Jornal de Angola

Clubes de leitura

- Adriano Mixinge | * * Historiado­r e crítico de arte

Dos grupos de WhatsApp em que estou, o que eu mais gosto é o do clube de leitura. Os membros do grupo fazem-me recordar os meus vizinhos preferidos. À diferença dos outros, que apenas olhamos ou cumpriment­amos, os vizinhos preferidos são aqueles com os quais temos uma certa afinidade: muitos têm uma idade, um carácter, uns hábitos e uns costumes parecidos aos nossos ou, nem por isso. Mas, eles lêem os livros que nós também lemos.

Os nossos vizinhos preferidos são aqueles a quem podemos emprestar livros, comentar com eles filmes que vimos, falar mal de um outro vizinho que não nos deixa dormir, porque prefere ter a música muito alta, na sexta-feira à noite e, também, são aqueles com quem podemos, trocar impressões sobre a actualidad­e política e social à raíz da reportagem impactante, que passou no telejornal da noite anterior.

Nem sempre existiram nem os grupos de WhatsApp, nem os clubes de leitura: os livros, a vida dos vizinhos e as notícias eram comentadas na “mutamba de cada bairro”, esses lugares que se criavam fruto da repetição e da mania dos jovens se reunirem numa esquina, num tronco, numa porta, a tal ponto que se não estivessem em casa, os pais sabiam que eles estavam lá a conversar de maneira animada com os outros vizinhos.

A leitura era um acto íntimo, na sala de uma biblioteca ou na solidão de um quarto, era um privilégio de uns poucos, que os enlevava acima do vulgo. Depois, as poucas pessoas que sabiam ler, passaram a ler em público e em voz alta para aqueles que não sabiam ler. Gostaríamo­s de ver gente a ler enquanto espera na bicha do banco, quando está na paragem do autocarro ou sentada num banco: isso não acontece com frequência entre nós. Não lemos quanto deveríamos.

Não conheço nenhum clube de leitura, em Luanda. Uma amiga falou-me de um clube de leitura e recebe doações de livros para que os seus membros, com uma situação social e económica vulnerável, leiam. Muitas pessoas com uma situação económica que lhes permitiria “pôr regularmen­te um bom livro na sua vida”, não se interessam pela literatura e quando gostam de ler, só lêem livros de auto-ajuda, a Bíblia ou livros técnicos.

Recordo-me bem de um dos primeiros livros que li e comentei com amigos. Foi um romance. Entre os meus vizinhos preferidos, os que me deixam mesmo maravilhad­o são aqueles que lêem romances. Sinto-me identifica­do com os que lêem ensaios e tenho simpatia pelos que gostam de poesia e as recitam com facilidade. Desconfio das pessoas que não lêem romances e só as desculpo, um pouco, se lerem biografias.

Não quero saber se são bons médicos, excelentes engenheiro­s ou políticos notáveis. Podem ter dinheiro: as pessoas que não lêem romances estão mais longe de perceber a essência humana, não podem entender bem o mundo, nem as pessoas e muito menos as culturas, que nos circundam. É nos romances que o ser humano mostra o seu lado mais sublime e a sua faceta mais execrável.

Há grupos de WhatsApp para tudo: cuidar dos detalhes de um jantar que se realizará no sábado, para falar sobre a viagem que teremos no cacimbo ou para unir a familia. Há grupos de WhatsApp para conspirar e os há para delinquir. Há grupos de WhatsApp de amigos e os grupos de companheir­os de trabalho. Estes últimos são, a meu ver, os mais “espinhosos”: resultam ser uma armadilha, onde és escrutinad­o a todo momento e, portanto, não deves esquecer que é uma sala de trabalho.

Dos grupos de WhatsApp em que eu estou, o que mais gosto é o do clube de leitura: é tal a satisfação que sinto ao ver os seus membros em cada sessão, que, antes de terminar, já quero saber qual é o título do livro que comentarem­os na ocasião seguinte. Ao mesmo tempo que criamos a rede de biblioteca­s, deveríamos criar clubes de leitura nas escolas, nas faculdades, em locais de trabalho ou, simplesmen­te, de amigos que se reúnem para falar de literatura e, depois, beber um copo.

É mais fácil criar um clube de leitura do que construir a biblioteca de um bairro ou de um município. Os clubes de leitura dependem, exclusivam­ente, da vontade dos leitores. Inclusive, se não tivermos livros, podemos fazer clubes de leitura para ler contos, poesias, artigos de jornais ou de revistas.

Quando os vizinhos de uma rua, de um prédio ou de um bairro emprestam livros entre si e, depois, procuram a ocasião para comentá-los, de algum modo, constituem já o embrião de um “clube de leitores” que podem, se pretendere­m e se se organizare­m um pouco mais, transforma­r-se num clube de leitura.

Um moderador, uma escolha criteriosa, planificaç­ão das leituras por mês e uma sessão de análise e de comentário­s sobre a obra lida, na casa de alguém ou em qualquer outro sítio, são os elementos básicos para que um clube de leitura exista.

Se o caro leitor e os seus amigos, colegas de trabalho ou vizinhos ainda não têm, - nem pensam ter- ,um clube de leitura é porque não sabem que serão mais livres, mais cultos e mais felizes.

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