Ponto de equilíbrio
O actual momento político em Angola tem sido de alguma profundeza no que toca às transformações, nem que elas sejam, ainda e apenas, na proclamação de intenções. Pode haver profundeza em intenções?, interrogar-se-ão os mais cépticos. É evidente que sim, na medida em que vimos assistindo a fenómenos até há pouco impensáveis quer na atitude, quer mesmo na acção, apesar desta ainda ser tímida.
Angola não está a viver uma revolução, como alguns proclamam, outros gostariam e outros ainda incitam. Está 'apenas' a atravessar um período de transição política que, sendo transversal, aglutina todas as áreas e sectores mas que ainda não pode apresentar resultados mágicos, porque não há milagres.
Negar que o novo ciclo político tem , acima de tudo, renovado a esperança de que, afinal, é possível, é não só querer continuar a viver na ilusão como também comparar o incomparável. Até mesmo forças da oposição política e outra coincidem na falta de argumentos para contrapor os novos ventos que, pouco a pouco, estão a soprar em todos os sentidos e direcções.
Faltará a acção, ou melhor os resultados, é certo. Mas não serão seis meses o espaço de tempo suficiente para inverter o estado de patologia endémica em que o país entrou nos ultimamente. As carências e as dificuldades mantêm-se e, em alguns casos, acentuaram-se. Continuam os problemas na saúde, na educação, na distribuição e fornecimento de água e energia eléctrica, nos transportes, no saneamento, na mobilidade.
O país está a ficar ilhado porque as ligações rodoviárias estão cada vez mais difíceis pelo crescente degradar das estradas, recuperadas há poucos anos mas que entraram numa decomposição assustadora; as ravinas estão a ajudar no isolamento de algumas regiões.
Não há emprego porque a economia está estagnada e isso atira uma franja significativa da população para a informalidade e para a marginalidade, como atestam os recentes números de detidos e presos nas cadeias nacionais.
Isso são evidências que os cidadãos constatam no dia-adia, em que lhe são pedidos mais sacrifícios em troca de uma esperança de mudança que dispensa os subsídios e as receitas importadas de outras paragens, onde se vão buscar comparações absurdas entre estações climáticas que não são tão evidentes entre nós.
Confundir a transição política, que tem sido ordeira, pacífica e planeada, com uma revolução é jogar na retranca ou, se se preferir, no exercício circense de tentar tapar o sol com a peneira, auto enganando-se como se isso fosse devolver a áurea e o estatuto a que alguns se julgavam predestinados.
Temas até ontem tabus passaram a constar do léxico politico do quotidiano nacional. Sem traumas e sem essa da teoria da perseguição. O combate à corrupção e o fim da impunidade deixaram de ser conversas de bar e quintal para passarem para os grandes salões e palcos onde se discute e decide o futuro do país. Do mesmo modo que o fim dos monopólios e dos oligopólios que cartelizavam estratégicos sectores da nossa economia e contribuíam para o agravar das diferenças sociais e das dificuldades dos cidadãos.
Esses passaram a integrar, também, a lista dos grandes desafios da actualidade, para além, do crónico e vergonhoso, porque ainda presente, combate à fome e à pobreza. Porque essas práticas a que se está a combater influenciavam negativamente os programas de governação e os propósitos de uma distribuição mais justa da riqueza nacional, factor fundamental para a consolidação da democracia, como bem lembraram ainda ontem a uma plateia de jornalistas dois conhecidos estudiosos africanos.
E é na esperança de que quando há vontade política se conseguem ultrapassar obstáculos até então improváveis, que reside a robustez deste período de transição, em que as eventuais desinteligências não a fragilizam. Antes pelo contrário! Só provam a maturidade politica dos seus actores que, passo a passo, se vão adaptando a esses novos tempos, porventura únicos na nossa História recente.
A desconcentração e a descentralização política, económica e financeira há-de permitir que mais rapidamente se cheguem aos necessários consensos políticos quanto à implantação das autarquias, de forma gradual como manda a lei e como recomenda a realidade. Consensos que não se esgotam nas forças políticas representadas no parlamento, mas alargados a outros extractos sociais e organizações, na sequência deste novo paradigma de acção e concertação política em que os cidadãos também devem ser ouvidos na discussão e decisão dos assuntos que lhes dizem directamente respeito, como no caso do poder local.
A mudança é um desafio que não depende de uma pessoa ou de um colectivo. É uma necessidade que a sociedade reclama para se inverter o quadro actual seja em que plano ele se apresente. E a comunicação social, a convencional ou das redes sociais, é um dos veículos privilegiados para assegurar que esse debate contraditório se processe no respeito das diferenças e sem acessos pirómanos, como alguns insinuam e tentam.