O tempo da justiça
A justiça é um dos pilares fundamentais de qualquer Estado Democrático e de Direito.
A sua credibilização é o espelho do país que se está a construir. Todos os esforços nesse sentido serão poucos, para que se apliquem os princípios gerais de que todos são iguais perante a lei. Relevase o enunciado pelo Presidente da República, na sua investidura, de que ninguém é rico e poderoso demais para se furtar a ser punido, nem ninguém é pobre de mais para não ser protegido.
Para materializar este desafio obriga a que a reforma da justiça assuma um lugar entre as grandes prioridades nacionais, para que a justiça seja efectivamente um dos alicerces do Estado, de aplicação célere e justa.
É importante que os cidadãos ganhem confiança na justiça e isso consegue-se, também, pela forma como ela é aplicada, sem discriminações entre angolanos de primeira ou de segunda, independente do poder económico, político ou outro.
Conhecidas as dificuldades materiais, a justiça vive uma situação de falta de meios humanos e no que existe, a qualidade não é grande fruto das circunstâncias que todos avaliamos quotidianamente.
Olhando para trás, torna-se evidente que houve avanços nesses quesitos, mas são os próprios responsáveis da magistratura judicial, e do Ministério Público os primeiros a reconhecer que a falta de quadros é um dos maiores entraves a uma melhor aplicação da justiça, não apenas nos magistrados ou advogados, como de outros funcionários indispensáveis ao desempenho dos órgãos de justiça.
No âmbito da reforma da justiça, pretende-se avançar com a criação dos tribunais da Relação, havendo inclusive um orçamento já aprovado para o efeito. Na situação actual as dificuldades são mais que muitas pois mesmo os tribunais de primeira instância apresentam um quadro de deficiências enormes, desde os já citados recursos humanos, as instalações, as condições de funcionamento, e dificilmente se poderá falar em verdadeira justiça quando, a título de exemplo para se depor como testemunha os cidadãos passam por grandes humilhações.
O próprio Conselho Superior da Magistratura Judicial não possui instalações próprias, e talvez seja necessário uma calendarização que defina prioridades e com a necessidade de um surgimento rápido de tribunais intermédios para conseguir que se faça uma triagem dos processos que tem que subir a tribunais superiores.
Em todas as ocasiões em que empossou juízes e magistrados do Ministério Público, os discursos do Presidente da República seguem a mesma tónica, de uma maior atenção ao combate à corrupção e à impunidade.Emalgumasdelas,oChefedeEstado,enquantoprincipal magistrado da Nação, focou mesmo a sua intervenção sobre o chamado crime de colarinho branco, que diz respeito geralmente ao crime económico, de casamento sólido com a corrupção, como devendo constar entre as prioridades dos magistrados empossados.
A justiça está na boca do povo, sobretudo depois de alguns casos mediáticos que têm estado a surgir e que envolvem alegadamente já não apenas crimes menores de “pilha-galinhas”, botijas de gás ou telemóveis, mas de gente que se terá aproveitado de funções públicas que exerciam para se acapararem de dinheiros de todos nós.
É um grande teste que se apresenta às autoridades judiciais, porque do seu desfecho pode resultar uma maior identificação do cidadão para com a justiça ou, em caso de fracasso, um divórcio que não abona em nada qualquer democracia. Hoje em dia, existe essa desconfiança e nos casos mais mediatizados nota-se uma tendência clara de pressão indirecta, que passa pelo esfarrapado “de justiça sem pressão”, mas cuja acção reivindicativa constitui ela própria um factor de influência na administração da justiça. A tendência de que a justiça só é legítima quando vai de encontro aos nossos desejos e anseios tem que deixar de prevalecer no nosso quotidiano de cidadania.
Os apelos a uma atenção redobrada ao combate do chamado crime de colarinho branco têm em conta a realidade do país, marcado por elevados índices de corrupção, onde há alguns poucos que se julgam acima da lei e intocáveis perante a justiça, não hesitando em prevaricar pela confiança que têm de que nada lhes acontecerá.
Os tribunais existem exactamente para dirimirem os conflitos que vão surgindo na sociedade há que respeitar sempre o princípio da presunção da inocência.
Seria de todo aconselhável e desejável não seguir práticas que se vêem noutras paragens, de julgamentos e sentenças na praça pública, através de meios de comunicação social, redes sociais, blogosfera, e outros meios que se transformam em centros de intoxicação da opinião pública, passando por cima da honra, reputação e a preservação do bom nome a que todos têm direito. Há um tempo para tudo e este, agora, é o tempo da Justiça.
O novo Código Penal foi já aprovado pelo Governo e deve seguir agora para o parlamento, onde já esteve e quase esteve para ser aprovado à pressa no final da anterior legislatura. Mantém-se polémico quanto baste em questões fracturantes como a despenalização do aborto, não deixando de olhar também para o combate à corrupção, tema tabu até a um passado recente e no novo quadro político passou para toda a actualidade.
Neste regresso à Assembleia Nacional espera-se celeridade mas impondo a sua discussão a todas as franjas da sociedade e não que se siga uma política de exclusão, como no passado. Como ainda ontem dizia um conhecido professor universitário, as leis não devem ser apenas os juristas a trabalhar, da mesma maneira que nos programas económicos não devem ser só os economistas a ditar as regras. Há que ter em conta todas as sensibilidades e é cruzando esses variados entendimentos que pode resultar medidas de grande profundidade nas quais todos ou ou a maioria se revejam.