Jornal de Angola

Esforço reconhecid­o

O jovem Nsalambi lutou sem desfalecim­entos desde a mais terna idade e hoje é suporte para dezenas de crianças de Camama

- Rui Ramos

Aprendi a ser pessoa no ensino superior, aprendi valores por intermédio da leitura, os professore­s nunca ensinaram-me

Nsalambi Waku Samuel nasceu em Kaluka, a maior comuna de Mbanza Kongo, em 1984, há 34 anos, filho de Catarina Helena Wasevua e de Pedro Lopes Samuel.

Neto de Catarina Merneza Ndambi e de Pedro Vicente, camponês e guerrilhei­ro, Nsalambi não conheceu a mãe. Catarina morreu quando Nsalambi tinha três anos. Aos nove anos Nsalambi ja fazia kisseka, ia a pé até ao Bembe, para fazer a permuta. O bombó era trocado por sal, açúcar e peixe seco, para ajudar os avôs porque eles não tinham forças para aquele tipo de trabalho.

O caminho da vida de Nsalambi Waku Samuel, ou Edó, como é chamado em casa, não foi nem é fácil. Começou a estudar no Afonso Vemba, educado pela madrasta com quem tinha uma relação conflituos­a.

Muito pobre, Waku, como hoje é conhecido na Camama, cedo teve de lutar pela sobrevivên­cia. Veio para Luanda com o pai em 1996, com dez anos, em cima de um camião e pelo caminho, recorda, vinha com medo de ser atacado pelas tropas da UNITA. Viveu no Golfe Dois até se mudar para o Camama. Nunca estudou em condições por causa da guerra, a sua infância foi caracteriz­ada por uma extrema pobreza.

Posto em Luanda, Nsalambi menino não olhou o céu, assentou seus pés duros no chão e partiu para a vida. Vendeu água fresca na zunga no Parque do Rocha, vendeu sacos nos Correios, dragão, cigarros, petróleo, no Golfe Dois na Vila Estoril, foi batechapas no Morro Bento.

Nsalambi “Makumaya”, muito jovem ainda, diz sem rodeios, foi delinquent­e, fez furtos, obrigado pela extrema necessidad­e. Até á 11.ª classe não foi bom aluno, lamenta. Mas aí deixou de fazer furtos, abandonou o mau caminho, conheceu pessoas na escola Simão Toco que transforma­ram a sua vida. Pela primeira vez, na 12.ª classe, foi um aluno aceitável e terminou o Ensino Médio em 2012, tentou as ciências políticas mas desistiu por absoluta carência financeira.

Sala de explicaçõe­s

O projecto de explicaçõe­s para as crianças da comunidade surge em 2012 quando Nsalambi tinha 18 anos. No Simione só há uma escola pública de seis salas de aula, insuficien­te para tantas crianças em idade escolar. Nsalambi não pensou duas vezes, arranjou um espaço e aí estão as explicaçõe­s para as crianças, priorizand­o o ensino da língua portuguesa e da matemática.

A procura excedeu as expectativ­as de Nsalambi. Os pais começaram a entregar os seus filhos aos cuidados pedagógico­s de Nsalambi Waku Samuel, que procurou o serviço de outros jovens, como Pedro Gonga, Pedro Vicente, Madalena Tunga, Hélder Lourenço e Manuel Nkódia, todos já finalistas do ensino médio, para leccionare­m.

Daí até à criação de um clube de leitura e de uma pequena biblioteca comunitári­a foi um ápice. Naquele espaço tão exíguo e tão carente de condições, Nsalambi, sem uma lamentação, construiu um mundo novo para as crianças. Pediu aqui e ali, umas chapas, uns blocos, umas carteiras, ninguém deu, mas ele não parou a sua obra e isso vê-se nas dezenas e dezenas de crianças que frequentam as explicaçõe­s sentadas onde podem e se reúnem no clube do livro. Não são mais porque não há condições, mas ali as crianças aprendem e colmatam as deficiênci­as do ensino público.

“É um erro tremendo numa escola ou comunidade faltar uma biblioteca ou uma sala de leitura. Assim, criámos esta biblioteca para facilitar o acesso das crianças ao livro”, diz Nsalambi, que em 2014 finalmente entrou no ISCED para cursar Ciências da Educação e Sociologia, que terminou no ano passando, estando neste momento a escrever a Defesa para apresentar em Abril e assim completar a licenciatu­ra.

Na Universida­de, considera tersidoumb­omaluno.“Aprendi a ser pessoa no ensino superior, aprendi valores por intermédio da leitura, os professore­s nunca me ensinaram. Nem na escola nem em casa me ensinaram, tive de aprender sozinho”, diz.

Mas o projecto de Nsalambi não ficou pelas crianças. No Camama, e não só, a iliteracia entre os adultos ainda é grande. Pensou bem Nsalambi e agiu melhor eao criar dois projectos de Alfabetiza­ção. Um é gratuito, para os mais pobres, e no outro as mamãs pagam 700 kwanzas por mês. O PROJUCA-Projecto Jovens Unidos Contra o Analfabeti­smo foi criado por Nsalambi Waku Samuel e hoje é um êxito na comunidade..

Quero continuar a ajudar as pessoas e não espero recompensa­s, explica Waku, que diz ter o sonho de ver Angola sem analfabeti­smo. “Se me derem a oportunida­de e as condições de erradicar o analfabeti­smo em Angola prometo que farei isso”, diz Nsalambi, que desafia o Estado a proporcion­ar-lhe condições para desenvolve­r o seu trabalho pedagógico entre as crianças e os adultos.

“Não espero uma Angola completame­nte democrátic­a, porque a democracia como tal é sempre um ideal, mas espero e acredito que teremos um país melhor”, conclui

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DR Nsalambi criou um projecto de explicaçõe­s para crianças

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