Médicos promovem farmácias
A Inspecção Geral da Saúde diz desconhecer o assunto, mas prometeu investigar por se tratar de uma prática ilegal. A responsável informou que tem realizado inspecções periódicas em farmácias e em depósitos de medicamentos
Em Angola, há médicos e farmácias que recebem benesses de indústrias farmacêuticas para promoverem as suas marcas de medicamentos.
Em Angola, há médicos e farmácias que recebem benesses de indústrias farmacêuticas, para promoverem as suas marcas de medicamento, revelou ao Jornal de Angola uma fonte do Ministério da Saúde.
A fonte, que solicitou o anonimato, informou que os médicos que estabelecem esse tipo de pacto com as indústrias farmacêuticas conseguem promover os remédios a partir das receitas médicas que prescrevem aos seus pacientes.
Disse que ao prescreverem uma receita colocam sempre a marca do medicamento da referida indústria e convencem o paciente a comprálo, com o argumento de ser o melhor para curar a enfermidade que o apoquenta.
“Mas, muitas vezes, o paciente não dispõe de dinheiro suficiente para comprar a marca de medicamento porque são caros, pois foi-lhe incutido a ideia de que só aquele fármaco cura a sua doença”, contou.
Infelizmente, continuou, muitos pacientes sem recursos para adquirirem o remédio prescrito pelo médico ficam impossibilitados de tratar a doença e, com isso, vêem o quadro clínico a agravar-se a cada dia que passa.
A fonte informou que os médicos que enveredam por tais práticas têm sempre opções de medicamentos com o mesmo efeito e, por sinal, mais barato, mas não os receitam por causa do contrato com a indústria farmacêutica.
“É verdade, também, que a própria população criou um preconceito à volta disso. Entende que só é bom medicamento quando apresenta uma marca conhecida. Isso não passa de uma questão cultural”, frisou.
A fonte disse que a nível das farmácias a situação ocorre quando um cliente vai à procura de um medicamento genérico e o induzem a comprar o comercial, que é mais caro e nem sempre está ao seu alcance.
Afirmou que as farmácias têm a obrigação de apresentar ao cliente as duas opções de medicamento (comercial e genérico) para que este possa escolher o que melhor combina com o seu bolso, mas, infelizmente, não o fazem dessa forma.
Informou que a OMS orienta todos os países do mundo a promoverem mais os medicamentos genéricos e não os comerciais por ser a linha usada na rede pública.
Indústria que mata
A fonte disse que a indústria farmacêutica é uma grande máquina de fazer dinheiro e, ao mesmo tempo, uma das que mais mata no mundo. Acrescentou que os detentores das fábricas de medicamentos e dos grandes laboratórios precisam produzir cada vez mais, mas, para isso, é preciso haver doença para que os remédios tenham saída.
Aconselhou as autoridades do país a tomar cuidado com as ofertas de medicamentos que recebem de organizações internacionais, pois disse ser uma das formas encontradas pelas indústrias farmacêuticas para se instalarem em países e, a partir daí, fazerem com que a população desse território desenvolva uma forte dependência pelo seu medicamento.
A fonte que vimos citando disse que, muitas vezes, não se consegue apurar a qualidade desses remédios oferecidos pelas organizações internacionais, por falta de laboratórios que trabalhem no controlo de qualidade de todo tipo de produto que entra no país.
Medicamentos falsos
Um relatório da OMS tornado público, em finais do ano passado, dá a conhecer que 10% dos medicamentos em circulação pelo mundo é falso, sendo que os destinados para tratar a malária e as infecções pulmonares causam, todos os anos, a morte de mais de 200 mil pessoas, só na África Subsariana.
Um outro estudo elaborado pela “Fight the Fakes”, uma instituição que luta contra a comercialização de medicamentos falsos, diz que, todos os anos, mais de 700 mil pessoas morrem em todo o mundo, devido ao consumo de fármacos contrafeitos, usados no tratamento da malária e da tuberculose.
O documento acrescenta ainda que 30 por cento dos medicamentos que circulam em algumas regiões do continente africano, asiático e sul-americano são falsificados. A instituição diz tratar-se de um crime muito lucrativo, chegando mesmo a render entre 75 e 200 mil milhões de dólares por ano.
O relatório da instituição informa que está em circulação pelo mundo mais de 500 versões de antibióticos e analgésicos contrafeitos de produtos farmacêuticos.
O documento adverte que mais de 50 por cento dos medicamentos adquiridos via Internet, sobretudo os que ocultam o endereço físico, são falsificados.
A fonte, alto funcionário do Ministério da Saúde, é de opinião que a população africana é a mais afectada por este mal, porque os seus dirigentes não têm a cultura de erguer fábricas de medicamentos nos seus países, uma realidade que, em seu entender, leva a que alguns dignatários se acomodem à sombra da importação.
A interlocutora disse não fazer sentido que, neste momento, Angola não tenha em funcionamento uma fábrica de medicamentos. Disse que há alguns anos atrás a Divina Providência, afecta à Igreja Católica, e a Ango-Médica, deixaram de funcionar por razões até agora desconhecidas.
“Se essas fábricas estivessem a funcionar, Angola não precisaria importar materiais gastáveis como, por exemplo, luvas, seringas, soros e outros”, indicou.
“Não justifica estarmos como estamos. Sempre dependentes de tudo”, afirmou, acrescentando que esse vazio registado no país faz com que venham cá parar muitos medicamentos
As farmácias têm a obrigação de apresentar ao cliente as duas opções de medicamento (comercial e genérico) para que este possa escolher o que melhor combina com o seu bolso
falsificados, que passam, sobretudo, pelas fronteiras terrestres, onde disse haver uma certa vulnerabilidade.
“Quando começarmos a reflectir sobre as fontes de aquisição de medicamentos das empresas fornecedoras, das farmácias, postos médicos, centros de saúde e clínicas, vamos ver que essas instituições compram a partir de certos canais duvidosos, mesmo sabendo que são falsos”, alertou.
Segundo o interlocutor do Jornal de Angola, a fraca fiscalização neste sector tem provocado graves problemas de saúde no país que, muitas vezes, não são divulgados.
“Há quanto tempo é que existem os mercados dos Kwanzas, Asa Branca, Congoleses e tantos outros espalhados pelo país, onde são vendidos medicamentos ilegais, mas que ninguém faz nada para os eliminar?”, indagou.
A fonte disse que a solução para esse problema não passa por andar atrás de farmácias ilegais, que admitiu serem muitas no país, nem de lotes de medicamentos falsos, inseridos nas unidades sanitárias do Estado, mas, sim, destruir os pontos principais de venda de fármacos falsificados.
Alertou que em caso de não se encontrar uma solução urgente para este problema, vão surgir no país, dentro de pouco tempo, doenças estranhas, fruto do consumo de medicamentos falsificados.
“E nós não temos no país capacidade para responder a todos os problemas de saúde, não só por falta de dinheiro, medicamentos e camas, mas, sobretudo, especialistas, tecnologia e outras condições necessárias para que se possa dar resposta aos casos de saúde”, alertou, para acrescentar que, caso não se faça nada, estaremos a matar de forma consciente a população.
Médicos ilegais
A fonte revelou ainda que há no país muitos médicos ilegais a trabalharem em clínicas legais. Segundo a fonte, não se trata apenas de elementos formados nas nossas universidades, mas também que vêm do estrangeiro, afirmando terem formação em determinadas áreas quando, na verdade, não a têm.
“São apenas curiosos. E isso só acontece por causa da pouca oferta de saúde que há no país”, explicou.
A fonte é de opinião que por mais vontade que se tenha em combater as unidades de saúde e profissionais ilegais no país, se não houver um número suficiente de inspectores não se vai conseguir desenvolver um trabalho de qualidade. Informou que o número existente é irrisório e não se sabe onde estão.
A inspectora farmacêutica, afecta à Inspecção Geral da Saúde, Cristina da Cunha, que falou em nome do responsável máximo da instituição, Miguel de Oliveira, não avançou o número existente actualmente, mas admitiu ser irrisório.