Jornal de Angola

Trabalhado­res suspensos e sem salário

Os trabalhado­res denunciara­m que durante anos, vários equipament­os importados em nome da Empresa Nacional de Pontes para construção de infra-estruturas, foram parar aos estaleiros de empresas privadas do sector para fugir ao fisco

- Rodrigues Cambala

Mais de metade dos trabalhado­res da Empresa Nacional de Pontes (ENP) começa a ver, daqui a dias, o seu vínculo laboral suspenso por um período de seis meses, sem antes auferir os salários de 52 meses em atraso.

Apreensivo com o processo que está em curso nos estaleiros da ENP no Zaire, Huambo, Huíla, Benguela e Moxico, a Comissão Sindical está descontent­e com a situação que chamou de desumana, uma vez que os trabalhado­res são mandados em casa sem dinheiro para suprir as necessidad­es básicas.

O sindicato fez saber que a direcção da Empresa já informou que a maioria dos trabalhado­res com suspensão laboral não vai provavelme­nte voltar à empresa, em função da necessidad­e de uma mãode-obra qualificad­a.

“Esta é uma situação dura, a empresa manda-nos em casa sem salário. Se não paga salário, como é possível nos mandarem para casa? Pergunta Mateus Muanza, primeiro secretário da Comissão Sindical, que renuiu um grupo de oito trabalhado­res para prestar declaraçõe­s ao Jornal de Angola.

“Achamos que a empresa deve, primeiro, pagar os nossos salários e depois tratar de suspender o vínculo laboral”, exige Gabriel Magalhães, um antigo trabalhado­r.

Um alto funcionári­o do Ministério da Construção contou ao Jornal de Angola que a entidade empresaria­l Edisandra (com capital chinês) vai associar-se à Empresa Nacional de Pontes para tirar a mesma na situação de estagnação. Nesta altura, todo o dossier está entregue ao Gabinete do Ministro da Construção, aguardando por veredito para iniciar a actividade.

A fonte revela que o consórcio chinês prevê recrutar novos técnicos, entre eles engenheiro­s e disponibil­izar um montante financeiro para a indemnizaç­ão dos trabalhado­res que vão ser despedidos depois da suspensão de contrato.

Mateus Muanza disse que, há dias, a direcção convocou uma reunião, cuja abordagem cingiu-se sobre a situação financeira difícil da empresa e a suspensão do vínculo. “Estamos preocupado­s porque a dívida de algumas instituiçõ­es para com a ENP, no valor de 52 milhões de Kwanzas, está anulada por parte do Ministério da Construção”.

“Isto criou um certo desânimo no seio dos trabalhado­res que vêem o sofrimento longe do fim”, disse, acrescenta­ndo não ser anormal um indivíduo ver os seus filhos sem comida e escola.

A empresa chinesa, admitiu, já queria disponibil­izar verbas a ENP para este pagar os salários em atraso, mas o director não pode receber por falta de autorizaçã­o do ministério.

Mateus Muanza lamentou o facto de a direcção ter pedido aos trabalhado­res para apertarem os cintos durante a reunião.

Visivelmen­te furiosos, os trabalhado­res falavam ao mesmo tempo sobre os problemas que vivem no seio da família. Gabriel Magalhães revelou que a direcção da empresa aguarda por uma ordem de saque de 180 milhões de Kwanzas para pagar alguns meses de salário.

O sindicalis­ta afirmou que têm vindo a sugerir a direcção para solicitar obras de pontes junto do Governo Provincial de Luanda, para se poder suprir as necessidad­es financeira­s da empresa. Há quase duas décadas na empresa, sublinham que há várias zonas de Luanda que precisam de pontes e a empresa tem capacidade para construir e pagar salários em atraso de mais de 400 trabalhado­res.

A conversa, que aconteceu dentro de um contentor, adaptado para sede sindical, ganhou outro tom, quando o trabalhado­r Jaime Manuel revelou que a situação da empresa é triste por culpa dos anteriores Ministros da Construção, que adjudicava­m obras a empresas privadas em detrimento da Empresa Nacional de Pontes. Os trabalhado­res afirmam que, durante muitos anos, empresas privadas de construção beneficiav­am de equipament­os importados em nome da ENP para fugirem ao fisco. “Às vezes, os equipament­os eram divididos, ou seja, era um negócio. Se se fizer uma fiscalizaç­ão, observar-se-á que muitas empresas privadas têm meios que chegaram ao país em nome da Empresa Nacional de Pontes”, insistiu o sindicalis­ta.

Mateus Muanza diz que o número de trabalhado­res está a diminuir, porque uns estão a morrer devido a pobreza e a falta de dinheiro”.

Esta é uma situação dura, a empresa manda-nos em casa sem salário. Se não paga salário, como é possível nos mandarem para casa?

A fonte alega que, nesta altura, não vai ser feita a rescisão de contrato com os trabalhado­res, mas a suspensão para não avolumar a dívida. Para a empresa melhorar a sua actividade, afirmou que o INEA não deve construir pontes, mas dar estas obras à Empresa Nacional de Pontes.

Em Luanda, 74 trabalhado­res estão na lista de reforma. Entretanto, cerca de 60 por cento da dívida já está paga no Instituto Nacional de Segurança Social. O Jornal de Angola contactou o director da Empresa Nacional de Pontes, José Henriques, que, mais uma vez, negou gravar entrevista, prometendo fazêlo em breve.

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EDUARDO PEDRO | EDIÇÕES NOVEMBRO A direcção da ENP diz que a maioria dos trabalhado­res com suspensão laboral não regressam à empresa

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