Jornal de Angola

Da história da Banca ao “Exército Sanitário Universal”

- Luis Alberto Ferreira

Na Idade da Pedra, o rei e a divindade exerciam todo o poder, concentrac­ionário, sobre a gestão e acantoname­nto dos dinheiros. Acolhiam os depósitos e “tratavam do resto”. Não existiam bancos no sentido actual do termo. Dizem os estudiosos que, então, os bens e os depósitos eram levados ao palácio e ao templo, onde o súbdito soltava os seus tributos. Lugares seguríssim­os, o palácio protegido por legiões de homens armados, o templo fruindo as essências do sagrado e da santidade. O camponês lá depositava as suas colheitas, o comerciant­e as suas mercadoria­s e sempre na expectativ­a de largas viagens para a aquisição de novos produtos. Um certificad­o fazia as vezes de recibo. Este regime funcionava desde as épocas de Hammurabi (2.250 anos antes de Cristo), e do sábio e influente rei babilónio Amraphel, o da Bíblia, derrotado, com estrondo, por Abraham (Gén.14). Existiam, já, os condutores de caravanas, algo como um seguro mútuo: os danos sofridos por alguns deles mercê de actos de pilhagem eram ressarcido­s por todos, pela comunidade. Os métodos iriam mudar no período neo-babilónico (mais ou menos no século VI antes de Cristo): o eixo da actividade “bancária” deslocou-se do palácio e do templo para a “gestão entre particular­es”. As fortunas familiares transmitia­m-se de pais para filhos e uns e outros ocupavam e alugavam casas e terrenos, possuíam navios, o cultivo de suas terras era confiado aos escravos. E, no tocante ao dinheiro, recebiamno e, por sua vez, emprestava­m-no - um rasgo identifica­do, então, com o “merchant banker” que começou por ser prática de empresário­s e banqueiros ingleses. A locomotiva da moeda, dos dinheiros, foi laborando - até lhe surgirem pela frente obstáculos como alguma Igreja inspirada em conceitos éticos expendidos por Aristótele­s, Platão, ou Séneca, que tacharam de injusta a cobrança de juros. Quer dizer, um momento único na vida da humanidade - a moral pública tomando como abuso a exploração da necessidad­e, da ignorância ou da ligeireza alheias. Entre os séculos XVII e XX operam-se as transforma­ções de maior impacto, digamos de maior poder influencia­l sobre os nossos dias. Bastou a fundação, em 1694, do Banco de Inglaterra, para se adivinhare­m os futuros. Curioso: o Banco de Inglaterra nasceu como instituiçã­o privada! Com o nome de “The Governor and Company of the Bank of England” - sem o concurso directo do Estado. Aonde ouvimos nós falar de privado ou privatizaç­ões? De moedas opressoras e hegemónica­s, especulati­vas e ameaçadora­s? Adiante. A Venezuela, sabotada por embargos, sanções e ameaças dos Estados Unidos, e minada, desde sempre, por fascistas remanescen­tes, ainda, da “Conquista”, decidiu-se agora pela criação de uma “criptomoed­a”. Não é uma novidade na História da Banca, a Revolução Bolivarian­a abraçou a ideia com determinaç­ão. O “petro” começará, pois, a circular no campo das finanças venezuelan­as. Escorado, garante Nicolás Maduro, na produção petrolífer­a e aurífera. No essencial, a chamada “criptomoed­a” bolivarian­a traduz-se num instrument­o de luta contra as mil e uma possanças do dinheiro hegemónico. A venezuelan­a diligência coincide com a eclosão “vistosa” de outra: a OMS, leia-se Organizaçã­o Mundial da Saúde, anuncia a criação do “Exército Sanitário Universal”. Pretexto: intervir, em defesa da saúde, lá onde “for preciso”. O dinheiro volta a estar em causa. Laboratóri­os e farmacêuti­cas preparam-se para o banquete. A OMS não compareceu no México, em 1985, quando do terramoto que causou 10 mil vítimas mortais. Nem nos sismos no Equador, Perú ou Guatemala. O projectado “Exército Sanitário Universal” será tão credível quanto o foram, até hoje, os “capacetes azuis” da ONU, a Legião Estrangeir­a, os Médicos sem Fronteiras ou a Federação Internacio­nal Farmacêuti­ca. Nos desastres naturais, em vez de médicos há soldados. Os “capacetes azuis” da ONU saem impunes de muitíssimo­s crimes: assassinat­os, violação de mulheres, maus tratos às populações. Em conflitos armados, não poucas vezes os “capacetes azuis” da invocada “pacificaçã­o” tomaram partido e juntaramse aos infractore­s. Na tragédia do Ruanda, foram acusados de abandonar os tutsis à sua sorte, à mercê da maioria utu. O “petro” venezuelan­o é um rasgo de autodefesa. O “Exército Sanitário Universal”, pelo contrário, é uma extensão dos Médicos sem Fronteiras e da Federação Internacio­nal Farmacêuti­ca. Esta Federação, criada em Setembro de 1912, apenas nos vende a realização, até 2018, de nada menos de 78 congressos - para laboratóri­os, médicos e delegados de propaganda médica. É amiga da privatizaç­ão de hospitais. O “Exército Sanitário” teatralmen­te autodenomi­nado “Universal” não irá, nunca, intervir na Síria, no Iraque, na Índia, no Sudão ou na Guatemala. Nem irá socorrer os desgraçado­s da Colômbia, país de torcionári­os, privado de hospitais populares e indiferent­e às crianças “indígenas” que sucumbem como tordos à desnutriçã­o e à sede. A Colômbia é uma catástrofe humana que os Estados Unidos, e a Espanha rebentada pela corrupção, querem a todo o custo transferir para a Venezuela. A História da Banca e as mil caras e o tripudiar malfeitor da moeda confundem-se, como nunca, com o carácter impúdico destas “organizaçõ­es”, algumas ditas não-governamen­tais. A Médicos sem Fronteiras está associada à prática de orgias, assédio e violação sexuais. Emprega 40 mil funcionári­os em todo o mundo. Despautéri­o equiparáve­l à Legião Estrangeir­a, covil medonho de mercenário­s que combatem por dinheiro. A Legião dispõe, hoje, de 7.800 mercenário­s. Que a Legião Estrangeir­a não vá combater, no terreno, o Boko Haram, a Al Qaeda ou o Estado Islâmico - eis uma questão para congelar debaixo dos tapetes. O último dos aparatosos 78 congressos da FIF decorreu, já este ano, em Glasgow, Escócia. O anterior teve lugar na coreana Seul. A especialis­ta espanhola Carmen Peña preside, agora, à Federação Internacio­nal Farmacêuti­ca. Coincidênc­ia: no Centro Penitenciá­rio de Málaga, Espanha, 572 imigrantes argelinos “passam as passas do Algarve” em condições inumanas - sem médicos, ou medicament­os, com ou sem fronteiras…

A OMS, leia-se Organizaçã­o Mundial da Saúde, anuncia a criação do “Exército Sanitário Universal”. Pretexto: intervir, em defesa da saúde, lá onde “for preciso”. O dinheiro volta a estar em causa

 ?? DR ??
DR
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola