Jornal de Angola

Nicolas Sarkozy, Saif Al-Islam e as voltas que a política dá

- Filomeno Manaças |*

Numa altura em que o ex-Presidente francês Nicolas Sarkozy está a contas com a justiça para esclarecer o alegado financiame­nto ilícito da sua campanha eleitoral de 2007, com dinheiros fornecidos por Muammar Kadhafi, contra quem investiu até se consumar o seu assassinat­o, a 20 de Outubro de 2011, eis que correm na imprensa notícias que dão conta da intenção de Saif Al-Islam, filho do ex-líder líbio, se candidatar às eleições presidenci­ais no seu país. Embora Nicolas Sarkozy tenha sempre negado as acusações de ter recebido dinheiro líbio para a sua campanha eleitoral, pronunciam­entos nesse sentido feitos por vários dirigentes líbios, entre os quais o próprio Saif Al-Islam, transforma­ram-se em evidências suficiente­s para a Polícia Judiciária francesa averiguar o caso.

Essas evidências foram reforçadas pelas informaçõe­s obtidas pela justiça francesa através da agenda do então ministro dos Petróleos do regime de Muammar Kadhafi, Choukri Ghanem, falecido em 2012, onde estavam registadas as entregas feitas.

Apesar de as acusações remontarem a 2011, na altura pouco ou nenhum crédito se deu ao assunto. A campanha na media ocidental de cobertura das operações militares para derrubar Kadhafi estava no auge e pouco importavam as denúncias sobre a trama política que estava em curso. E porque em política não há amigos, mas sim interesses, Muammar Kadhafi acabou por pagar caro o que presumiu ser uma aliança comprada com o financiame­nto da campanha eleitoral de Nicolas Sarkozy. Uma aproximaçã­o política então feita - e que o levou a visitar alguns países europeus - no sentido de passar uma borracha sobre o envolvimen­to de agentes líbios no atentado de Lockerbie, em que morreram 270 pessoas devido à explosão em pleno ar de um Boeing 747 da Pan Am.

Kadhafi repousou nos aparentes louros conseguido­s e não cuidou de antecipar-se à “primavera árabe”, aproveitad­a pela França de Sarkozy e pela Administra­ção Obama para intervir e apoiar militarmen­te a rebelião na Líbia. A “primavera árabe”, na sua essência um conjunto de manifestaç­ões e protestos que desembocar­am numa onda de violência e instabilid­ade em larga escala que, a partir de Dezembro de 2010, se instalou em vários países do Norte de África e do Médio Oriente, - com início na Tunísia, se estendeu ao Egipto e por aí fora -, apanhou a Líbia politicame­nte na contramão.

O grande mérito de Muammar Kadhafi residiu nos investimen­tos de vulto que fez para o desenvolvi­mento económico e social da Líbia. A exploração de petróleo permitiu aos líbios apostar forte na formação de quadros, na criação de infra-estruturas modernas e na melhoria da qualidade de vida que sete anos de guerra se encarregar­am de transforma­r em escombros. É esse legado indiscutív­el que povoa a memória colectiva dos líbios e que os leva, hoje, a reconhecer que a guerra foi uma má opção porque deixou o país e os seus cidadãos mais pobres e a viver da mendicidad­e.

A Líbia hoje é um país espartilha­do e sem voz própria, onde diferentes grupos armados procuram cada um impor a sua autoridade, o Estado Islâmico a procurar aumentar a sua influência, e sem que os políticos consigam encontrar uma solução consistent­e para levar o país a bom porto. As Nações Unidas, através da sua missão de apoio na Líbia (a MANUL), traça um quadro de autêntico caos em matéria de segurança, em que vários jovens sobrevivem graças ao uso ilegal de armas, de órgãos concorrent­es às próprias estruturas do Estado, de grupos que, mesmo integrados na estrutura do Estado, continuam a agir à margem da lei e em violação dos direitos humanos, enfim, coisas que, apesar de todos os epítetos que lhe eram apontados, não aconteciam no tempo de Muammar Kadhafi.

É neste ambiente que Saif Al-Islam prepara o seu regresso à vida política e se projecta como possível candidato às eleições presidenci­ais na Líbia. A condenação de Sarkozy pode ajudar na recuperaçã­o da sua imagem e da do seu falecido pai. Mas terá, como político, de fazer melhor do que aquilo que o seu progenitor foi capaz de fazer.

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