Embarcação espanhola detida com imigrantes
O drama afecta diariamente centenas de imigrantes provenientes de países africanos com destino à Europa
Uma embarcação espanhola está impedida de abandonar o porto de Pozzalon, na Sicília (Itália), por estar a ser acusada de associação com a imigração ilegal de cidadãos do Norte de África para a Europa.
As autoridades italianas, que ordenaram a retenção da referida embarcação, suspeitam que, pelo menos, 216 imigrantes provenientes da Líbia possam ter desembarcado naquele porto, o que contraria uma decisão que anteriormente haviam tomado e comunicado, que obrigava a que o navio regressasse à Líbia com todos os passageiros.
Este episódio reacende a polémica entre as organizações humanitárias que trabalham no resgate de imigrantes africanos em perigo na travessia entre o Norte de África e as águas territoriais da União Europeia.
Este caso começou quando na semana passada a Guarda Costeira italiana identificou duas embarcações em perigo para a organização Proactiva Open Arms, que prontamente accionou a sua embarcação para o local e socorreu os imigrantes.
Depois, o Governo de Roma avisou a ONG de que a Guarda Costeira líbia assumiria o comando das operações, tendo esta enviado um barco para a zona situada a 73 milhas do litoral líbio.
Depois do alerta italiano, a organização espanhola recusou entregar os imigrantes aos líbios, alegando que estes sofreriam represálias no seu país onde correriam mesmo o risco de vida. “O resgate do navio é preventivo, mas somos acusados de associação criminosa e de fomentar a imigração ilegal por desobedecermos aos líbios, não lhes entregando os passageiros”, disse o fundador da ONG, Oscar Camps.
Vida ou morte
Para os imigrantes, a diferença é grande: quando as operações de resgate são coordenadas pela Itália, eles são levados para este país. Quando as tarefas são dirigidas desde Tripoli, os migrantes retornam para a Líbia, de onde eles querem a todo o custo fugir. Por isso, e apesar das ameaças da Guarda Costeira líbia, a ONG recusou-se a transferir para o barco líbio os imigrantes que tinha acabado de resgatar, dirigindo-se desse modo para Norte, em direcção à costa italiana.
“Impedir o resgate de vidas em perigo em alto-mar com o fim de devolvê-las à força a um país inseguro - como é a Líbia - (...) contraria o Estatuto dos Refugiados da ONU”, sublinhou Oscar Camps na sua conta no Twitter.
De acordo com as suas declarações, o navio andou dois dias à procura de um porto para desembarcar os passageiros, depois de sucessivas recusas para entrar nas águas territoriais da União Europeia, aparentemente por se ter recusado a devolver os imigrantes às autoridades líbias.
Na última sexta-feira, o barco conseguiu finalmente acostar num porto de Malta, mas apenas para proceder à evacuação urgente de um bebé e da mãe que precisavam de atendimento médico especializado.
No dia seguinte, finalmente, quase já sem combustível, o barco, já escoltado pela guarda costeira italiana, foi obrigado a acostar na Sicília. No domingo, a tripulação recebeu uma ordem assinada por um juiz que impede o navio de se fazer ao mar até que esteja concluída uma investigação ao capitão do navio, ao fundador e ao coordenador da organização Proactiva Open Arms.
Segundo o juiz, a organização é acusada de ter violado um acordo internacional que obrigava a que os imigrantes fossem entregues às autoridades líbias, visto terem sido estas a solicitar a intervenção do navio.
Ouvido pela imprensa italiana, o advogado que representa o comandante do navio disse que o único crime que pode ser imputado à tripulação é o de solidariedade para com pessoas que “fogem do inferno”.
De acordo com a mesma imprensa, o juiz que está a coordenar esta investigação é o mesmo que há um mês perdeu um processo no qual queria estabelecer uma ligação entre organizações que trabalham na ajuda aos imigrantes que atravessam o mar entre o Norte de África e a Europa e o tráfico de seres humanos.
Nunca é demais recordar que nos últimos quatro anos mais de 600 mil imigrantes provenientes do Norte de África chegaram a Itália pelo mar, facto que foi preponderante para o triunfo obtido nas recentes eleições italianas, onde a aliança anti-imigração do centro direita conseguiu a maioria de votos no parlamento.
Esse resultado, aliás, não augura nada de bom para os africanos que ainda sonham continuar a ter na Itália a porta de entrada para a Europa.