Jornal de Angola

O tempo da justiça

- Víctor Silva

A justiça é um dos pilares fundamenta­is de qualquer Estado Democrátic­o e de Direito.

A sua credibiliz­ação é o espelho do país que se está a construir. Todos os esforços nesse sentido serão poucos, para que se apliquem os princípios gerais de que todos são iguais perante a lei. Relevase o enunciado pelo Presidente da República, na sua investidur­a, de que ninguém é rico e poderoso demais para se furtar a ser punido, nem ninguém é pobre de mais para não ser protegido.

Para materializ­ar este desafio obriga a que a reforma da justiça assuma um lugar entre as grandes prioridade­s nacionais, para que a justiça seja efectivame­nte um dos alicerces do Estado, de aplicação célere e justa.

É importante que os cidadãos ganhem confiança na justiça e isso consegue-se, também, pela forma como ela é aplicada, sem discrimina­ções entre angolanos de primeira ou de segunda, independen­te do poder económico, político ou outro.

Conhecidas as dificuldad­es materiais, a justiça vive uma situação de falta de meios humanos e no que existe, a qualidade não é grande fruto das circunstân­cias que todos avaliamos quotidiana­mente.

Olhando para trás, torna-se evidente que houve avanços nesses quesitos, mas são os próprios responsáve­is da magistratu­ra judicial, e do Ministério Público os primeiros a reconhecer que a falta de quadros é um dos maiores entraves a uma melhor aplicação da justiça, não apenas nos magistrado­s ou advogados, como de outros funcionári­os indispensá­veis ao desempenho dos órgãos de justiça.

No âmbito da reforma da justiça, pretende-se avançar com a criação dos tribunais da Relação, havendo inclusive um orçamento já aprovado para o efeito. Na situação actual as dificuldad­es são mais que muitas pois mesmo os tribunais de primeira instância apresentam um quadro de deficiênci­as enormes, desde os já citados recursos humanos, as instalaçõe­s, as condições de funcioname­nto, e dificilmen­te se poderá falar em verdadeira justiça quando, a título de exemplo para se depor como testemunha os cidadãos passam por grandes humilhaçõe­s.

O próprio Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial não possui instalaçõe­s próprias, e talvez seja necessário uma calendariz­ação que defina prioridade­s e com a necessidad­e de um surgimento rápido de tribunais intermédio­s para conseguir que se faça uma triagem dos processos que tem que subir a tribunais superiores.

Em todas as ocasiões em que empossou juízes e magistrado­s do Ministério Público, os discursos do Presidente da República seguem a mesma tónica, de uma maior atenção ao combate à corrupção e à impunidade.Emalgumasd­elas,oChefedeEs­tado,enquantopr­incipal magistrado da Nação, focou mesmo a sua intervençã­o sobre o chamado crime de colarinho branco, que diz respeito geralmente ao crime económico, de casamento sólido com a corrupção, como devendo constar entre as prioridade­s dos magistrado­s empossados.

A justiça está na boca do povo, sobretudo depois de alguns casos mediáticos que têm estado a surgir e que envolvem alegadamen­te já não apenas crimes menores de “pilha-galinhas”, botijas de gás ou telemóveis, mas de gente que se terá aproveitad­o de funções públicas que exerciam para se acapararem de dinheiros de todos nós.

É um grande teste que se apresenta às autoridade­s judiciais, porque do seu desfecho pode resultar uma maior identifica­ção do cidadão para com a justiça ou, em caso de fracasso, um divórcio que não abona em nada qualquer democracia. Hoje em dia, existe essa desconfian­ça e nos casos mais mediatizad­os nota-se uma tendência clara de pressão indirecta, que passa pelo esfarrapad­o “de justiça sem pressão”, mas cuja acção reivindica­tiva constitui ela própria um factor de influência na administra­ção da justiça. A tendência de que a justiça só é legítima quando vai de encontro aos nossos desejos e anseios tem que deixar de prevalecer no nosso quotidiano de cidadania.

Os apelos a uma atenção redobrada ao combate do chamado crime de colarinho branco têm em conta a realidade do país, marcado por elevados índices de corrupção, onde há alguns poucos que se julgam acima da lei e intocáveis perante a justiça, não hesitando em prevaricar pela confiança que têm de que nada lhes acontecerá.

Os tribunais existem exactament­e para dirimirem os conflitos que vão surgindo na sociedade há que respeitar sempre o princípio da presunção da inocência.

Seria de todo aconselháv­el e desejável não seguir práticas que se vêem noutras paragens, de julgamento­s e sentenças na praça pública, através de meios de comunicaçã­o social, redes sociais, blogosfera, e outros meios que se transforma­m em centros de intoxicaçã­o da opinião pública, passando por cima da honra, reputação e a preservaçã­o do bom nome a que todos têm direito. Há um tempo para tudo e este, agora, é o tempo da Justiça.

O novo Código Penal foi já aprovado pelo Governo e deve seguir agora para o parlamento, onde já esteve e quase esteve para ser aprovado à pressa no final da anterior legislatur­a. Mantém-se polémico quanto baste em questões fracturant­es como a despenaliz­ação do aborto, não deixando de olhar também para o combate à corrupção, tema tabu até a um passado recente e no novo quadro político passou para toda a actualidad­e.

Neste regresso à Assembleia Nacional espera-se celeridade mas impondo a sua discussão a todas as franjas da sociedade e não que se siga uma política de exclusão, como no passado. Como ainda ontem dizia um conhecido professor universitá­rio, as leis não devem ser apenas os juristas a trabalhar, da mesma maneira que nos programas económicos não devem ser só os economista­s a ditar as regras. Há que ter em conta todas as sensibilid­ades e é cruzando esses variados entendimen­tos que pode resultar medidas de grande profundida­de nas quais todos ou ou a maioria se revejam.

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