Fecho das cirurgias preocupa pacientes
Os pacientes aguardam desesperados há meses no Hospital Josina Machel sejam operados ao coração. A luta pela vida só termina com o pagamento dos médicos e a aquisição de medicamentoss
Esta semana termina o contrato entre o Ministério da Saúde e a empresa que gere os serviços de cardiologia e cirurgia cardíaca do Hospital Josina Machel. O Ministério prepara um concurso para a escolha de novo operador. Enquanto isso, pacientes estão preocupados com uma possível interrupção dos serviços, parados desde Novembro.
As lágrimas de Catarina Balbina escorrem como as nascentes. Não esconde a mágoa profunda. As palavras de apreço e encorajamento perderam efeito faz tempo. Quanto mais acarinhada, mais soluça. O rosto humedece. O gemido contagia as colegas da enfermaria Celina e Domingas. As três pacientes choram em coro, com repetidas pausas, para dar brechas às comoventes súplicas: “não sabemos de onde veio esta doença. Estamos a morrer por falta de tratamento... por falta de operação. Ajudem-nos por favor. As dores no peito não estão a cessar. Estamos a acabar de morrer”.
Ninguém quer parar de chorar. Gritam amargamente até arfar o coração já doente e despedaçado. Os olhos tornam-se avermelhados e gotículas de monco não escapam do nariz. O repórter não se contém...
Os rostos de Celina, Catarina e Domingas estão pálidos e colhidos por um amargurado sofrimento. Um silêncio ténue recompõe as três. Limpam as lágrimas maculadas de dor com as mãos, com o pano e com o que têm por perto.
É já nesta semana que, segundo as informações prestadas pela equipa médica, a unidade hospitalar deixa de realizar os serviços de cardiologia e cirurgia cardíaca, devido a uma dívida que o Ministério da Saúde tem para com a empresa Intercontinental Trading.
Desde 2015 os depósitos são feitos a conta-gotas. Outrossim, o contrato, assinado para a exploração da área de cardiologia no Josina Machel, termina a 30 de Março. Por este motivo, os médicos e enfermeiros estão sem salário há mais de seis meses, levando ao cancelamento de cirurgias e outras assistências.
A três pacientes aguardam por nós no leito da sala de internamento da área de Cardiologia do Hospital Josina Machel. Contam em cada minuto a vontade de viver. Lançam preces sob um olhar firme. Um sorriso é quase impossível roubar daquelas mulheres.
O corredor está vazio e com uma higiene impecável, não muito comum em hospitais públicos. A esperança das três pacientes e das demais acamadas está no fundo do túnel, sobretudo pelo que ouvem: o encerramento dos serviços de cardiologia, por falta de dinheiro.
Celina e Domingas trajam uniformes brancos com uma grafia em azul à direita do peito. Decifra-se a sigla “SCARD: Serviço de Cardiologia”. Ambas não têm familiares em Luanda. Celina, 35 anos, é natural do Huambo, internada há um ano. Aguarda por cirurgia ao coração. “Não estão a trabalhar. Estão a dar esperança, mas não estou a ver nada a ser resolvido”, diz numa voz agastada.
A mulher é franzina e com voz minúscula. Quando o assunto é o seu problema de saúde, não se cala. “Não tenho condições para ir ao exterior tratar da minha doença. A minha família é muito pobre, por isso peço ajuda ao Governo para pensar nesta área de Cardiologia.”
O desespero de Celina é mensurável nos apelos que reitera em cada duas frases. “Eu também quero viver, a minha salvação está nas vossas mãos”, acrescenta numa voz ainda mais melancólica. Apesar de já não se lembrar dos anos que vive com a doença, Celina luta pela vida, mas ciente que só vontade da sua parte não basta.
À direita está Domingas. Humedece os lábios com saliva pegajosa, enquanto se prepara para soltar a sua voz. Veio de Porto Amboim, Cuanza-Sul, na esperança de ver o seu nome na lista de cirurgia. A cura do seu problema não chega até agora. Impotente. Vê a morte a antecipar-se, observando toda uma vontade de poder criar os filhos.
“Estão a morrer pacientes de tanto esperarem pela cirurgia e medicamentos”, conta Celina, aproveitando do silêncio de Domingas. À volta disso, fazem apelos ao Presidente da República para acudir à situação.
Durante este período no hospital, Domingas, Catarina e Celina desconhecem a situação dos filhos com os quais falam, às vezes, por telefone. São todos menores e vivem a expensas de familiares. Os três filhos de Celina estão com uma tia, uma vez que o marido faleceu há anos. “É um peso muito grande para ela. Eu estou doente e, aqui, não me estão a tratar”, desabafa Celina, formando novas lágrimas no canto do olho.
Natural de Benguela, Catarina é viúva. Há oito anos com a doença, a mulher, dos seus trinta e poucos anos, conta que só no ano passado foi detectada a doença de coração. Foi transferida para o Josina Machel com a promessa de ficar um mês. Está há sete meses sem a cirurgia por falta de meios e ausência de médicos estrangeiros que foram embora para a sua terra. “Estou a pedir ajuda, os meus filhos não têm pai, eu sou pai e mãe”, balbucia Catarina, atirando volumosas lágrimas.
Catarina tem um vestido de alças castanho que condiz com as cores do pano envolto da cintura aos pés. Também com três filhos, explica que já não sabe o que fazer, pois perdeu o apoio da família.