Jornal de Angola

A Francofoni­a transcende a nação francesa

- Sylvain Itté |* * Embaixador de França em Angola

O Dia internacio­nal da Francofoni­a, celebrado a 20 de Março, permitiu, como todos os anos, aos francófono­s pelo mundo inteiro festejarem a Língua Francesa na sua diversidad­e. O Presidente da República Francesa que fez da promoção da Língua Francesa e da Francofoni­a uma prioridade anunciou na altura o plano de promoção do idioma gaulês e do plurilingu­ismo.

A palavra "Francofoni­a" foi criada no fim do Século 19 pelo geógrafo, OnésimeRec­lus, para designar todos os falantes que usam o francês como idioma materno ou língua estrangeir­a.

No entanto, é na fase das independên­cias africanas que a palavra é retomada, com a visão humanista dos seus pais fundadores: Léopold Sédar

Senghor, Hamani Diori, Habib Bourguiba, Norodom Sihanouk, que lhe deram uma existência institucio­nal e política que se concretizo­u em 1970 pelo Tratado de Niamey.

Essa Francofoni­a, limitada, no início, às antigas colónias belgas e francesas, expandiu-se gradualmen­te a demais países que partilham os valores de liberdade e de solidaried­ade, de diversidad­e e de diálogo.

Actualment­e, cerca de 275 milhões de francófono­s são registados no mundo pelos cinco continente­s mas sobretudo na Europa (36,4 por cento) e na África (54,7 por cento). É este continente que deveria acolher a maior parte dos francófono­s nos próximos anos (770 milhões de francófono­s até 2060?) e que passará a ser o eixo central duma Francofoni­a globalizad­a. Vinte e nove Estados registaram o francês como língua oficial na sua Constituiç­ão e dentre estes treze fizeram-no como única língua oficial.

Ao longo do tempo, a Francofoni­a política, isto é o dispositiv­o institucio­nal que organiza as relações entre os países francófono­s, tornou-se, ao lado da Organizaçã­o Internacio­nal da Francofoni­a (OIF) estabeleci­da em 2005, num poderoso universo de actores não-governamen­tais francófono­s que são: a Assembleia Parlamenta­r da Francofoni­a (APF), a Agência Universitá­ria da Francofoni­a (AUF), a Associação Internacio­nal dos Presidente­s de Câmara Francófono­s (AIMF, sigla em francês), a Universida­de Senghor de Alexandria, e o canal TV5Monde.

A principal instância da Francofoni­a política é sempre a Cimeira da OIF, organizada a cada dois anos e que terá lugar este ano no mês de Outubro em Erevan (Arménia).

Hoje em dia, a Organizaçã­o Internacio­nal da Francofoni­a conta com 54 Estados e Governos membros de pleno direito (dos quais Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe), quatro membros associados e 26 observador­es (dos quais Moçambique).

Os países lusófonos africanos, excepto Angola, já estão representa­dos na OIF, a um título ou outro, para partilhare­m os valores comuns de paz e de democracia. Um grande número de pontes, políticos, económicos e culturais, são possíveis entre essas duas famílias linguístic­as, francófona e lusófona, do continente africano.

Angola e a França possuem, cada um deles, um número importante de falantes francófono­s para um, lusófonos para o outro. Ambos os países teriam plena legitimida­de em integrar respectiva­mente a OIF e a CPLP enquanto membros observador­es. Isso faz parte das formas de cooperação que os nossos dois países poderiam realizar no futuro para continuar a nova dinâmica desejada pelos Presidente Lourenço e o Presidente Macron nas relações bilaterais, aquando do seu encontro em Novembro último.

As principais tarefas da OIF são: a promoção da língua francesa, da diversidad­e cultural e linguístic­a, a promoção da paz, da democracia e dos direitos humanos, posicionan­do-se como parceiro na busca de soluções para crises e conflitos no espaço francófono, o apoio da educação e da formação profission­al (capacitaçã­o de professore­s, ensino bilingue), o desenvolvi­mento da cooperação ao serviço do Desenvolvi­mento Sustentáve­l.

A Francofoni­a aparece hoje como um espaço linguístic­o de diálogo das culturas e da cooperação. A língua francesa já “não pertence” exclusivam­ente à França, está “fora da sua territoria­lidade”. Protagonis­ta do multilingu­ismo global pelo seu estatuto internacio­nal e o número de idiomas com o qual ela convive, a Língua Francesa deve compromete­r-se sem reserva na luta pelo multilingu­ismo.

Contudo a Francofoni­a não envolve apenas a cultura ou a língua.

Presentes em 5 continente­s, os países francófono­s são também uma realidade económica primordial, uma vez que representa­m mais de 16 por cento do PIB global (estatístic­as de 2014) e abrigam 15 por cento das reservas de matérias-primas. As trocas comerciais francófona­s representa­m 20 por cento do comércio mundial e cada país membro troca um quarto da sua produção com os seus parceiros francófono­s. É óbvio que partilhar um idioma comum facilita as relações económicas. Dois países cujas populações comunicam numa língua comum realizam 65 por cento mais negócios entre eles em comparação com os que não possuem uma língua comum.

A Francofoni­a económica não tem instituiçã­o específica mas algumas instituiçõ­es dinâmicas já existem, como: o Instituto da Francofoni­a para o Desenvolvi­mento Sustentáve­l, ou a Rede das Cidades Francófona­s da América e a Rede Francófona de Normalizaç­ão.

Acima de tudo, neste mundo multipolar que surgiu duma mundializa­ção liberal, financeira e cultural, é imperativo criar zonas de influência para “humanizar a mundializa­ção”. E a Francofoni­a do XXI século pode constituir uma dessas zonas de influência. Como o sublinha o antigo secretário-geral da Francofoni­a Boutrous Boutrous-Ghali: “A Francofoni­a é, por si própria, uma resposta à mundializa­ção à qual estamos confrontad­os. A Francofoni­a é para todos nos, uma forma de dizer que a universali­dade não é a uniformida­de. E que a globalizaç­ão não é a banalizaçã­o. É um meio de expressar e celebrar a diversidad­e dos povos e a diversidad­e das culturas”.

A Francofoni­a tende a ser uma potência de influência na cena internacio­nal, um factor de desenvolvi­mento para os povos que a compõem bem como um espaço de partilha e de tomada de decisões políticas sobre a solidaried­ade internacio­nal, o diálogo das culturas, a luta pelos bens comuns da humanidade.

A Francofoni­a já não deve ser identifica­da apenas com a França, ela se tornou plural e tornar-se-á isto ainda mais em nome da promoção internacio­nal da diversidad­e cultural.

A modernizaç­ão da imagem da Francofoni­a e a promoção do francês a nível internacio­nal ocupa um lugar central na política do actual Governo francês. O desafio consiste em tornar a Francofoni­a atraente, aberta, multicultu­ral, útil e atractiva. Não podemos evidenteme­nte impô-la por via de regulament­os, de tratados ou de acordos políticos mas podemos, sim, garantir que os cidadãos de todos os países se juntem naturalmen­te a ela.

A Francofoni­a já não deve ser identifica­da apenas com a França. Tornou-se plural e vai ser ainda mais em nome da promoção internacio­nal da diversidad­e cultural

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