Livre Comércio em África
O discurso sobre a integração económica interafricana não é novo. O que é novidade agora parece ser o interesse e determinação da nova classe de dirigentes africanos em dar passos significativos, procurando agir mais do que os bonitos discursos, uma vez que África continua a representar menos de 5% das trocas comerciais internacionais. O mais grave neste cenário é o facto do comércio inter-africano representar apenas 20% quando comparada com a realidade europeia e asiática que se situam respectivamente em 70% e 50%.
Assim, todos aplaudimos o nascimento da Zona de Livre Comércio de África, enquanto um dos pilares da “Agenda 2063” da União Africana, um projecto cujas discussões técnicas ganharam força desde 2012. A sua entrada em vigor, em Janeiro de 2019, está dependente apenas da celeridade da ratificação pela maioria (22 no mínimo) dos Parlamentos dos Estados membros da União Africana subscritores do Acordo.
A Zona de Livre Comércio de África pretende criar um mercado comum com 1,2 mil milhões de pessoas, com tarifas unificadas (ou mesmo sem tarifas em vários produtos), permitindo a livre circulação de mercadorias entre os Estados membros, uma vez que o potencial demográfico do continente é marcado pela emergência de uma verdadeira classe média.
Claramente, de um ponto de vista conceptual, a definição de integração económica é mais ampla, incluindo o investimento, as infraestruturas regionais, o comércio e a mobilidade do trabalho, condimentos que poderão ser atendidos com a ZLCC.
Não obstante o muito pretendido aumento do mercado disponível para as empresas produtoras de bens agro-industriais e não só, a ZCLC coloca ao de cima o tema da competitividade e da concorrência entre as empresas, levando com que as empresas e os países com economias mais sólidas ou diversificadas venham a absorver o mercado daquelas empresas mais pequenas ou menos competitivas.
Assim, as empresas africanas cujos produtos não conseguem muitas vezes penetrar ou competir noutros mercados por várias razões como o proteccionismo ou as insuficiências tecnológicas terão agora mercado para “vender” e crescer, fomentando a inovação e a competitividade entre as mesmas.
Ora, não pensemos que a ZLCC irá resolver, num ápice, os nossos problemas. Esta só irá aumentar a pressão por uma verdadeira melhoria do ambiente de negócios para que o País possa captar mais investimento estrangeiro directo fora das commodities (principalmente petróleo e diamantes no nosso caso). As facilidades existentes e as infraestruturas irão jogar um papel decisivo e, neste capítulo, Angola é um dos países que poderá tirar benefícios conquanto consiga organizar-se para aumentar a sua produção, abastecer-se e competir na busca de outros mercados.
Mais do que a assinatura em si do Acordo de institucionalização da Zona de Livre Comércio de África decorrida durante uma cimeira extraordinária da União Africana, em Kigali, a 21 de Março último, mereceu destaque a ausência do Presidente da Nigéria, a maior economia africana, devido a uma pressão da classe empresarial deste país, que exigia algumas garantias e medidas de protecção para a sua indústria. E a Nigéria não foi o único. Com ela, também a África do Sul, Zâmbia, Botswana, Eritreia, Benin, Lesotho e Guiné-Bissau não subscreveram a ZLCC.
Os empresários nigerianos encontram suporte intelectual em economistas como Paul Krugman que defendeu certa vez o seguinte: “muita gente pensa que o comércio internacional é bom por si só para todos. Claramente que não. A análise económica convencional sugere que, pelo menos, um dos sectores económicos no interior do Estado – às vezes vários sectores – sai perdedor com o livre comércio”.
Claramente, no caso africano, existem algumas vozes contrárias ao entusiasmo e métodos de Paul Kagame que com a sua energia e pragmatismo prefere avançar a implementação da ZLCC a resistir ao imobilismo de alguns dirigentes.
Outro aspecto sobre o qual algumas vozes se opõe prende-se com as actuais assimetrias entre os diferentes países do continente cujos projectos de integração sub-regional marcham em velocidades dispares pois nem sempre foram bem-sucedidos, ora por questões ligadas a instabilidade política, ora por aspectos puramente económicos. Abona consensualmente a ideia de uma economia de escala que fortaleça os países africanos que percebem melhor o quanto precisam uns dos outros para um crescimento mais harmonioso e robusto.