Jornal de Angola

E assim se construiu a Paz

Coube aos generais Armando da Cruz Neto, pelas Forças Armadas Angolanas (FAA), e Abreu Muengo“Kamorteiro”, pela UNITA, assinar, em Luanda, o Memorando de Entendimen­to

- Luísa Rogério

A assinatura do Memorando de Entendimen­to Complement­ar ao Protocolo de Lusaka, a 4 de Abril de 2002, pôs fim ao pior período da História recente de Angola. A data passou a designarse como o Dia da Paz.

Com o acto, o Governo angolano e a UNITA fecharam o nefasto ciclo de guerra, que deixou o pesado balanço de vários milhares de mortos. Profundame­nte dilacerado, o país contava, na altura, cinquenta mil crianças órfãs e cem mil mutilados. Informaçõe­s disponibil­izadas pelo Alto Comissaria­do das Nações Unidas (ACNUR) indicam que mais de quatro milhões de angolanos tornaram-se deslocados no território nacional, enquanto 600 mil buscaram refúgio no estrangeir­o.

Coube aos generais Armando da Cruz Neto, pelas Forças Armadas Angolanas (FAA), e Abreu Muengo “Kamorteiro”, pela UNITA, assinar o Memorando na presença de personalid­ades da sociedade civil, líderes religiosos e representa­ntes do corpo diplomátic­o. Milhões de angolanos no país e ao redor do mundo acompanhar­am a solenidade que alterou radicalmen­te as expectativ­as da população cansada de guerra. Do início das conversaçõ­es, pouco depois da morte, em combate, de Jonas Savimbi, a 22 de Fevereiro, ao cessar-fogo, deu-se um curtíssimo passo. A formalizaç­ão ocorreu a 4 de Abril, mas não houve o registo oficial de combates nesse espaço de tempo.

A vontade política das partes signatária­s, que autorizam as chefias dos dois exércitos a conversar sem mediação estrangeir­a, ao longo de quinze dias, foi determinan­te para o desfecho positivo.

Luena, a capital do Moxico, albergou as negociaçõe­s entre militares das FAA e FALA que subscrever­am, a 30 de Março, o memorando complement­ar para a cessação das hostilidad­es e resolução das questões pendentes nos termos do Protocolo de Lusaka. O acto, realizado a 4 de Abril, no Palácio dos Congressos, encerrou também o período de 27 anos de acordos mal sucedidos entre o MPLA e a UNITA.

O primeiro pacto aconteceu no Algarve, a 15 de Janeiro de 1975, na sequência do reconhecim­ento, por Portugal, dos líderes dos três movimentos de libertação, MPLA, FNLA e UNITA, como únicos e legítimos representa­ntes do povo angolano. Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Savimbi assinaram, pelos respectivo­s partidos, os chamados Acor- dos de Alvor, na presença de Vasco Martins e Costa Gomes, nesta ordem, Primeiro-Ministro e Presidente de Portugal. O consenso para a versão final dos documentos foi obtido ao fim de seis dias de discussões. Com 60 artigos, o entendimen­to estabelece­u os mecanismos de partilha do poder até à proclamaçã­o da independên­cia de Angola, marcada para 11 de Novembro de 1975.

A eleição de uma assembleia constituin­te, a seguir à retirada das tropas portuguesa­s de Angola, seria um dos pontos altos do processo, que cuminaria com a Independên­cia Nacional. Alvor foi antecedido de inúmeros encontros secretos, iniciados três meses antes, tendo o texto final resultado de uma pré-cimeira, realizada em Mombaça, no Quénia. Os três movimentos definiram as formas de divisão de poderes, a estrutura do Governo de Transição, que funcionari­a de modo rotativo, assim como a integridad­e do território e a data da independên­cia.

Em determinad­a etapa da concretiza­ção dos Acordos de Alvor, o processo descarrilo­u. A história se encarregar­á de desmistifi­car as verdadeira­s razões do revés. Ofacto é que o Acordo de Nakuru, rubricado a 21 de Junho de 1975, na localidade que lhe deu o nome, no Quénia, visou resgatar o espírito de Alvor.

As conversaçõ­es resultaram na concordânc­ia, pelos três movimentos, de uma trégua que só vigorou até 9 de Julho. Os políticos voltaram a desentende­r-se. Dessa vez, sem margem para retorno à mesa de negociaçõe­s.

Agostinho Neto proclamou a Independên­cia de Angola na data prevista. Fêlo sozinho, em nome do MPLA, sob o troar de canhões a escassos quilómetro­s de Luanda.

O conflito agravou-se, a ponto de ter sido considerad­o um dos mais violentos do mundo. A UNITA, à qual se atribuía um protagonis­mo menor na arena militar, montou o seu quartel-general na Jamba (Kuando Kubango). Armou-se e fez alianças decisivas.

 ??  ??
 ?? FRANCISCO BERNARDO \ EDIÇÕES NOVEMBRO ?? Venâncio de Moura, Boutros Gali e Blondin Beye, durante o processo negocial de Lusaka
FRANCISCO BERNARDO \ EDIÇÕES NOVEMBRO Venâncio de Moura, Boutros Gali e Blondin Beye, durante o processo negocial de Lusaka
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola