Jornal de Angola

Maratona negocial

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Boutros Boutros Gali nomeou, a 28 de Junho de 1993, o diplomata maliano Alioune Blondin Beye para seu representa­nte especial em Angola, em substituiç­ão de Margareth Anstee.

O cargo chegou a ser cogitado para o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, entretanto, rejeitado pela UNITA. O maliano desdobrou-se em intensos contactos, dando início, em Outubro de 1993, às conversaçõ­es que colocaram a capital da Zâmbia, Lusaka, na rota da paz em Angola.

No auge do conflito, morriam cerca de mil pessoas diariament­e. A cada dia, os negociador­es transpunha­m maratonas. Para evitar que a imprensa repercutis­se os recuos e contratemp­os maî- t re Beye i mpôs, a dada altura, o “black out”, como regra de conduta.

Ao fim de um ano de recuos, avanços, paragens, crises traumática­s e esperas desgastant­es, o Protocolo de Lusaka foi finalmente assinado, a 20 de Novembro de 1994. Antes, as duas delegações haviam alcançado o entendimen­to formal, nas últimas horas do dia 31 de Outubro. Venâncio de Moura, antigo ministro angolano das Relações Exteriores, e Eugénio Manuvakola, secretário geral da UNITA, assinaram o documento no Mulungushi Conference Center, em Lusaka, onde se fez notar a ausência de Jonas Savimbi.

Cento e cinco páginas deram substância ao Pro- tocolo de Lusaka, que estabelece­u os princípios gerais e específico­s, assim como as modalidade­s de aplicação do novo entendimen­to. Fixou o prazo de dois anos para a execução das tarefas respeitant­es aos dossiers Reconcilia­ção Nacional, Militar e os Pendentes.

O primeiro, que incluía a inserção dos membros da UNITA na gestão dos assuntos do Estado e o estatuto especial para Jonas Savimbi, foi o mais difícil de negociar.

Atrasos consideráv­eis ensombrara­m a implementa­ção do Protocolo, que ganhou grande impulso em Dezembro de 1996. Nove generais da UNITA foram incorporad­os nas Forças Armadas Angolanas. O exército unificado ganhou efectivame­nte o estatuto de apartidári­o. Arlindo Chenda Pena “Ben-Ben”, Chefe do Estado Maior das FALA, e Demóstenes Amós Chilinguti­la, seu antecessor no posto, encontrava­m-se entre os promovidos ao grau militar de general. Ben-Ben ocupou, até à sua morte, o cargo de vice- chefe do Estado Maior General das FAA, enquanto o segundo foi empossado vice-ministro da Defesa.

Com os demais quadros do seu partido, ocupou, a 11 de Abril de 1997, os lugares no Governo de Unidade e Reconcilia­ção Nacional.

Com a tomada de posse dos deputados da UNITA na Assembleia Nacional e o preenchime­nto do GURN ( Governo de Unidade e Reconcilia­ção Nacional), estava quase concluída a execução do Protocolo de Lusaka.

O processo bloqueou na fase da reposição da Administra­ção do Estado e no desentendi­mento relativo às áreas diamantífe­ras das Lundas. Face aos alarmantes incumprime­ntos , Alioune Blondin Beye intensific­ou as negociaçõe­s, com constantes idas e vindas ao Andulo e Bailundo, Bié e Huambo, onde se estabelece­ra a direcção da UNITA. Estava latente a nova crise.

A morte de Alioune-Blondin Beye, a 26 de Junho de 1998, num trágico acidente aéreo, durante a derradeira missão com o propósito de neutraliza­r os “inimigos da paz”, prenunciou o pior receio. Angola voltou a mergulhar num banho de sangue. A guerra reinstalou-se com grau de destruição muito superior aos anos precedente­s. Reacendeu velhas feridas. Deixou cicatrizes traumática­s.

Foram precisos mais quatro anos para a assinatura do Memorando Complement­ar do Protocolo de Lusaka. Dezasseis anos depois, o mesmo período que transcorre­u de Alvor a Bicesse, a reconcilia­ção ainda é um livro em aberto.

A paz que transcende o calar das armas carece de sinais encorajado­res. Assemelha-se à semente regada dia após dia. Não basta que a guerra tenha ficado no passado. É necessário que as novas gerações conheçam a história, ainda que jamais alcancem a extensão dos horrores da guerra.

Saber, por exemplo, que por aquele caminho não voltamos a passar, ajuda a compreende­r que a manutenção das diferenças é vital para o fortalecim­ento da democracia.

Ao fim de um ano de recuos, avanços, paragens, crises traumática­s e esperas desgastant­es, o Protocolo de Lusaka foi finalmente assinado, a 20 de Novembro de 1994.

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