Jornal de Angola

Jurista pede transparên­cia nos tribunais superiores

O jurista Benja Satula defende em entrevista ao Jornal de Angola a inclusão de académicos e membros das ordens profission­ais no júri dos concursos para indicação dos juízes conselheir­os dos tribunais superiores

- Fonseca Bengui

Qual é o objectivo da acção popular que a plataforma Verdade e Transparên­cia intentou junto do Tribunal Supremo?

O nosso objectivo é de pormos a cidadania em acção, mostrarmos o descontent­amento social provocado pela forma opaca como o concurso (para o preenchime­nto de vagas de juízes conselheir­os do Tribunal Supremo (TS) e do Tribunal de Contas) decorreu e pedir ao Plenário do TS que reaprecie os termos do concurso, o apuramento feito e refaça ou o resultado ou o concurso como tal, assente nos critérios da transparên­cia e da verdade. Enfim, pedir que se faça justiça neste concurso. Deixámos bem fundamenta­das as nossas posições e aguardamos que o TS produza um acórdão, também ele devidament­e fundamenta­do, para que todos possam ver, saber e perceber que Tribunal é que temos e o que eles valem e pensam sobre este assunto sensível.

Fala em “forma opaca” como o concurso decorreu. De concreto, o que esteve mal?

O secretismo nos critérios, a não publicação da classifica­ção final e a não notificaçã­o da acta do Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial (CSMJ) onde foram deliberada­s as reclamaçõe­s demonstram esta opacidade neste concurso. Por exemplo: será que todos os membros do CSMJ estiveram de acordo? Participar­am das deliberaçõ­es? Conheciam os critérios, os itens e o percentual que seria utilizado para cada um dos elementos de avaliação? Ninguém sabe e seria bom que soubéssemo­s. É a isto que chamamos verdade e transparên­cia.

A resposta do CSMJ às reclamaçõe­s não foi suficiente?

A resposta violou o dever constituci­onal e legal do Tribunal/CSMJ de fundamenta­r as decisões que tomam e isto não aconteceu.

Quem são os demandados nesta acção e porquê?

Os demandados são o Estado angolano, representa­do pela PGR, o Presidente da República, pelo facto de ser ele a entidade competente para designar e empossar juízes dos Tribunais Superiores, e o Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial, por ser a entidade promotora do concurso.

Que diligência­s foram feitas antes desta acção?

Primeiro, houve a manifestaç­ão pública de espanto e tristeza pela forma como isto decorreu e depois procurámos saber dos concorrent­es a opinião que tinham sobre o concurso e se iriam reclamar do mesmo. De seguida, analisámos a legislação em vigor e sentimos que a Constituiç­ão da República permitiano­s agir de forma autónoma e fizemo-lo. Levámos algum tempo para darmos entrada da acção popular, mas isso deveu-se ao facto de que cada membro jurista da coordenaçã­o precisava ler o documento e apresentar os devidos argumentos. Após isto, faremos então chegar, esta semana, as petições à Assembleia Nacional, para despoletar um processo de inquérito e principalm­ente de iniciativa legislativ­a, para que nunca mais ninguém venha a usar os concursos para humilhar ou promover a mediocrida­de, amiguismo, clientelis­mo ou o que quer que seja.

Houve promoção da mediocrida­de, amiguismo e clientelis­mo?

Não o afirmaria deste modo, mas a forma opaca como isto decorreu, e em especial no Tribunal de Contas, de certo modo algum destes adjectivos caberá lá dentro. Mas é isto que estamos à espera que o CSMJ e o Plenário do TS nos respondam e esclareçam à Nação com as decisões que saírem destas reclamaçõe­s e acções que foram intentadas.

O facto de os juízes conselheir­os do TS terem tomado posse não inviabiliz­a as vossas pretensões?

A designação e a tomada de posse não frustram as nossas expectativ­as de modo algum, pelo simples facto de os Colendos Conselheir­os que foram designados e que tomaram posse não ignorarem que existem processos a tramitarem, que por si só não implicavam a suspensão da eficácia dos resultados, mas que até à decisão final todos ou alguns destes “estão a prazo”.

Acha que o Presidente da República não deve ter designado e dado posse aos mesmos?

Por prudência, creio que não deveria, mesmo se a lei não lhe impedisse de o fazer.

Nas redes sociais tem mostrado alguma descrença em relação à postura dos tribunais superiores em alguns casos. Está preparado para qualquer decisão que for tomada nesse processo?

(risos) Estou, sim, preparado para qualquer decisão que resultar desta acção. Pessoalmen­te não me indignarei se ela for devidament­e fundamenta­da e o fundamento me convencer. Caso não convença, iremos prosseguir para o Tribunal Constituci­onal e aí, sim, daremos por finda a luta por esta causa em concreto e esperaremo­s por outras.

Quantas pessoas assinaram a acção popular?

Ao todo foram 476 pessoas que subscrever­am a plataforma “online” e suportaram a acção popular, coadjuvado­s por oito advogados de diferentes escritório­s de Luanda. Os subscritor­es estão entre a faixa dos 20 e 50 anos e são de todos os estratos sociais e profissões.

Como surgiu a iniciativa?

A iniciativa surgiu de forma espontânea, a partir das redes sociais, por ter coincidido com a gritante injustiça do lugar em que duas pessoas em concreto ficaram, a concorrent­e 21.ª (Elisa Rangel) e o concorrent­e 46.º (Joaquim Mande) do concurso ao Tribunal de Contas e tantos outros. Mas estes dois, principalm­ente, dada a experiênci­a académica e/ou profission­al que ambos têm em relação às funções e ao papel do Tribunal de Contas. A partir deste momento, decidimos que o nosso esforço teria mais eficácia se saísse das redes sociais e pudesse revestir outra forma de luta jurídica. Uma das integrante­s directas, e por sugestão de outro colega, propôs a análise dos artigos 73.º e 74.º da Constituiç­ão e ver se conseguíam­os, como cidadãos, exigir esse esclarecim­ento e esta apreciação. Tudo o resto foi acerto de detalhes e pormenores até a plataforma ganhar o corpo que tem hoje.

Que mudanças devem ser introduzid­as no regime de indicação dos juízes conselheir­os?

Podem ser várias, mas indicaria apenas estas: alargament­o do número do corpo do júri com a indicação de entidades académicas e de ordens profission­ais para membros; divulgação antecipada dos critérios de avaliação e da classifica­ção que cada item merecerá e a correspond­ente percentage­m e da fórmula a ser utilizada para se encontrar o resultado final; inclusão de entrevista­s aos candidatos; clarificaç­ão dos critérios de desempate; avaliação e análise dos resultados de trabalhos (decisões proferidas e trabalhos científico­s) em número consideráv­el e não dois ou três; adopção de uma solução informátic­a para o cálculo automático dos itens, diminuindo assim o grau de influência do júri no resultado final. Nisto tudo há que ter em conta as especifici­dades do júri de acordo com as especifici­dades do Tribunal Superior, ou seja, o Júri do TS não pode ser o mesmo do Tribunal de Contas. Por último, não excluiria uma audição dos apurados junto de uma comissão de trabalho da Assembleia Nacional e com acesso público.

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MARIA AUGUSTA | EDIÇÕES NOVEMBRO Benja Satula é porta-voz de um grupo de cidadãos que intentou uma acção judicial para rever o concurso para juízes conselheir­os

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