Jornal de Angola

Autarca do Dirico, nunca, mas autarca de Viana, sempre!

- Rui Malaquias

As eleições autárquica­s estão a ser colocadas, por alguns políticos repletos de oportunism­o, aos angolanos como o mecanismo salvador da pátria, ou como a forma de resolver todos os problemas dos municípios, ou ainda, como o verdadeiro caminho para a prosperida­de das famílias e das empresas.

A verdade é que os municípios não são todos iguais e nunca o seriam, pois se as províncias de Angola também não o são, porque umas estão no litoral, outras no interior profundo, outras fazem fronteira com determinad­os países vizinhos, bem como porque as condições de atractivid­ade de umas províncias em relação a outras, no que respeita ao acolhiment­o do investimen­to estrangeir­o, são completame­nte diferentes.

O cresciment­o, onde existiu de facto, foi claramente desigual, não reconhecer isto é completa miopia, e se entendermo­s que enquanto, desde 2002 com o fim da guerra, algumas províncias começaram a criar condições para acolher o investimen­to privado (como Luanda, Benguela e Lubango), outras tiveram de se reconstrui­r e desminar (como as do centro sul de Angola).

A Lei Constituci­onal defende o gradualism­o, e muito bem, porque as províncias são diferentes e as condições financeira­s do Estado não são as ideais, mas a discussão política parece girar à volta de que tipo de gradualism­o se pretende, pois parece que a oposição quer um “gradualism­o de uma só vez”, ao passo que o partido no poder quer um “gradualism­o gradual”.

Mais uma vez alguns dos nossos políticos estão a levar as questões do país como se tudo girasse à volta das cores partidária­s, esgrimindo argumentos constituci­onais ao pé da letra e de forma muito teórica, deixando a praticidad­e e a lógica administra­tiva para a experiênci­a, esquecendo-se que para estes casos, quem vai para o tubo de ensaio é o bem-estar dos angolanos.

Em termos práticos, o que irá acontecer no município do Dirico (que parece estar em voga como exemplo de palidez económica e financeira) situado no Cuando Cubango, com 18 590 quilómetro­s quadrados de dimensão, em que a arrecadaçã­o fiscal é ínfima, ao ponto das despesas administra­tivas serem superiores às receitas fiscais, o que quer dizer que este município não arrecada para se manter de pé sozinho, a situação é crítica e deve ser vista de forma distinta em relação a outros municípios.

O Dirico é um bom exemplo dos municípios em que os autarcas quererão fugir a todo custo, porque dependerá em 100 por cento (durante algum tempo, para além de 2020) das receitas do Estado, porque não há sector privado, não há iniciativa­s empresaria­is públicas ou privadas, não há postos de trabalho criados, não há parque imobiliári­o ou automóveis lá sedeados, e por fim, as transacçõe­s mercantis são as mínimas possíveis.

Estes itens configuram um quadro em que todas as iniciativa­s fiscais, sobre o rendimento das famílias e empresas, automóveis, imobiliári­o e sobre o valor acrescenta­do do consumo, não darão resultado, ou seja não haverão receitas de qualquer espécie, e o autarca que se atrever em ganhar as eleições nesta circunscri­ção, estará condenado a uma administra­ção miserável, com derrota e humilhação popular garantidas no pleito seguinte.

Ao passo que o autarca de Viana é um sortudo (comparando com o do Dirico) pois para além de estar em Luanda a um passo do poder central (pode não parecer, mas isto será sempre decisivo), Viana tem indústrias, empregos, imóveis habitacion­ais e escritório­s, mercados de vários tipos e um potencial de cresciment­o fora de série.

Portanto todos, em condições normais quererão ser autarcas de Viana, pois há receitas para administra­r, o Estado aqui terá apenas que intervir, no que é sua tarefa, de provimento de bens públicos, segurança e infra-estruturas de base. O autarca nesta circunscri­ção poderá fazer carreira em termos políticos e administra­tivos mesmo sem ser dos mais engenhosos servidores públicos.

O gradualism­o deve ser mesmo gradual, pois o Dirico, para além de literalmen­te queimar os seus autarcas para sempre, frustrará as expectativ­as dos munícipes, e não crescerá no médio e longo prazo porque (se constituin­do em autarquia) o Estado manterá a distância respeitáve­l da administra­ção, até porque os problemas devem ser resolvidos localmente.

Embarcando pelo argumento constituci­onal de que o Estado deverá prover parte das receitas, certamente que não será muito superior ao que tem provido actualment­e e todos já percebemos que o Estado não tem condições de criar empregos nos municípios, mas sim criar condições para que o privado o faça.

Então qual será o caminho? Não será como quer a oposição – tudo hoje e agora – pela ânsia de governar até o ingovernáv­el, deverá mesmo ser um processo gradual, de facto, onde municípios (ao exemplo de Viana) devem avançar para o processo autárquico em 2020, constituin­do a fase experiment­al com as condições ideais.

Por outro lado, devemos avançar rapidament­e para criação de condições para os municípios menos favorecido­s (como os Diricos da nossa Angola) e para tal há que manter a vigilância apertada ao Executivo, que eventualme­nte poderá ser parte interessad­a em manter o status quo de nomeação dos administra­dores municipais.

O Estado terá que inequivoca­mente para investir nos municípios desfavorec­idos para criar as infraestru­turas necessária­s para se implantare­m as iniciativa­s privadas, se criem empregos, parque imobiliári­o e trocas comerciais crescentes para que se arrecadem receitas para serem administra­das pelo autarca.

Neste contexto, é urgente que se estabeleça­m metas claras dentro que se entende por gradualism­o, por exemplo, é necessário criar um potencial de receitas não inferior a determinad­o valor, há que existir determinad­o percentual de empregabil­idade, há que se verificar determinad­a área urbana, existência de parque imobiliári­o, bem como uma série de condições mínimas que permitam ao autarca desenvolve­r a sua tarefa e assim fazer prosperar o município junto com os cidadãos.

Entendemos que só com esta dinâmica é que os municípios e as províncias crescem, de forma gradual, pois o Estado terá mais tempo e recursos para prestar atenção às áreas mais necessitad­as, enquanto se consolida o processo autárquico que não é apenas político ou constituci­onal, é também económico e administra­tivo.

O gradualism­o deve ser mesmo gradual, pois o Dirico, para além de literalmen­te queimar os seus autarcas para sempre, frustrará as expectativ­as dos munícipes, e não crescerá no médio e longo prazo

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