Jornal de Angola

A escolha entre o Estado de Direito e a “instituiçã­o” corrupção

- Faustino Henrique

Nunca o país se viu confrontad­o com tantas notícias, informaçõe­s sucessivas e casos aparenteme­nte escandalos­os de posses e supostos desvios de dinheiros públicos, que envolvem pessoas endinheira­das, maior parte delas politicame­nte expostas, e que tem levado as instituiçõ­es a reagirem como deviam e podem. E grande parte da sociedade continua a questionar-se, por via de debates nas comunidade­s, conversas de café e inclusive confabulaç­ões nas viaturas de táxi, até aonde chegamos com todos estes casos, numa altura em que uma das grandes lições que todo o mundo espera é, obviamente, o papel das instituiçõ­es do Estado. Além da questão segundo a qual porque é que apenas agora algumas das instituiçõ­es do Estado, nomeadamen­te a Procurador­ia-Geral da República, parecem dispostas e comprometi­das a fazer alguma coisa quando existiu sempre, em maior ou menos dimensão, grande parte das denúncias, informaçõe­s ou casos como os actuais ?

Afinal, quem é que não se lembra quando os órgãos de comunicaçã­o nacionais e estrangeir­os faziam permanente alusão ao então denominado “Triângulo das Bermudas”, uma designação pejorativa que nos anos Noventa servia para descrever as gritantes e recorrente­s discrepânc­ias entre as contas do trio formado pela Sonangol, BNA e o Tesouro ?

Provavelme­nte, não haverá tanto de novo nestes casos que envolvem possíveis desvios de fundos em que o principal lesado foi e tem sido o Estado, mas obviamente que as instituiçõ­es têm de começar de algum lado, em algum momento. Não é segredo para ninguém que, hoje mais do que ontem, as condições e compromiss­os para combater males como a corrupção, o nepotismo, o tráfico de influência, cresceram a uma velocidade que torna praticamen­te insustentá­vel governar acompanhad­o daqueles entes pernicioso­s.

A perda do medo de falar, a ajuda das redes sociais e a sensibilid­ade para com os casos de corrupção, ao lado do cerco cada vez mais apertado para escamoteá-los, tornaram tais casos como um mal a evitar obrigatori­amente. O combate à corrupção não é moda. Está a transforma­r-se, isso sim, numa necessidad­e vital que os Estados, sobretudo aqueles em vias de desenvolvi­mento, experiment­am para limparem a imagem, tornaremse transparen­tes, continuare­m a captar investimen­to e desenvolve­rem-se. E não há muitas opções, nem as instituiçõ­es podem fazer de conta porque, na verdade, nenhum Estado pode ser ao mesmo tempo de Direito Democrátic­o e minado pelo cancro da corrupção. Pode-se dizer, sem exagero que em Angola, sobretudo desde há seis meses, assiste-se a uma espécie de transição daquele último para a efectivaçã­o plena do primeiro. E o que ocorreu e ocorre nestes últimos dias, com cenas que levaram já instituiçõ­es como a PGR a reagir, pode ser o prenúncio de dois cenários possíveis, que alimentam conversas, debates e reacções a vários níveis.

Obviamente que numa conjuntura como esta, ninguém pretende acreditar que o primeiro dos cenários tenha como substrato mero mise-en-scène institucio­nal com a abertura de inquérito por parte da PGR, com a promessa de divulgação dos seus resultados nos próximos tempos. Nem o tempo é favorável a esse tipo de exercício cujo preço político pode ser demasiado oneroso.

Outro cenário, o mais esperado e corolário de uma eventual fractura, ainda que embrionári­a, entre o Estado de Direito e a “instituiçã­o” chamada corrupção, passa pela firme e decidida responsabi­lização criminal e/ou civil de pessoas, não importa de quem se tratem, implicadas em actos que lesaram o Estado em milhões e milhões.

É muita fumaça para não haver fogo, desde ao inquérito instaurado em virtude das autoridade­s britânicas terem detectado tentativa de movimentaç­ão ilegal de 500 milhões de dólares da conta de uma empresa-fantasma, a Mais Financial Services, no Crédit Suisse de Londres e posterior transferên­cia para conta de um privado, ao inquérito dos 38 milhões de dólares movimentad­os pelo demitido Conselho de Administra­ção da Sonangol, passando pelo actual caso dos 50 mil milhões de dólares que envolve alegadamen­te altas patentes das forças armadas e a famigerada UTIP (a tal Unidade Técnica de Investimen­to Privado), que quase caucionou a burla ao Estado angolano. Curiosamen­te, alguns destes casos que envolvem entidades, singulares ou colectivas, angolanas e estrangeir­as, quando descoberto­s e levados aos tribunais, aquelas últimas enfrentam as barras da justiça e aqui nada sucede à contrapart­e angolana.

Além da questão que se levanta sobre se pretendemo­s que Angola continue a existir entre o desejado Estado de Direito e a "instituiçã­o" chamada corrupção, será essa a mensagem que pretendemo­s levar lá fora do país que temos ? A bola não está do lado da sociedade, dos activistas ou das ONG, mas das instituiçõ­es, sobretudo do poder judicial, que não pode perder essa e outras oportunida­des para fazer prova da razão de ser da sua existência.

O combate à corrupção não é moda. Está a transforma­r-se, isso sim, numa necessidad­e vital que os Estados, sobretudo aqueles em vias de desenvolvi­mento, experiment­am para limparem a imagem, tornarem-se transparen­tes, continuare­m a captar investimen­to e desenvolve­rem-se

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EL PAÍS Milhões de dólares desviados desfalcam os cofres do Estado angolano
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