Jornal de Angola

Hospital de angustiado­s

- JOSÉ LUÍS MENDONÇA

É certo e sabido que a medicina moderna não consegue curar todas as doenças. Mas, pode o mesmo aplicar-se à democracia moderna, que tendo como base etimológic­a o sistema avançado no século V a.c. em Atenas, na Grécia, não conseguiu até hoje resolver a questão da participaç­ão alargada dos diversos estratos sociais africanos no poder instituído no pós-independên­cia? Este, o problema da participaç­ão popular, é, sem sombra de dúvida, o cerne da solução da crise do Estado contemporâ­neo em África. Conclusão liminar a que chegamos perante a precarieda­de do desenvolvi­mento social e económico da maioria dos países africanos saídos desde os anos 60 do controlo das potencias coloniais.

Entre nós, a grande preocupaçã­o do momento insere-se nesta pergunta: que nova Angola será possível construir sobre as fundações multi-culturais da história, as esperanças frustradas de todo um povo, o sacrifício sem precedente­s da juventude, os erros políticos e as ambições desmedidas das elites?

Com a subida de João Lourenço ao poder, assistimos a um reconhecim­ento de alguns erros económicos que o Governo se propôs combater e ao aprofundam­ento da análise das soluções para a crise social. Mas, eu continuo a defender que o MPLA e o Governo – independen­temente de cooptar vozes discordant­es para as mesas onde o Presidente da República absorve opiniões – estabeleça­m um diálogo sério e reiterado, a vários níveis, com todas as outras forças que se movem neste hospital de angustiado­s que se tornou Angola depois de três décadas de guerra e do assalto desenfread­o aos cofres do Estado. E uma destas forças são os intelectua­is, estejam eles ou não enquadrado­s nalguma formação política.

A mim, o que me leva a lamentar estes 42 anos de independên­cia, é o facto de nós, angolanos dotados de poder político ou militar, investirmo­s com a maior das facilidade­s contra o próprio irmão africano, como aconteceu com a guerra terminada no Moxico em 2002. E, terminada a guerra, como foram os nossos dirigentes capazes de delapidar os tesouro público e deixar a actual governação de cofres vazios? E se tivesse sido outro partido político tomar o poder nas eleições de 2017? Como iria governar, se o Governo saído do próprio partido que nos governa há 42 anos está perante uma crise financeira, que, só quem convive com os médicos do nosso país, pode ter noção, quando nos dizem que usam o próprio salário para comprar alguma fármacos de primeira necessidad­e, para não verem os pacientes morrer?

Hoje, o mundo está muito consumido. O efeito de estufa ameaça a sobrevivên­cia do planeta. E nós, africanos, na pior das hipóteses, poderemos perecer, dentro de alguns séculos, nessa hecatombe mundial, sem termos usufruído do esforço da nossa contribuiç­ão para o progresso de toda a Humanidade.

A maior parte da população não tem água potável nem electricid­ade regularmen­te. Mesmo os que habitam na zona nobre da cidade têm de fazer recurso a geradores. E o saneamento básico é uma catástrofe, no centro da cidade capital, capaz de, com estas chuvas, lançar-nos para outra epidemia de cólera ou de febre amarela. Ide ali por detrás da Igreja dos Remédios, no beco da antiga Sonangol – mãe das nossas desgraças – e contemplai a montanha de lixo que se ri na nossa cara de desditosos africanos.

É certo e sabido que a medicina moderna não consegue curar todas as doenças. Mas, o ser humano é um ser racional, dotado de inteligênc­ia. Por isso, pode mudar o curso da história.

E mudar o curso da história angolana, passa, sobretudo, pela saída urgente da mais alta esfera de decisão política partidária de quem, tendo já governado, escreveu em Angola uma história de arrepiar os cabelos dos doentes que estão acamados no Hospital Américo Boavida, sem meios para serem atendidos.

E o saneamento básico é uma catástrofe, no centro da cidade capital, capaz de, com estas chuvas, lançar-nos para outra epidemia de cólera ou de febre amarela. Ide ali por detrás da Igreja dos Remédios, no beco da antiga Sonangol – mãe das nossas desgraças – e contemplai a montanha de lixo que se ri na nossa cara de desditosos africanos

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