De burla em burla, enquanto brincamos à supervisão
A governação que saiu das eleições herdou um pesado fardo em termos de práticas moderníssimas de usurpação da coisa pública, não lhe restando outra opção que não fosse o rompimento umbilical com este passado, abrindo uma frente de combate contra um verdadeiro laissez-passer de delapidação do erário de todos nós, em que os crimes de colarinho branco usam o próprio sistema bancário nacional com o olhar quase conivente do supervisor e outras entidades do mercado monetário.
As burlas agora estão em voga, contrariamente ao que se pensa,ou ao que se disse publicamente, um (pseudo)investidor pode sim levar dinheiro daqui ou de um outro país qualquer, o pretexto é sempre o mesmo e é simples, é inventada a existência de uma linha de crédito externa, com condições de acessibilidade menos exigentes que o normal, para financiar uma série de projectos públicos ou privados.
Como todas estas intenções de financiamento demandam uma garantia para que seja desbloqueada, pois são empréstimos e os empréstimos são pagos (não há almoços de borla), os financiadores exigem uma espécie de adiantamento, que também é sinal de boa fé dos financiados, este adiantamento por norma é pouco mais de 15% do valor a ser disponibilizado nas linhas de crédito.
É exactamente aí que está a burla, pois os países aflitos, como o nosso, avançam e disponibilizam estes valores (de boa fé) e depois aguardam pela linha de financiamento, que por norma é muito mais liquida (com dinheiro na conta bancária) e com juros mais baixos do que o normal. A verdade é que o dinheiro não vem, e lá se foi a nossa boa fé para o bolso de um falso bom samaritano.
Pessoas, empresas, ou fundos de investimentos desonestos há muitos, todavia o que nos preocupa é a facilidade com que caímos nestas conversas da carochinha misturada com a branca de neve. Certamente, que estes burlões têm sempre a conivência de alguém dentro do sistema de governação, com forte poder de influência e persuasão das entidades, pois são estes os primeiros a atestar a idoneidade dos burlões em primeira instância.
O que nos preocupa é a tremenda falta de controlo e supervisão que as nossas instituições apresentam, pois é muito difícil explicar e de entender estas falhas em termos de supervisão. Parece que o dinheiro sai e entra pela banca comercial sem o Banco Central dar por ela. Entendemos que o BNA não comunica com as suas congéneres ou anda preocupado em demasia com os leilões de moeda estrangeira.
No caso ainda latente da burla de 50 mil milhões de dólares, o falso investidor esteve muito próximo de conseguir os seus intentos (de conseguir a nossa boa fé) sem que a nossa supervisão desse por isso. Teve que ser o Serviço Investigação Criminal a fazer o trabalho de supervisão do mercado financeiro, com a agravante de parecer que para os nossos mecanismos de controlo do mercado monetário e creditício a situação estava “controlada”.
No que respeita à última ocorrência, em que o ex-governador do BNA foi ouvido pela transferência indevida de 500 milhões de dólares, estamos perante mais um caso de burla consentida no valor de 30 mil milhões de dólares, em que as nossas autoridades deram um sinal de boa fé de 500 milhões e, mais uma vez, perguntamos como é possível este dinheiro sair assim, sem que o BNA desse por ele? E quais foram os critérios objectivos para que se viabilizem operações deste calibre?
O mais grave é que, das duas situações conhecidas pelo público, no caso dos 50 mil milhões, foi o Serviço de Investigação Criminal (SIC) que descobriu a burla e denunciou-a publicamente, e no caso dos 500 milhões de dólares o supervisor do Reino Unido é que alertou sobre a suspeição da operação, ou seja, em nenhum destes casos vimos o BNA ou Unidade de Informação Financeira (UIF) a fazerem o que lhes compete.
Se nos lembrarmos, há tempos tivemos problemas com a banca comercial que tiveram que ser descobertos em Portugal, tivemos problemas com fundos de investimento em que a Comissão de Valores Mobiliários (CMC) que os devia supervisionar, o BNA e a CMC não esboçaram qualquer atitude preventiva, ficando apenas pela reacção a situações consumadas.
Aqui reside o maior problema,que é horrível para a nossa imagem externa e estarrecedor para as nossas aspirações de crescimento económico por via da captação do investimento directo estrangeiro. O que transparece é que temos uma supervisão de faz de conta, supervisão que não faz o seu trabalho, não faz o primeiro filtro e sobrecarrega a Procuradoria Geral da Republica e outros órgãos de investigação criminal, pelo que nos arriscamos a dizer que temos uma supervisão meramente figurativa e preocupada com outros assuntos.
Mas também já defendemos que o BNA está a fazer muita coisa ao mesmo tempo, política monetária, política cambial e supervisão bancária, o que faz com que esta última fique sempre para outras núpcias. Por isso aproveitamos o infeliz ensejo, para reforçar a ideia da criação de um órgão especializado em supervisão do mercado financeiro, tal como existe no Reino Unido e outras realidades.
Precisamos de um órgão que agregue a supervisão dos seguros (para acabar com os abusos e faltas de respeito das seguradoras), do mercado de capitais (para fiscalizar a bolsa e a idoneidade dos seus intervenientes e dos capitais aplicados), e por fim que este mesmo órgão supervisione a banca comercial e todas operações com estrangeiros (e todas outras) deste mercado. Precisamos de um órgão de supervisão montado, focado e ultra especializado em supervisão e supervisão apenas.
Esta “libertação” ou esvaziamento do BNA iria ser positivo para a instituição, pois iria concentrar-se unicamente na política monetária e controlo cambial, estando assim em melhores condições para aplicar todos recursos e energias possíveis para “tomar conta” dos principais agregados macroeconómicos.
Todas praças financeiras que se queiram responsáveis e credíveis devem ter a supervisão como baluarte da sua actuação, porque os investidores internacionais, além da transparência, exigem transversalidade em termos de cumprimento das regras de supervisão internacionais, para que um investimento na praça financeira de Luanda seja tão respeitável como um investimento em Tóquio ou Madrid.
A supervisão do mercado financeiro é serviço público e do mais importante que existe, pois mexe com o coração da economia, as poupanças das pessoas, continuidade das empresas e a alimentação fiscal do Estado, por este motivo urge a necessidade de ser revolucionada. No caso destas burlas que estão a ser usadas para justificar procedimentos danosos que resultam no desvio de recursos públicos através do próprio sistema financeiro nacional, a nossa supervisão tem passado literalmente ao lado.
A supervisão do mercado financeiro é serviço público e do mais importante que existe, pois mexe com o coração da economia, as poupanças das pessoas, continuidade das empresas e a alimentação fiscal do Estado, por este motivo urge ser revolucionada