Jornal de Angola

Por uma Angola para o futuro

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Dois anos antes da inauguraçã­o da primeira fase do campus universit ário da Universida­de Ag ostinho Neto, em 2011, fui ver como andavam as obras daquele empreendim­ento. Mais do que as explicaçõe­s do empreiteir­o e dos fiscais da obr a, decidi ou vir um grupo de meninos que jogava à bola no perímetro da obra. Por debilidade­s na segurança, algumas famílias tinham invadido o local e, entre ameaças de demolições e prisões, lá perman eceram. Parte daqueles meninos já lá tinha nascido . Alheios ao fim que se reservava às suas famílias, eles divertiam-se, num trumunu alegre, que bem lembrava os meus tempos de miúdo, no meu Cazenga, lá pelos lados da Condel, onde as partidas, nas férias, levavam o dia todo. E éramos felizes.

Aquele grupo de miúdos, c om idades entr e os sete e dez anos, er a f eliz. Por alguns moment os tomei a bola de saco (muito bem feita, por acaso) e fiz questão de mostrar alguns dotes, afinal quem aprende nunca esquece. Ganhei respeito do grupo. E pude roubar alguns momentos de conversa. Perguntei-lhes se sabiam o que estava a nasc er naquele loc al. “Vão dar lá comida”, disse um dos meninos, de pr onto. A r esposta, que naquele momento considerei t ola, sem ne xo, parece-me hoje cheia de sabedoria.

Aquele menino já sabia que do co mplexo arquitectó­nico sairia c omida. Gostaria t anto de o r ever. Deve t er agora uns 18 anos.

Hoje, pensando bem, aqu ela r esposta encerra uma verdade inquestion­ável, que me f az reflectir no Dia da Paz e da R econciliaç­ão Nacional, na Angola que qu eremos para o futur o. Aquele menino já sabia que a educação é como comida. Para termos saúde, é preciso comida de qualidade. E, ao reflectir nos passos que demos, se calhar teremos ignorado esta verdade absoluta escondida no pensamento de um menino de oito anitos, fruto da nossa prepotênci­a de um país rico.

Ao comemorarm­os 16 anosde paz, e ao reflectir na Angola que quero para o futuro, sou obrigado a pensar que vivemos na pior crise mor al da nossa história. Se c alhar, t eremos mesmo su bstituído o barulho dos canhões, pela desestrutu­ração daqueles valores angolaname­nte herdados de Mandume, Nzinga Mbandi, Ngola Kiluanji e outros que tinham, na justiça, no amor ao próximo, pilares para uma sã convivênci­a em sociedade. E os ef eitos, acr edito, são tão devastador­es como a própria guerra. É verdade que a queda do pr eço do pe tróleo significa menos r eceitas para o país. Mas sou f orçado a acreditar que, com a desestrutu­ração dos princípios fundamenta­is para uma vida em sociedade, mesmo com o petróleo a 500 dólares, dificilmen­te diminui- ríamos o fosso entre o mais pobre e o mais rico.

Quando alguém, que ocupa um lugar de destaque, nomeado para cuidar da saúde das pessoas, prefere desviar o dinheiro de um programa, como o de combate à malária, para viagens de luxo e enriquecim­ento próprio e deixa morrer milhares de crianças na pediatria, por falta de medicament­os, estamos diante de uma realidade semelhante à guerra.

Quando alguém retira milhões que faltam para a educação, para a água, a energia e os utiliza em benefício próprio, para expandir o seu património, muitas vezes no estrangeir­o, e contempla, comodament­e, a miséria tomar conta dos compatriot­as, estamos diante de uma r ealidade semelhante à de uma guerra.

Quando alguém, ab astado, usa o sis tema de bolsa de es tudo, que deveria dar oportunida­des aos filhos de quem tem poucos r ecursos para uma educação de qualidade, e o utiliz a para tornar os seus filhos abastados, es tamos diante de uma injustiça comparada à dos f azedores da guerra.

Há notícias de agentes da ordem, aqueles que jur am def ender o cidadão, a e xtorquir e matar este mesmo indivíduo que jura defender. Nunca tivemos na his - tória do nosso país tanta igreja junta, tanta ONG a pregar valores. Mas também nunca tivemos tanta cadeia junta, tanto preso junto.

Numa conversa com um amigo jornalista, hoje emprestado à diplo - macia e um colega seu, este mais optimista, afirmou que, pelos últimos desenvolvi­mentos, podemos estar a reiniciar o país, para o tornarmos uma sociedade mais justa. Sou forçado a concordar.

Se temos uma liderança que encoraja a participaç­ão da sociedade naquilo que lhe f az f alta, sou forçado a concluir que hoje temos a oportunida­de de levantar a voz e p articipar deste momento marcante da nossa história; de escolhermo­s que valores são priorit ários, para a naç ão que queremos construir.

Não podemos desper diçar esta oportunida­de, porque nem sempre foi assim. Os moment os que estamos a viver são uma conquista nossa, da sociedade; uma v alorização do nosso vo to nas u rnas. Não podemos admitir um retrocesso, em nome da Angola que queremos para os nossos filhos.

Sou forçado a acreditar que, com a desestrutu­ração dos princípios fundamenta­is para uma vida em sociedade, mesmo com o petróleo a 500 dólares, dificilmen­te diminuiría­mos o fosso entre o mais pobre e o mais rico

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JOSÉ SOARES | EDIÇÕES NOVEMBRO
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