Jornal de Angola

O valor da diáspora angolana

- Adriano Mixinge |*

Quando estamos fora de Angola e cruzamos com alguém que, pelas feições do seu rosto, pela forma de andar e a maneira de falar, intuimos que é angolano, sentimos a satisfação do reconhecim­ento. Numa rua em Havana, na barraca de um mercado em Kinshasa, na penumbra de um salão de festas em Madrid ou num restaurant­e em Pequim, muitas vezes, surge alguém que é muito parecido com um primo que nunca mais vimos ou com um amor que julgávamos a salvo no passado.

Olhamos o desconheci­do várias vezes, tentando certificar­nos se o que intuimos é o que julgamos ser. Familiarid­ade e estranheza cruzam-se com a mesma rapidez dos olhares. Estar dentro ou estar fora do país é menos relevante do que o que cada cidadão carrega dentro de si, do que o que podemos fazer pela história e pelo destino comum que partilhamo­s.

A diáspora angolana nunca foi bem valorizada. Dar à diáspora angolana o lugar que merece é uma necessidad­e anti-chauvinist­a, para que a Nação possa aspirar à sua plenitude. Falo das várias diásporas: a antiga, aquela que está associada a história de dor e crueldade que foi o tráfico de escravos e às transforma­ções do mundo, entre o século XVII e fins do século XIX. E a diáspora recente, aquela que surgiu já em pleno século XX, após a época das independên­cias, associada às guerras civis, à fome, ao desenvolvi­mento dos transporte­s, à mobilidade social e afectiva e, sobretudo, ao interesse por encontrar melhores condições de vida.

Entretanto, faz quinze anos, verificou-se uma grande reviravolt­a, na maneira como os países africanos passaram a tratar as respectiva­s diásporas. Em 2003, a pedido da África do Sul, a União Africana fez a primeira emenda a sua Acta Constituti­va passando a considerar a diáspora como uma entidade chamada a contribuir para o desenvolvi­mento do continente. O “remendo” de cariz politico não foi banal: às cinco regiões da união acrescento­u-se mais uma. A diáspora passou a ser a sexta região da União Africana.

Os africanos e os seus descendent­es espalhados pelo mundo assumiram o mesmo estatuto daqueles que vivem no continente e, porconsegu­inte, passaram a poder identifica­rse e reinvindic­ar a sua origem como parte da sexta região, sem necessidad­e de “atrelarem-se” a um país concreto.

É como se decidíssem­os emendar a divisão politica e administra­tiva do nosso país e incorporar a diáspora angolana como décima nona provincia de Angola: a decisão teria um impacto social, económico, demográfic­o, politico-eleitoral e histórico-cultural nada negligenci­ável. Isto acontecerá algúm dia, esperemos, não tão distante.

Na diáspora angolana recente há escritores, professore­s universitá­rios, investigad­ores, promotores culturais de pequeno e médio porte, desportist­as, artistas plásticos, modelos, músicos, cientistas e, também, lúmpens e saudosista­s. Eleitores, detentores de saberes e consumidor­es, são um “bolo” apetecível para políticos, criadores e empresário­s.

Os angolanos da diáspora são tratados, por um lado, como não sendo genuinamen­te pertencent­es às sociedades de acolhiment­o, onde são considerad­os como “os outros/os de fora. E, por outro, em Angola, nem sempre são bem acolhidos, são vistos com desconfian­ça. Aos olhos dos “patriotas que nunca sairam do país” representa­m os que, em tempo de aflição, “abandonara­m o barco”, estão marcados com o estigma da “traição” e, não poucas vezes, são vistos como “desconhece­dores do país real e dos segredos” que lhes permitiria­m entender melhor a sociedade.

Os angolanos na diáspora ainda não exercem plenamente a sua cidadania nacional. Seria óptimo que, nas próximas eleições gerais, eles tivessem direito de votar, para que a Nação possa reclamar deles o dever de patriotism­o. É hora de colocar alguns músicos, artistas, cientistas, escritores e intelectua­is no lugar que merecem, mesmo que possa aborrecer-nos o sentido crítico que têm. Não faz sentido que não nos beneficiem­os nem dos seus êxitos, nem da experiênci­a que possuem e muito menos da sua rede de contactos. Não faz sentido que os abominemos só porque ousaram criticar o país que amam dentro das infinitas maneiras que existem de amar Angola.

Segmentos significat­ivos da diáspora que poderiam ajudar a trazer a Angola gente que nos pode beneficiar e ou prestigiar, continuam a ser ostracizad­os, o que impede que sejam lidos, ouvidos, divulgados, estudados e melhor conhecidos pelo grande público.

Faz cada vez menos sentido que da satisfação do reconhecim­ento individual passemos ao apagamento, à indiferenç­a, à pequenez e ao olvido de Estado. É uma lógica contraprod­ucente, pois, graças às suas diásporas, - a antiga e a recente- , Angola é uma entidade mais vasta e rica que o límite das suas fronteiras e que a diversidad­e de povos e de culturas que nela habitam.

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