Mundo procura soluções para a escassez de água
Angola participou no evento, com uma delegação chefiada pelo ministro da Energia e Águas, para defender a partilha internacional dos recursos hídricos, de forma justa e equilibrada
Especialistas de mais de 70 países reflectiram desde quintafeira até ontem em Brasília, soluções sustentáveis para, melhor gestão da água no mundo. O Fórum Mundial da água contou com 12 Chefes de Estado.
Especialistas, governantes e membros da sociedade civil, em representação de 70 países, incluindo Angola, discutiram, durante cinco dias, em Brasília, capital do Brasil, as melhores formas de partilhar os recursos hídricos.
No Fórum Mundial da Água, que ontem terminou, várias empresas apresentaram soluções inovadoras para a gestão dos recursos hídricos, enquanto políticos reafirmaram o compromisso com um dos grandes objectivos da Agenda das Nações Unidas de levar água potável e saneamento a todas as pessoas do planeta até 2030.
Em paralelo às intervenções dos representantes dos países presentes, decorreram debates sobre o estado actual do fornecimento de água potável à população, saneamento e expectativas globais. O ministro angolano da Energia e Águas falou das acções em curso em Angola, onde as 77 bacias hidrográficas disponíveis ainda não cobrem, de forma equitativa e regular, todo o território. Na parte centro-sul, uma vasta região está sujeita a estiagens prolongadas, causando impactos sócio-económicos relevantes.
Pavilhões
João Baptista Borges defendeu uma partilha internacional dos recursos hídricos, de forma justa e equilibrada, e destacou os investimentos feitos na regularização do rio Cunene, partilhado com a República da Namíbia, para que este país disponha de um caudal regular ao longo do ano. Mais de cem mil pessoas visitaram os vários pavilhões à disposição no fórum. Com acesso gratuito, o público pôde dialogar com as empresas participantes, procurando entender o que cada uma pensa e faz em prol da água, além de compartilhar as boas práticas.
A Holanda, que também participou no Fórum, lançou, em comemoração ao Dia Mundial da Água, simultaneamente, em Haia e na Expo, um programa internacional de cooperação e investimento em projectos ligados à questão hídrica, baptizado de Blue Deal (Acordo Azul). A ideia é incentivar as trocas de conhecimentos e financiamento de iniciativas em outros países, que visem o fomento da inovação e melhorias no sector da água, segurança e saneamento.
Israel, mesmo diante de uma situação de seca, mostrou que é possível abastecer a agricultura doméstica e industrial, através da tecnologia. Em algumas regiões de África e no Brasil já estão a ser implementadas algumas medidas para controlar os efeitos das alterações climáticas.
No Mali, há quem esteja a plantar árvores endémicas para controlar o avanço dos desertos impulsionados pela seca. No Brasil, várias plantações prejudicadas pela falta de água estão a ser substituídas por vegetação natural dos respectivos terrenos, com potencial para entrar na alimentação humana e combater a falta de colheitas.
Boas práticas
O fórum apresentou, igualmente, exemplos de práticas recomendáveis para a boa utilização dos recursos hídricos. Um relatório cita o exemplo do estado do Rajastão, na Índia. Em 1986, a região passou por uma das piores secas da sua história. Durante os anos seguintes, uma ONG trabalhou com as comunidades locais, para estabelecer estruturas de colecta de água e regenerar solos e florestas na região. A iniciativa levou a um aumento de 30 por cento da cobertura florestal, os níveis das águas subterrâneas subiram em alguns metros e a produtividade das terras de cultivo cresceu.
Outro "caso" citado no texto é o da China, que, recentemente, iniciou um projecto chamado “Cidade Esponja”, para melhorar a disponibilidade de água em aglomerados urbanos. Até 2020, a previsão, segundo o levantamento da Unesco, é de que serão construídas 16 cidades-esponjas pelo país.
“O objectivo é reciclar 70 por cento da água da chuva, através de uma maior permeação do solo, por retenção e armazenamento, e pela purificação da água e restauração de zonas húmidas adjacentes", explica o documento.
Verde nas cidades
Soluções baseadas na natureza também foram destaque. Entretanto, não se referem apenas às práticas que poderiam ser adoptadas em áreas rurais ou de grande extensão vegetal. Mostram como é possível preservar as funções dos ecossistemas naturais, artificiais e, também, nas grandes cidades. Um exemplo é o de colecta da água da chuva nas cidades. Ao invés de ser recolhida directamente dos telhados, o projecto sugere o uso de 'telhados verdes' (com plantas), que traz ainda como benefício a redução das ilhas de calor.
As infra-estruturas verdes, segundo especialistas, ajudam a acumular água e na biodiversidade, inclusive nas cidades. Outros exemplos urbanos incluem medidas para reciclar e recolher água, reservatórios para a recarga de águas subterrâneas e protecção de bacias hidrográficas que abastecem cidades. Como alternativa, especialistas apontaram soluções “verdes e cinzas”. As expressões referem-se às tecnologias baseadas na natureza, como o reflorestamento de nascentes e bacias, e àquelas que exigem mais infra-estrutura, como barragens e cisternas.
Produtor de água
O Brasil apresentou, durante o fórum, uma solução para a preservação de matas e actuar na recuperação de mananciais, um dos principais desafios enfrentados por instituições que trabalham com a protecção da natureza.
O Programa Produtor de Água incentiva a compensação financeira aos agentes, que, comprovadamente, contribuem para a protecção e recuperação de mananciais, gerando benefícios para a bacia e a sua população. Tratase de um programa de interesse da colectividade, que, para que tenha sucesso, depende da adesão maciça dos produtores rurais da região.
Pelo menos 917 municípios brasileiros apresentam algum risco relacionado à seca e à falta de água. O número corresponde a 16 por cento do total de cidades do país ou uma a cada seis.
Números do Fórum
As discussões da edição brasileira do Fórum Mundial da Água atraíram, além do público recorde (cem mil), 12 chefes de Estado, 134 parlamentares e 70 ministros de 56 países. A cobertura foi feita por 1.968 profissionais de imprensa, entre eles 150 estrangeiros. O encontro internacional gerou oito mil empregos directos e indirectos. Além disso, nas actividades de consciencialização,10.333 árvores foram plantadas.
Criado em 1996, pelo Conselho Mundial da Água, o fórum foi idealizado para estabelecer compromissos políticos acerca dos recursos hídricos. Japão, Coreia do Sul, Portugal, Suíça, Holanda, Marrocos, Espanha, Senegal, Palestina, Turquia, China, França, Tarjikistão, Israel, Inglaterra, Angola, Austrália, África do Sul e Tunísia estiveram representados nos pavilhões.
O Fórum Mundial é uma plataforma de debate a respeito do tema água, que busca, por meio de uma participação aberta e democrática, promover o debate para influenciar os processos decisórios na área de recursos hídricos. A próxima edição decorre em 2021, no Senegal, sob o tema “A Segurança da Água para a Paz e o Desenvolvimento Durável”.