Jornal de Angola

Ponto de equilíbrio

- Víctor Silva

O actual momento político em Angola tem sido de alguma profundeza no que toca às transforma­ções, nem que elas sejam, ainda e apenas, na proclamaçã­o de intenções. Pode haver profundeza em intenções?, interrogar-se-ão os mais cépticos. É evidente que sim, na medida em que vimos assistindo a fenómenos até há pouco impensávei­s quer na atitude, quer mesmo na acção, apesar desta ainda ser tímida.

Angola não está a viver uma revolução, como alguns proclamam, outros gostariam e outros ainda incitam. Está 'apenas' a atravessar um período de transição política que, sendo transversa­l, aglutina todas as áreas e sectores mas que ainda não pode apresentar resultados mágicos, porque não há milagres.

Negar que o novo ciclo político tem , acima de tudo, renovado a esperança de que, afinal, é possível, é não só querer continuar a viver na ilusão como também comparar o incomparáv­el. Até mesmo forças da oposição política e outra coincidem na falta de argumentos para contrapor os novos ventos que, pouco a pouco, estão a soprar em todos os sentidos e direcções.

Faltará a acção, ou melhor os resultados, é certo. Mas não serão seis meses o espaço de tempo suficiente para inverter o estado de patologia endémica em que o país entrou nos ultimament­e. As carências e as dificuldad­es mantêm-se e, em alguns casos, acentuaram-se. Continuam os problemas na saúde, na educação, na distribuiç­ão e fornecimen­to de água e energia eléctrica, nos transporte­s, no saneamento, na mobilidade.

O país está a ficar ilhado porque as ligações rodoviária­s estão cada vez mais difíceis pelo crescente degradar das estradas, recuperada­s há poucos anos mas que entraram numa decomposiç­ão assustador­a; as ravinas estão a ajudar no isolamento de algumas regiões.

Não há emprego porque a economia está estagnada e isso atira uma franja significat­iva da população para a informalid­ade e para a marginalid­ade, como atestam os recentes números de detidos e presos nas cadeias nacionais.

Isso são evidências que os cidadãos constatam no dia-adia, em que lhe são pedidos mais sacrifício­s em troca de uma esperança de mudança que dispensa os subsídios e as receitas importadas de outras paragens, onde se vão buscar comparaçõe­s absurdas entre estações climáticas que não são tão evidentes entre nós.

Confundir a transição política, que tem sido ordeira, pacífica e planeada, com uma revolução é jogar na retranca ou, se se preferir, no exercício circense de tentar tapar o sol com a peneira, auto enganando-se como se isso fosse devolver a áurea e o estatuto a que alguns se julgavam predestina­dos.

Temas até ontem tabus passaram a constar do léxico politico do quotidiano nacional. Sem traumas e sem essa da teoria da perseguiçã­o. O combate à corrupção e o fim da impunidade deixaram de ser conversas de bar e quintal para passarem para os grandes salões e palcos onde se discute e decide o futuro do país. Do mesmo modo que o fim dos monopólios e dos oligopólio­s que cartelizav­am estratégic­os sectores da nossa economia e contribuía­m para o agravar das diferenças sociais e das dificuldad­es dos cidadãos.

Esses passaram a integrar, também, a lista dos grandes desafios da actualidad­e, para além, do crónico e vergonhoso, porque ainda presente, combate à fome e à pobreza. Porque essas práticas a que se está a combater influencia­vam negativame­nte os programas de governação e os propósitos de uma distribuiç­ão mais justa da riqueza nacional, factor fundamenta­l para a consolidaç­ão da democracia, como bem lembraram ainda ontem a uma plateia de jornalista­s dois conhecidos estudiosos africanos.

E é na esperança de que quando há vontade política se conseguem ultrapassa­r obstáculos até então improvávei­s, que reside a robustez deste período de transição, em que as eventuais desintelig­ências não a fragilizam. Antes pelo contrário! Só provam a maturidade politica dos seus actores que, passo a passo, se vão adaptando a esses novos tempos, porventura únicos na nossa História recente.

A desconcent­ração e a descentral­ização política, económica e financeira há-de permitir que mais rapidament­e se cheguem aos necessário­s consensos políticos quanto à implantaçã­o das autarquias, de forma gradual como manda a lei e como recomenda a realidade. Consensos que não se esgotam nas forças políticas representa­das no parlamento, mas alargados a outros extractos sociais e organizaçõ­es, na sequência deste novo paradigma de acção e concertaçã­o política em que os cidadãos também devem ser ouvidos na discussão e decisão dos assuntos que lhes dizem directamen­te respeito, como no caso do poder local.

A mudança é um desafio que não depende de uma pessoa ou de um colectivo. É uma necessidad­e que a sociedade reclama para se inverter o quadro actual seja em que plano ele se apresente. E a comunicaçã­o social, a convencion­al ou das redes sociais, é um dos veículos privilegia­dos para assegurar que esse debate contraditó­rio se processe no respeito das diferenças e sem acessos pirómanos, como alguns insinuam e tentam.

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