O arroz de Hauçá de Jorge Amado
O arroz de Hauçá, referido repetidas vezes como o prato predilecto de Jorge Amado e da mulher, Zélia Gattai, é relativamente fácil de preparar, embora a sua apresentação indique o contrário e a maioria se escude no tempo extra que leva a dessalgar o charque, espécie de carne demasiado salgada e seca.
Orientam os livros de receitas que se prepare o arroz normalmente, com uma pitada de sal e açúcar. Depois de cozido, acrescenta-se leite de coco e coco ralado, até ficar num ponto empapado. Noutro tacho, refoga-se em azeite doce metade de cebola, tomate e coentros com camarão fresco e metade de camarão seco. Bate-se tudo no liquidificador e reserva-se. Desfia-se o charque já cozido, refoga-se em óleo de palma com cebola.
Coloca-se o arroz numa forma de bolo untada com óleo e desenforma-se numa tigela de barro forrada com folha de bananeira. Coloca-se o camarão moído no centro do arroz e a carne ao redor. Refoga-se o restante do camarão no óleo de palma e frita-se a banana. Decora-se o prato com esse camarão e a banana, além de jinguba, castanha, coentros, salsa e cebola picada.
O processo de elaboração do prato é, decerto, menos complicado que a história do povo Hauçá ou Haussá, ou ainda Hausa, em língua inglesa, toda ela baseada numa lenda, que tem no centro o poderoso Bayajida, fundador da nação Hauçá. Conta a lenda que, há muitos séculos, um príncipe árabe, vindo de Bagdad, actual Iraque, e de nome Bayajida, trouxe os primeiros cavalos para o Reino Hauçá, no norte da actual Nigéria. Como a sua lenda, fundamental para perceber a história do nascimento dos estados Hauçá no norte da Nigéria, foi passada de boca em boca, é difícil saber ao certo em que época terá vivido o príncipe ou até se existiu de verdade.
Daí que os historiadores duvidem, até porque não existe um único registo dessa figura entre os viajantes árabes. Ado Mahaman afirma que esse facto é indicativo de que a tradição hauçá se baseia numa invenção. “A única coisa que podemos deduzir desta história é que os estados dos impérios Hauçá queriam ter uma origem especial, algo incomum. Assim, poderiam dizer: Eu sou descendente de Bayajida”, afirma Mahaman, professor de História da Universidade de Tahoua no Níger.
Seja como for, a Bayajida atribuem-se grandes feitos históricos, dentre os quais o de ter mudado a tradição no reino de Daura. Antes da sua chegada, a monarquia de Daura tinha sido estritamente governada por mulheres. A tradição mudou do matriarcado para o patriarcado depois de Bayajida se ter casado com a rainha Daurama e os seus filhos o sucederem.
Por causa do arroz de Hauçá tido como prato preferido de Jorge Amado, demos connosco a reler “O Submisso da Santa – Uma História de Feitiçaria”, editado em1988 pela Companhia das Letras.
Para tornar as coisas ainda mais fáceis, pusemos a tocar o CD “Abraçaço”, de Caetano Veloso, que contém a canção “Um Comunista” A letra começa assim: “Um mulato baiano,/Muito alto e mulato/ Filho de um italiano/ E de uma preta hauçá”.