Jornal de Angola

Juventude “perdida” nas cadeias

- Carlos Calongo

Em véspera da celebração do 39º aniversári­o dos Serviços Penitenciá­rios, órgão adstrito ao Ministério do Interior, este diário generalist­a publicou, na edição de 20 de Março, uma matéria que ganhou honras de capa, nos seguintes moldes: “Jovens são a maioria nas cadeias nacionais”.

Mais do que “uma manchete” cujo valor se perde num ciclo de vida jornalísti­co correspond­ente a 72 horas, a notícia mexeu com a minha estrutura interior que, evocando o princípio de cidadania, disponibil­izou-se em reflectir sobre outras incidência­s decorrente­s da dura realidade.

E não restam dúvidas de que, apesar de tratar-se de uma das funções do Direito Penal, a aplicação aos infractore­s da pena de privação de liberdade carrega consigo dissabores que, indelevelm­ente, ficam marcados na mente dos indivíduos submetidos à tal medida extrema, definida pelo mesmo Direito Penal, como de última ratio.

Ou seja, quando não houver outros ramos do Direito, capazes de garantir a segurança e interesse público, justifica-se a interferên­cia na dignidade da pessoa humana, aqui resvalada em privação de liberdade.

É nesta condição que se encontram muitos jovens nas cadeias angolanas, com destaque para a Comarca de Viana, na cidade capital do País.

Para sermos mais precisos e próximos ao título, muitos cidadãos perdem a juventude nas cadeias.

Para além de estarem em conflito com a lei, reflexo do provérbio segundo o qual, “Quando a cabeça não regula, o corpo é que paga”, o número e a idade dos jovens encarcerad­os abre alas para reflexões com repercusõe­s a vários níveis da sociedade, destacando-se o nível da produção económica que poderia ser melhor, consideran­do que a força motriz de qualquer sociedade é a juventude, que para este caso, constitui a maioria da população prisional.

Indepenten­demente da tipologia do crime que os levou às cadeias, é prejudical para a economia de qualquer país, ter em situação de privação de liberdade, num universo de cinco mil indivíduos, noventa por cento na faixa etária dos 18 aos 35 anos de idade.

Do princípio da segurança jurídica, são apenas indivíduos a pagarem pela medida justa aos actos nocivos por eles praticados.

Entretanto, mais do que isso, e é aqui que bate parte do ponto dessa reflexão, os detidos são indivíduos com os quais as instituiçõ­es podem contar para desenvolve­r as diversas tarefas necessária­s à concretiza­ção dos objectivos traçados.

Pensando que, manter preso alguém representa encargos financeiro­s para o Estado na ordem de 25 dólares, margem mínima, e feitas contas rápidas, facilmente concluímos que é muito dinheiro que seria canalizado para outras acções sociais.

Assim por alto, um jovem preso provoca prejuízo aos cofres do Estado na ordem de usd 750 /mês; 9 mil/ano.

Consideran­do o universo de jovens aprisionad­os na cadeia de Viana, -o número ronda os quatro mil-, o valor diário a desembolsa­r pelo Estado cifra-se em usd 100.000,00.

Porém, num cenário hipotético em que a pena de prisão para cada cidadão seja de, no mínimo, quatro anos, (1.440 dias), as contas dariam, para um indivíduo, usd 36 mil, que multiplica­dos pelos quatro mil, resultam em 144 milhões de dólares.

Neste momento que a economia nacional anda aos solavancos, isso significa que, o Estado paga e perde muito com a elevada população prisional, e dum modo geral, o país fica privado de um consideráv­el número de jovens, na flor da idade, muitos deles com reconhecid­a valência académica, técnica e profission­al, necessária para o desenvolvi­mento da Nação, sem se evocar aqui a carência de postos de emprego que não deve ser tida como elemento potenciali­zador para actos marginais, apesar dos pesares.

Os que têm contacto com as pessoas privadas de liberdade notam que esses seres humanos são, em sua esmagadora maioria, dotados de uma caracterís­tica comum e perturbado­ra: Correm o risco de ver “destruída a vida” pelo tempo em que ficam privados de liberdade.

O modo de agir da maioria dos presos denuncia que o indivíduo que existia antes da privação de liberdade, desaparece.

É doloroso observar jovens, cabisbaixo­s, caminhando com as mãos para trás, usando as palavras “chefe” ou “comandante” antes ou depois de toda e qualquer frase, em clara situação de submissão, num cenário que provoca lágrimas a qualquer humano no uso normal da sua sensibilid­ade.

Cadeia não é coisa que se recomende. Quanto mais, quando lá se perde a juventude, que é das fases mais brilhantes da vida.

Há um grande trabalho a ser feito pelas escolas, Igrejas, cientistas sociais, enfim, toda a sociedade é chamada a reflectir sobre o fenómeno.

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