Pedonais descaracterizam a urbanização de Luanda
Mais de 70 passagens de travessia superior para peões já estão colocadas, em diversas artérias. Dentro de um ano vão ser erguidas 104 estruturas do género, pela Direcção de Infra-estruturas Públicas do Ministério da Construção e Obras Públicas
Os arquitectos e urbanistas que se sentem traídos pela ocupação anárquica dos espaços urbanos, são agora confrontados com à poluição visual que afectam a cidade
Carla Santana coloca os pés para dentro da estrada, mas é obrigada a fazer um recuo rápido. A velocidade que trazia o Toyota Hiace, pintado à azul e branco, carregado de passageiros, que partiu do Kimbangu para a zona da antiga lixeira do Golfe 2, amortece a ideia de atravessar a Avenida Pedro de Castro Van-Dúnem “Loy”.
Apesar dos riscos, causados pelas dificuldades em atravessar aquela avenida, nos dois sentidos, a senhora, em estado de gestação, insiste em chegar a um famoso supermercado que se encontra a escassos metros do sítio de onde pretende atravessar.
De minuto a minuto, a senhora, ainda com ar jovial, espreita para as laterais. Os carros não param de passar, alguns, como aquele “azul e branco”, à alta velocidade. Vemo-la a ganhar coragem e lança-se para o meio da via, outra vez. Esse acto obriga os veículos a travagens repentinas, deixando que ela consiga alcançar o outro lado da estrada.
No meio do “xingamentos”, Carla deixa a ginga de lado e corre. Mas, tem de parar, porque depois dessa parte divisória surge o mesmo obstáculo para atingir definitivamente a unidade comercial. Desta vez, consegue fazer a travessia mais rápido, numa altura em que outras seis pessoas fazem o mesmo que ela.
Poucos metros, ali onde Carla começa a luta pela travessia, há uma passagem aérea pedonal, construída de propósito, dada a movimentação de pessoas por aquela zona, onde existe três templos de igrejas, duas escolas, hospital, muitas cantinas e um supermercado.
Na avenida, estão instaladas, entre a zona da Igreja Tocoísta e a Escola Pedalé, umas cinco ou seis passagens aéreas pedonais, mas, de forma teimosa, muitos peões optam em correr pela estrada, sob todos os riscos possíveis. É um cenário que se verifica em quase todas as artérias de Luanda, onde estas estruturas metálicas estão montadas.
Projecto da Direcção Nacional de Infra-Estruturas Públicas do Ministério da Construção e Obras Públicas, a instalação de pedonais é levado a cabo para conferir segurança e evitar atropelamentos de peões nas estradas de Luanda. E, desde o seu início, já foram montadas mais de 70 das 104 passagens aéreas previstas.
Mas, há quem alerta que, não obstante o elevado número de pedonais, é muito provável que brevemente muitas dessas estruturas caiam em desuso, e outras a serem solicitadas noutros lugares onde hoje não existem. “Tudo dependerá de outros factores como o índice de crescimento populacional em certas regiões e a introdução de mais transportes colectivos ou não”, antevê o engenheiro António Venâncio.
Para as que já existem, estão previstas manutenções das pedonais em cada cinco anos, no sentido de permitir que as mesmas durem entre 15 e 20 anos. Mas, o que se verifica é que algumas foram postas fora de uso, por risco de ruírem, como acontece com uma que está na vila de Viana.
Enquanto isso, o projecto continua e espalha-se por grande parte de Luanda, aproximando-se do centro da cidade, uma vez que já existe pedonais nas proximidades do Largo da Independência, o que António Venâncio considera “uma aberração”, caso haja essa pretensão.
Para o engenheiro, a colocação de inúmeras estruturas metálicas para travessia de peões, numa cidade como Luanda, é sinal e reconhecimento inequívoco de que o urbanismo neste território falhou. Salienta que isso demonstra uma falência de valores urbanísticos nesta imensidão de pedonais elevadas para os habitantes dos vários distritos e municípios em vias rápidas.
Embora reconheça que esta solução técnica reduz o nível de sinistralidade rodoviária, adianta que ela representa uma medida alternativa e em alguns casos paliativa, de curto e médio prazo de duração, pois a sua colocação obedeceu seguramente a critérios subjectivos e pontuais, variando conforme a tendência dos movimentos pendulares ou oportunistas de pessoas que se deslocam habitualmente para certos lugares e de peões com movimentos alienatórios muito imprevisíveis.
“Tenho a sensação de que os arquitectos e urbanistas, desde há muito se consideram traídos pela ocupação anárquica dos espaços urbanos, e estão agora confrontados com a poluição visual que todas essas pedonais acarretam para a cidade, prejudicando a sua beleza paisagística”, lamenta o especialista. Rede de transportes Para evitar esta decisão, o engenheiro disse que era necessário recuar no tempo e estudar as causas da explosão demográfica que ocorreu e ainda ocorre em menor grau na província, inventariar e compreender os movimentos pedonais mais importantes que geram os conflitos no trânsito em geral e, sobretudo, dotar a cidade de uma rede de transportes públicos adequada à sua dimensão demográfica e grandeza geográfica.
António Venâncio refere que sem transportes públicos em quantidade e qualidade para servir a cidade, os longos movimentos pedonais continuarão a ser intensos e muito perturbadores para os automobilistas. Em função disso, defende a necessidade de se respeitar os traçados humanos naturais que geram estas deslocações, impróprias para as grandes cidades como Luanda, e redesenhar a geometria dos movimentos