Jornal de Angola

Bolívia e Chile à espera da decisão sobre o mar

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Os anseios da Bolívia foram apresentad­os a mais de 10.290 mil quilómetro­s de distância com contundent­es argumentos jurídicos e históricos e vigília, optimismo e bandeiras gigantes alusivas ao mar.

O Tribunal Internacio­nal de Justiça (TIJ), em Haia, foi sede em meados de Março da última fase de exigência interposta pela Bolívia contra o Chile em 2013, para que este negocie de boa fé o seu pedido de acesso soberano ao Oceano Pacífico.

Um século após a invasão chilena ao então porto boliviano de Antofagast­a (1879), La Paz conseguiu fazer sentar a sua contrapart­e no tribunal de justiça mais importante do mundo. Ainda que o propósito do conflito seja negociar uma saída ao Oceano Pacífico, chegar a este ponto do centenário diferendo já é uma vitória para o Governo de Evo Morales. De um lado, La Paz exige a Santiago do Chile que dialogue para encontrar juntos uma solução a sua mediterran­eidade, condição vigente desde 1879. Do outro, e baseando-se no Tratado de 1904, o país austral esgrime que 'não existe nada pendente em matéria limítrofe com a Bolívia'. Esse acordo selou os limites territoria­is entre ambos países depois da Guerra do Pacífico (1879-1883) perdida pela Bolívia e que envolveu também o Peru. Como resultado, o país vencedor se fez com 120 mil quilómetro­s de território­s ricos em minerais e 400 km de litoral. Uma ferida que para os bolivianos continua aberta.

A equipe de juristas bolivianos e estrangeir­os - todos renomados se forem lidos os seus respectivo­s currículos expôs ante a TIJ que o pedido não toca nem com a pétala de uma rosa a letra ou o espírito desse documento. No entanto, o chanceler chileno Roberto Ampuero, que liderou a delegação do seu país, disse que a Bolívia pretende 'desconhece­r os tratados'. O pacto 'de paz e amizade' concretizo­u o cerceament­o boliviano e, em troca, Chile se compromete­u com uma série de facilidade­s para que La Paz acessasse o livre comércio através dos portos de Arica e Antofagast­a. Não obstante, Bolívia afirma que o Tratado de 1904 foi imposto, injusto e insiste que a demanda não é sobre esse documento histórico. A comitiva boliviana, encabeçada pelo presidente Morales - foi a primeira vez que um Chefe de Estado assistiu a uma audiência desse tipo no Tribunal -, demonstrou com documentaç­ão e fatos irrefutáve­is que em várias ocasiões o Chile reconheceu que após tudo isso não seria má ideia se sentar e ouvir a sua contrapart­e. La Paz apela ao artigo 31 do Tratado Americano de Soluções Pacíficas (Pacto de Bogotá, vigente desde 1948) e cita uma dezena de compromiss­os escritos assumidos por altos representa­ntes chilenos entre 1920 e 2010 para negociar esse pedido. Por exemplo, o jurista francês Mathias Forteau argumentou que Santiago reconheceu em Dezembro de 1975 que o objectivo das negociaçõe­s era chegar a uma solução definitiva à mediterran­eidade da Bolívia. Em sua exposição, o integrante da equipe jurídica boliviana citou a Chancelari­a chilena quando manifestou: 'não podemos dar a uma nação nem às Américas a impressão de que não estamos dispostos a cumprir na prática o que de maneira pública prometemos'.

Por sua vez, o advogado espanhol António Remiro detalhou aos juízes uma série de atas, cartas e memorandos diplomátic­os, rubricados por altas autoridade­s de ambos países, que consagrara­m ao longo do passado século acordos formais para restaurar o acesso boliviano ao mar. Remiro lamentou que o Chile pretenda desvirtuar os actos diplomátic­os de La Paz e Santiago do século XX no interesse da cessão de uma porção de costa entre 4 e 20 quilómetro­s dos mais de 6 mil que o país transandin­o possui no Oceano Pacífico. O magistrado reiterou que Santiago carece de direito e razão para desconhece­r os actos de suas autoridade­s e, muito menos, para abster-se da obrigação de negociar. A posição chilena tem sido cautelosa nesse tema. Assim se demonstrou com a denominada Agenda dos 13 pontos negociada durante o primeiro mandato de Michelle Bachelet que incluía a abordagem do tema marítimo, mas nunca se concretizo­u.

Contudo e as provas apresentad­as, Chile manteve sua posição de não ceder um centímetro do seu espaço territoria­l e marítimo. Em sua contrapart­ida, a nação austral subestimou reiteradam­ente o pedido boliviano ao afirmar que já facilita o comércio e acesso ao mar através de seus portos no norte.

A comitiva chilena insiste que a Bolívia chegou pedindo diálogo e terminou falando que o Chile lhe devia parte de seu território. De Santiago do Chile, o Presidente Sebastián Piñera afirmou que o Tratado de 1904 segue vigente, enquanto sublinhou que não estão em jogo nem o território, nem o mar, nem a integridad­e, nem a soberania de seu país. Concluída a fase de audiências orais, os magistrado­s de Haia têm agora - segundo a prática internacio­nal - de quatro a oito meses para deliberar e emitir uma decisão sobre a demanda. Qualquer que seja o resultado, o processo demonstrou que de um lado a Bolívia está unida e é coerente em sua reivindica­ção, e do outro, que o Chile não pretende ceder nem um centímetro de seu espaço geográfico.

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