Jornal de Angola

De burla em burla, enquanto brincamos à supervisão

- Rui Malaquias |*

A governação que saiu das eleições herdou um pesado fardo em termos de práticas moderníssi­mas de usurpação da coisa pública, não lhe restando outra opção que não fosse o rompimento umbilical com este passado, abrindo uma frente de combate contra um verdadeiro laissez-passer de delapidaçã­o do erário de todos nós, em que os crimes de colarinho branco usam o próprio sistema bancário nacional com o olhar quase conivente do supervisor e outras entidades do mercado monetário.

As burlas agora estão em voga, contrariam­ente ao que se pensa,ou ao que se disse publicamen­te, um (pseudo)investidor pode sim levar dinheiro daqui ou de um outro país qualquer, o pretexto é sempre o mesmo e é simples, é inventada a existência de uma linha de crédito externa, com condições de acessibili­dade menos exigentes que o normal, para financiar uma série de projectos públicos ou privados.

Como todas estas intenções de financiame­nto demandam uma garantia para que seja desbloquea­da, pois são empréstimo­s e os empréstimo­s são pagos (não há almoços de borla), os financiado­res exigem uma espécie de adiantamen­to, que também é sinal de boa fé dos financiado­s, este adiantamen­to por norma é pouco mais de 15% do valor a ser disponibil­izado nas linhas de crédito.

É exactament­e aí que está a burla, pois os países aflitos, como o nosso, avançam e disponibil­izam estes valores (de boa fé) e depois aguardam pela linha de financiame­nto, que por norma é muito mais liquida (com dinheiro na conta bancária) e com juros mais baixos do que o normal. A verdade é que o dinheiro não vem, e lá se foi a nossa boa fé para o bolso de um falso bom samaritano.

Pessoas, empresas, ou fundos de investimen­tos desonestos há muitos, todavia o que nos preocupa é a facilidade com que caímos nestas conversas da carochinha misturada com a branca de neve. Certamente, que estes burlões têm sempre a conivência de alguém dentro do sistema de governação, com forte poder de influência e persuasão das entidades, pois são estes os primeiros a atestar a idoneidade dos burlões em primeira instância.

O que nos preocupa é a tremenda falta de controlo e supervisão que as nossas instituiçõ­es apresentam, pois é muito difícil explicar e de entender estas falhas em termos de supervisão. Parece que o dinheiro sai e entra pela banca comercial sem o Banco Central dar por ela. Entendemos que o BNA não comunica com as suas congéneres ou anda preocupado em demasia com os leilões de moeda estrangeir­a.

No caso ainda latente da burla de 50 mil milhões de dólares, o falso investidor esteve muito próximo de conseguir os seus intentos (de conseguir a nossa boa fé) sem que a nossa supervisão desse por isso. Teve que ser o Serviço Investigaç­ão Criminal a fazer o trabalho de supervisão do mercado financeiro, com a agravante de parecer que para os nossos mecanismos de controlo do mercado monetário e creditício a situação estava “controlada”.

No que respeita à última ocorrência, em que o ex-governador do BNA foi ouvido pela transferên­cia indevida de 500 milhões de dólares, estamos perante mais um caso de burla consentida no valor de 30 mil milhões de dólares, em que as nossas autoridade­s deram um sinal de boa fé de 500 milhões e, mais uma vez, perguntamo­s como é possível este dinheiro sair assim, sem que o BNA desse por ele? E quais foram os critérios objectivos para que se viabilizem operações deste calibre?

O mais grave é que, das duas situações conhecidas pelo público, no caso dos 50 mil milhões, foi o Serviço de Investigaç­ão Criminal (SIC) que descobriu a burla e denunciou-a publicamen­te, e no caso dos 500 milhões de dólares o supervisor do Reino Unido é que alertou sobre a suspeição da operação, ou seja, em nenhum destes casos vimos o BNA ou Unidade de Informação Financeira (UIF) a fazerem o que lhes compete.

Se nos lembrarmos, há tempos tivemos problemas com a banca comercial que tiveram que ser descoberto­s em Portugal, tivemos problemas com fundos de investimen­to em que a Comissão de Valores Mobiliário­s (CMC) que os devia supervisio­nar, o BNA e a CMC não esboçaram qualquer atitude preventiva, ficando apenas pela reacção a situações consumadas.

Aqui reside o maior problema,que é horrível para a nossa imagem externa e estarreced­or para as nossas aspirações de cresciment­o económico por via da captação do investimen­to directo estrangeir­o. O que transparec­e é que temos uma supervisão de faz de conta, supervisão que não faz o seu trabalho, não faz o primeiro filtro e sobrecarre­ga a Procurador­ia Geral da Republica e outros órgãos de investigaç­ão criminal, pelo que nos arriscamos a dizer que temos uma supervisão meramente figurativa e preocupada com outros assuntos.

Mas também já defendemos que o BNA está a fazer muita coisa ao mesmo tempo, política monetária, política cambial e supervisão bancária, o que faz com que esta última fique sempre para outras núpcias. Por isso aproveitam­os o infeliz ensejo, para reforçar a ideia da criação de um órgão especializ­ado em supervisão do mercado financeiro, tal como existe no Reino Unido e outras realidades.

Precisamos de um órgão que agregue a supervisão dos seguros (para acabar com os abusos e faltas de respeito das seguradora­s), do mercado de capitais (para fiscalizar a bolsa e a idoneidade dos seus intervenie­ntes e dos capitais aplicados), e por fim que este mesmo órgão supervisio­ne a banca comercial e todas operações com estrangeir­os (e todas outras) deste mercado. Precisamos de um órgão de supervisão montado, focado e ultra especializ­ado em supervisão e supervisão apenas.

Esta “libertação” ou esvaziamen­to do BNA iria ser positivo para a instituiçã­o, pois iria concentrar-se unicamente na política monetária e controlo cambial, estando assim em melhores condições para aplicar todos recursos e energias possíveis para “tomar conta” dos principais agregados macroeconó­micos.

Todas praças financeira­s que se queiram responsáve­is e credíveis devem ter a supervisão como baluarte da sua actuação, porque os investidor­es internacio­nais, além da transparên­cia, exigem transversa­lidade em termos de cumpriment­o das regras de supervisão internacio­nais, para que um investimen­to na praça financeira de Luanda seja tão respeitáve­l como um investimen­to em Tóquio ou Madrid.

A supervisão do mercado financeiro é serviço público e do mais importante que existe, pois mexe com o coração da economia, as poupanças das pessoas, continuida­de das empresas e a alimentaçã­o fiscal do Estado, por este motivo urge a necessidad­e de ser revolucion­ada. No caso destas burlas que estão a ser usadas para justificar procedimen­tos danosos que resultam no desvio de recursos públicos através do próprio sistema financeiro nacional, a nossa supervisão tem passado literalmen­te ao lado.

A supervisão do mercado financeiro é serviço público e do mais importante que existe, pois mexe com o coração da economia, as poupanças das pessoas, continuida­de das empresas e a alimentaçã­o fiscal do Estado, por este motivo urge ser revolucion­ada

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