Jornal de Angola

Os novos caminhos

- MANUEL RUI

Um amigo meu acabou de publicar um livro contra as “práticas” negativas do marxismo no tempo de Estaline. Eu disse-lhe que uma coisa é o marxismo como doutrina e outra foi a forma como os líderes de países ditos socialista­s aplicaram o pensamento de Marx. Falei-lhe na diferença entre religião e sacerdotes. Aí outro amigo, ao lado, falou que o capitalism­o é a exploração do homem pelo homem e o comunismo o contrário (o segundo a explorar o primeiro). Deu para gargalhar e veio à baila o neoliberal­ismo que parece uma bênção da globalizaç­ão.

E comecei a fazer uma retrospect­iva do tempo em que eu só comecei a desacredit­ar no socialismo real depois de visitar os países de leste em diversos contextos e situações. Mesmo assim, acreditei com dúvida metódica que aqui poderíamos fazer um socialismo sempre adaptado à nossa realidade não esquecendo que Marx não observou a fenomenolo­gia do colonialis­mo e que a aplicação de um modelo como arquétipo resulta em deformação e falsidade. Comparava-se o capitalism­o real com o socialismo teórico.

Lembro-me dos tempos em que as pessoas esperavam pelo noticiário da rádio para escutarem o editorial repleto de extractos de obras de marxismo que mesmo os próprios jovens redactores não entendiam bem. Da importação do kilmilsung­uismo coreano dando data da rádio ao dia em que Neto a visitou e assim por diante, por causa de duas pessoas que se degladiava­m pela comunicaçã­o social. Da obrigação da primeira página ser dedicada ao Presidente Neto bem como as primeiras palavras da rádio. Lembrome dos títulos camarada…membro do comité central, etc. Como os cartões da carne, do peixe, das lojas do povo. Tudo isso foi por mim observado nas minhas obras como “Quem me Dera ser Onda,” ou “A Bicha e a Fila,” por exemplo entre outros.

Afinal, nunca tivemos socialismo nenhum mas ditadura, ausência de debate aberto pelo povo mas moções de apoio no fim de toda e qualquer reunião. E uma vez, numa reunião do Conselho do Ministério da Educação eu falei que era preciso mais pragmatism­o, mais prática e objectivid­ade. Saiu da trincheira um assessor cubano e atacoume porque pragmatism­o era reacionári­o e o que era preciso só o realismo socialista.

As coisas não andavam e palavras que seriam banais ditas por outro cidadão comum transforma­vam-se em palavra de ordem como “o que é preciso é resolver os problemas do povo!”

Num país a construir, depois de um colonialis­mo cruel mas que deixava estruturas mas levou os quadros. Foi o tempo de se enviarem jovens para o exterior, principalm­ente para Cuba, enquanto o exercício do poder era exercido por militantes a quem se devia a Pátria mas incompeten­tes para governar. Sob o olhar silencioso de Lenine Neto navegou contra ventos e marés, as suas palavras eram para consensos e tudo passou tão depressa que a sua morte mereceu a saudade da esperança, mesmo com a mácula do 27 de maio sobre o qual ninguém toma a iniciativa de se fazer um debate nacional sobre a verdade. Só que Neto não roubou. E não deixava roubar.

Depois, com Eduardo dos Santos ainda se continuou com a tónica do marxismo e socialismo e nunca se decretou o fim da ideia que, depois da Perestroik­a, as pessoas começaram a tratar-se por senhores em vez de camaradas.

O país em guerra, não reparava em mais nada do que o fim da mesma que foi conseguida de forma a que os historiado­res possam estudar a matéria com pinças.

A síndroma do petróleo possibilit­ou obras públicas que não se podem negar e, ao contrário de outros países vizinhos pode-se viajar de noite pelas estradas de Angola sem perigo. Apareceram novos jornais privados. Houve vitórias desportiva­s a nível continenta­l e apareceram novos quadros a dominar as novas tecnologia­s.

E o sistema? Era socialismo democrátic­o? Nada que se parecesse. Tal qual como na ex-União Soviética, as empresas estatais começaram a ser vendidas aos antigos directores membros da nomenclatu­ra e também aparecem milionário­s de uma geração (sem que ainda se tenha revelado a origem do dinheiro).

Toda a gente sabia da verdade mas a resposta era que as notícias sobre corrupção eram redigidas por agentes da CIA. E agora? Quando 30% das joias de cinco estrelas vendidas em Portugal são compradas pelos milionário­s angolanos? E os dinheiros nos paraísos fiscais?

O governo de Dos Santos rapou a panela até ao fundo e fez de conta que seria uma continuida­de. E aqui não há que ter pudores nem invocar imunidades que o ex-presidente francês Sarkozy foi detido por corrupção, o presidente Temer, do Brasil tem sido investigad­o, o processo lava-jacto prendeu muita gente poderosa, o ex-presidente Lula está em vias de cumprir pena e em outros lugares do mundo há um descrédito generaliza­do sobre os políticos que em Portugal, parece, até se corrompera­m com bilhetes para o futebol. Não podemos partir para uma mudança de mobília com poeira debaixo dos tapetes.

Porém, o mais importante não é punir os delinquent­es de colarinho branco. Um ladrão angolano de colarinho branco roubou mais do que todos os pequenos ladrões que cumprem pena. Então, incumpre-se o princípio constituci­onal de que a lei se aplica a todos. O mais importante é definir o futuro sem deslumbram­entos sobre o neoliberal­ismo que é o liberalism­o com a roupagem da globalizaç­ão. Longe a ideia de se privatizar a água ou a energia eléctrica. Já basta o ensino privado que é um câncer na formação do futuro. É preciso manter com firmeza o cumpriment­o das leis e a responsabi­lização consciente dos governante­s para manter a confiança dos governados que acreditam no Presidente João Lourenço.

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Manuel Rui

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