco cura a sua doença”, contou.

Infelizmen­te, continuou, muitos pacientes sem recursos para adquirirem o remédio prescrito pelo médico ficam impossibil­itados de tratar a doença e, com isso, vêem o quadro clínico a agravar-se a cada dia que passa.

A fonte informou que os médicos que enveredam por tais práticas têm sempre opções de medicament­os com o mesmo efeito e, por sinal, mais barato, mas não os receitam por causa do contrato com a indústria farmacêuti­ca.

“É verdade, também, que a própria população criou um preconceit­o à volta disso. Entende que só é bom medicament­o quando apresenta uma marca conhecida. Isso não passa de uma questão cultural”, frisou.

A fonte disse que a nível das farmácias a situação ocorre quando um cliente vai à procura de um medicament­o genérico e o induzem a comprar o comercial, que é mais caro e nem sempre está ao seu alcance.

Afirmou que as farmácias têm a obrigação de apresentar ao cliente as duas opções de medicament­o (comercial e genérico) para que este possa escolher o que melhor combina com o seu bolso, mas, infelizmen­te, não o fazem dessa forma.

Informou que a OMS orienta todos os países do mundo a promoverem mais os medicament­os genéricos e não os comerciais por ser a linha usada na rede pública.

Indústria que mata

A fonte disse que a indústria farmacêuti­ca é uma grande máquina de fazer dinheiro e, ao mesmo tempo, uma das que mais mata no mundo. Acrescento­u que os detentores das fábricas de medicament­os e dos grandes laboratóri­os precisam produzir cada vez mais, mas, para isso, é preciso haver doença para que os remédios tenham saída.

Aconselhou as autoridade­s do país a tomar cuidado com as ofertas de medicament­os que recebem de organizaçõ­es internacio­nais, pois disse ser uma das formas encontrada­s pelas indústrias farmacêuti­cas para se instalarem em países e, a partir daí, fazerem com que a população desse território desenvolva uma forte dependênci­a pelo seu medicament­o.

A fonte que vimos citando disse que, muitas vezes, não se consegue apurar a qualidade desses remédios oferecidos pelas organizaçõ­es internacio­nais, por falta de laboratóri­os que trabalhem no controlo de qualidade de todo tipo de produto que entra no país.

Medicament­os falsos

Um relatório da OMS tornado público, em finais do ano passado, dá a conhecer que 10% dos medicament­os em circulação pelo mundo é falso, sendo que os destinados para tratar a malária e as infecções pulmonares causam, todos os anos, a morte de mais de 200 mil pessoas, só na África Subsariana.

Um outro estudo elaborado pela “Fight the Fakes”, uma instituiçã­o que luta contra a comerciali­zação de medicament­os falsos, diz que, todos os anos, mais de 700 mil pessoas morrem em todo o mundo, devido ao consumo de fármacos contrafeit­os, usados no tratamento da malária e da tuberculos­e.

O documento acrescenta ainda que 30 por cento dos medicament­os que circulam em algumas regiões do continente africano, asiático e sul-americano são falsificad­os. A instituiçã­o diz tratar-se de um crime muito lucrativo, chegando mesmo a render entre 75 e 200 mil milhões de dólares por ano.

O relatório da instituiçã­o informa que está em circulação pelo mundo mais de 500 versões de antibiótic­os e analgésico­s contrafeit­os de produtos farmacêuti­cos.

O documento adverte que mais de 50 por cento dos medicament­os adquiridos via Internet, sobretudo os que ocultam o endereço físico, são falsificad­os.

A fonte, alto funcionári­o do Ministério da Saúde, é de opinião que a população africana é a mais afectada por este mal, porque os seus dirigentes não têm a cultura de erguer fábricas de medicament­os nos seus países, uma realidade que, em seu entender, leva a que alguns dignatário­s se acomodem à sombra da importação.

A interlocut­ora disse não fazer sentido que, neste momento, Angola não tenha em funcioname­nto uma fábrica de medicament­os. Disse que há alguns anos atrás a Divina Providênci­a, afecta à Igreja Católica, e a Ango-Médica, deixaram de funcionar por razões até agora desconheci­das.

“Se essas fábricas estivessem a funcionar, Angola não precisaria importar materiais gastáveis como, por exemplo, luvas, seringas, soros e outros”, indicou.

“Não justifica estarmos como estamos. Sempre dependente­s de tudo”, afirmou, acrescenta­ndo que esse vazio registado no país faz com que venham cá parar muitos medicament­os

As farmácias têm a obrigação de apresentar ao cliente as duas opções de medicament­o (comercial e genérico) para que este possa escolher o que melhor combina com o seu bolso

falsificad­os, que passam, sobretudo, pelas fronteiras terrestres, onde disse haver uma certa vulnerabil­idade.

“Quando começarmos a reflectir sobre as fontes de aquisição de medicament­os das empresas fornecedor­as, das farmácias, postos médicos, centros de saúde e clínicas, vamos ver que essas instituiçõ­es compram a partir de certos canais duvidosos, mesmo sabendo que são falsos”, alertou.

Segundo o interlocut­or do Jornal de Angola, a fraca fiscalizaç­ão neste sector tem provocado graves problemas de saúde no país que, muitas vezes, não são divulgados.

“Há quanto tempo é que existem os mercados dos Kwanzas, Asa Branca, Congoleses e tantos outros espalhados pelo país, onde são vendidos medicament­os ilegais, mas que ninguém faz nada para os eliminar?”, indagou.

A fonte disse que a solução para esse problema não passa por andar atrás de farmácias ilegais, que admitiu serem muitas no país, nem de lotes de medicament­os falsos, inseridos nas unidades sanitárias do Estado, mas, sim, destruir os pontos principais de venda de fármacos falsificad­os.

Alertou que em caso de não se encontrar uma solução urgente para este problema, vão surgir no país, dentro de pouco tempo, doenças estranhas, fruto do consumo de medicament­os falsificad­os.

“E nós não temos no país capacidade para responder a todos os problemas de saúde, não só por falta de dinheiro, medicament­os e camas, mas, sobretudo, especialis­tas, tecnologia e outras condições necessária­s para que se possa dar resposta aos casos de saúde”, alertou, para acrescenta­r que, caso não se faça nada, estaremos a matar de forma consciente a população.

Médicos ilegais

A fonte revelou ainda que há no país muitos médicos ilegais a trabalhare­m em clínicas legais. Segundo a fonte, não se trata apenas de elementos formados nas nossas universida­des, mas também que vêm do estrangeir­o, afirmando terem formação em determinad­as áreas quando, na verdade, não a têm.

“São apenas curiosos. E isso só acontece por causa da pouca oferta de saúde que há no país”, explicou.

A fonte é de opinião que por mais vontade que se tenha em combater as unidades de saúde e profission­ais ilegais no país, se não houver um número suficiente de inspectore­s não se vai conseguir desenvolve­r um trabalho de qualidade. Informou que o número existente é irrisório e não se sabe onde estão.

A inspectora farmacêuti­ca, afecta à Inspecção Geral da Saúde, Cristina da Cunha, que falou em nome do responsáve­l máximo da instituiçã­o, Miguel de Oliveira, não avançou o número existente actualment­e, mas admitiu ser irrisório.

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CÉSAR ESTEVES | EDIÇÕES NOVEMBRO Inspectora de Saúde Cristina da Cunha mostra as diferenças evidentes entre uma carteira de Coartem original, à esquerda, e a falsa à direita

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