Autarcas são eleitos por aquilo que fazem
O leitor fica, desde já, alertado para o facto de não ser defensor acérrimo e incondicional da instalação entre nós, a curto prazo, do Poder Autárquico, pelo que não posso ser tido como advogado em causa própria.
Não que ponha em causa vantagens do exercício daquela forma de governação, muito menos por defender poderes centralizados, mas por estar consciente que as autarquias jamais foram e podem vir a ser “remédio milagroso” para os grandes males de que qualquer sociedade. As varinhas mágicas somente existem nas estórias para crianças, nunca naquelas que habitam o nosso dia-a-dia.
O poder, seja ele qual for, é exercido por homens. E ainda bem. Esperemos que o evoluir constante das novas tecnologias não nos tire também isso, o direito de podermos pensar, discutir, discordar, decidir.
O Poder Autárquico torna, em princípio, mais próximos eleitores e eleitos. Por motivos óbvios. Vêem-se mais vezes, cumprimentam-se, frequentam os mesmos restaurantes, salas de espectáculos, recintos desportivos. Chegam a ser vizinhos e do mesmo clube, perguntam pelas famílias. Discutem problemas da terra, das carências que elas têm. Também do futebol. Defendem calorosamente emblemas diferentes. Da mesma forma que o fazem em relação às forças políticas de que fazem parte. No dia seguinte, entre duas cervejas, voltam a conversar. Em alguns casos trazem estes hábitos de convivência dos bancos da escola primária, até da Universidade. Aprenderam a crescer assim.
O Poder Autárquico junta mais as pessoas, dispensa-lhes poses estudadas, discursos formatos, esbate diferenças entre eleitores e eleitos. Aproxima-os de modo natural. Permite conversas francas.
O eleito de uma autarquia, principalmente nos meios pequenos, conhece tão bem os entraves ao progresso da cidade, vila ou aldeia que o elegeu como o leitor. Vive-os ele próprio. Ouve-os onde almoça, toma café, bebe um fino. Onde também escuta críticas. Esta “politica de proximidade” é, em teoria, mas eficaz.
Mas, são exactamente estes laços de proximidade que podem tornar o eleito mais vulnerável e emaranhá-lo nas correntes do nepotismo, corrupção, sentimento de impunidade. Que, infelizmente nem sempre, se transformam em manto de vergonha, quando os eleitores lhes viram as costas e deixam de votar nele.
Embora o voto partidário conte, tenha força e possa ser determinante no desfecho de um escrutínio, a verdade é que o eleitor, a nível autárquico, age muito menos por “indicação política”, sequer ideológica. Acima de tudo, coloca os interesses da comunidade em que está inserido. Por conseguinte os dele próprio.
Por todas estas razões, não é difícil perceber que muitos dos actuais responsáveis provinciais e municipais, frente à actuação que têm tido, muito dificilmente eram eleitos em escrutínios autárquicos.
Nas autárquicas, ao contrário do que sucede em legislativas ou outras quaisquer eleições, o eleitor esquece partidos, vota na obra feita. Em quem lhe resolveu problemas de transporte, recolha de resíduos sólidos, saneamento básico, saúde, ensino, emprego, luz, água, criou espaços verdes, melhores estradas, parques infantis, tratou das árvores. Em suma, lhe deu - ou devolveu - vontade de viver.
Pelo contrário, vira as costas e castiga, com o voto, quem o decepcionou. Os que durante o mandato não deixaram os gabinetes climatizados para se inteirarem dos problemas dos bairros, aldeias, vilas, cidades.
Os autarcas ou cumprem o que prometem, fazem o que têm a obrigação de fazer e para isso são pagos, ou jamais são reeleitos. Por mais palavras rebuscadas que procurem nos discursos de não dizer nada.
O Poder Autárquico não é varinha mágica, remédio para todos os males. Pode até facilitar o nepotismo e a corrupção. Mas, quem não tem obra feita dificilmente é reeleito.