O valor da diáspora angolana
Quando estamos fora de Angola e cruzamos com alguém que, pelas feições do seu rosto, pela forma de andar e a maneira de falar, intuimos que é angolano, sentimos a satisfação do reconhecimento. Numa rua em Havana, na barraca de um mercado em Kinshasa, na penumbra de um salão de festas em Madrid ou num restaurante em Pequim, muitas vezes, surge alguém que é muito parecido com um primo que nunca mais vimos ou com um amor que julgávamos a salvo no passado.
Olhamos o desconhecido várias vezes, tentando certificarnos se o que intuimos é o que julgamos ser. Familiaridade e estranheza cruzam-se com a mesma rapidez dos olhares. Estar dentro ou estar fora do país é menos relevante do que o que cada cidadão carrega dentro de si, do que o que podemos fazer pela história e pelo destino comum que partilhamos.
A diáspora angolana nunca foi bem valorizada. Dar à diáspora angolana o lugar que merece é uma necessidade anti-chauvinista, para que a Nação possa aspirar à sua plenitude. Falo das várias diásporas: a antiga, aquela que está associada a história de dor e crueldade que foi o tráfico de escravos e às transformações do mundo, entre o século XVII e fins do século XIX. E a diáspora recente, aquela que surgiu já em pleno século XX, após a época das independências, associada às guerras civis, à fome, ao desenvolvimento dos transportes, à mobilidade social e afectiva e, sobretudo, ao interesse por encontrar melhores condições de vida.
Entretanto, faz quinze anos, verificou-se uma grande reviravolta, na maneira como os países africanos passaram a tratar as respectivas diásporas. Em 2003, a pedido da África do Sul, a União Africana fez a primeira emenda a sua Acta Constitutiva passando a considerar a diáspora como uma entidade chamada a contribuir para o desenvolvimento do continente. O “remendo” de cariz politico não foi banal: às cinco regiões da união acrescentou-se mais uma. A diáspora passou a ser a sexta região da União Africana.
Os africanos e os seus descendentes espalhados pelo mundo assumiram o mesmo estatuto daqueles que vivem no continente e, porconseguinte, passaram a poder identificarse e reinvindicar a sua origem como parte da sexta região, sem necessidade de “atrelarem-se” a um país concreto.
É como se decidíssemos emendar a divisão politica e administrativa do nosso país e incorporar a diáspora angolana como décima nona provincia de Angola: a decisão teria um impacto social, económico, demográfico, politico-eleitoral e histórico-cultural nada negligenciável. Isto acontecerá algúm dia, esperemos, não tão distante.
Na diáspora angolana recente há escritores, professores universitários, investigadores, promotores culturais de pequeno e médio porte, desportistas, artistas plásticos, modelos, músicos, cientistas e, também, lúmpens e saudosistas. Eleitores, detentores de saberes e consumidores, são um “bolo” apetecível para políticos, criadores e empresários.
Os angolanos da diáspora são tratados, por um lado, como não sendo genuinamente pertencentes às sociedades de acolhimento, onde são considerados como “os outros/os de fora. E, por outro, em Angola, nem sempre são bem acolhidos, são vistos com desconfiança. Aos olhos dos “patriotas que nunca sairam do país” representam os que, em tempo de aflição, “abandonaram o barco”, estão marcados com o estigma da “traição” e, não poucas vezes, são vistos como “desconhecedores do país real e dos segredos” que lhes permitiriam entender melhor a sociedade.
Os angolanos na diáspora ainda não exercem plenamente a sua cidadania nacional. Seria óptimo que, nas próximas eleições gerais, eles tivessem direito de votar, para que a Nação possa reclamar deles o dever de patriotismo. É hora de colocar alguns músicos, artistas, cientistas, escritores e intelectuais no lugar que merecem, mesmo que possa aborrecer-nos o sentido crítico que têm. Não faz sentido que não nos beneficiemos nem dos seus êxitos, nem da experiência que possuem e muito menos da sua rede de contactos. Não faz sentido que os abominemos só porque ousaram criticar o país que amam dentro das infinitas maneiras que existem de amar Angola.
Segmentos significativos da diáspora que poderiam ajudar a trazer a Angola gente que nos pode beneficiar e ou prestigiar, continuam a ser ostracizados, o que impede que sejam lidos, ouvidos, divulgados, estudados e melhor conhecidos pelo grande público.
Faz cada vez menos sentido que da satisfação do reconhecimento individual passemos ao apagamento, à indiferença, à pequenez e ao olvido de Estado. É uma lógica contraproducente, pois, graças às suas diásporas, - a antiga e a recente- , Angola é uma entidade mais vasta e rica que o límite das suas fronteiras e que a diversidade de povos e de culturas que nela habitam.