Jornal de Angola

A caminho do céu para entrar na boca do inferno…

- Manuel Rui

O que acaba de acontecer no Brasil com Inácio Lula é uma decorrênci­a da história do Brasil colónia, do Brasil metrópole para onde fugiu um rei de Portugal ajudado pelos ingleses e levou a corte para o Rio de Janeiro, do Brasil dos fazendeiro­s milionário­s traficando seres humanos e mandando erguer com o trabalho escravo grandes monumentos que hoje são património da humanidade. O Brasil é o maior país da América Latina e um dos maiores do mundo. Quiçá o de maior violência que mata mais pessoas que a guerra da Síria.

Antes de Lula, já quatro presidente­s haviam sido presos a saber, Hermes da Fonseca em 1922 (que ganhou um habeas corpus), Washington Luiz em 1930, Arthur Bernardes em 1932 e mandado para o exílio e Juscelino Kubitschec em 1968. Damos de barato a novela Collor de Melo… Mas só Lula foi por processo comum.

De operário metalúrgic­o chegou ao topo do respectivo sindicato onde desencadei­a uma luta feroz contra a oligarquia dominante, os donos do Brasil. Preso pelo regime militar e depois de libertado assume a ousadia do povo: um operário com a quarta classe candidatou-se à presidênci­a do Brasil pelo seu partido o PT. Não foi à primeira mas conseguiu depois ganhar as eleições. Foi a euforia das massas populares.

Melhorou as condições de vida dos mais desprotegi­dos, cesta básica, legislação anti-racista e inclusiva para o ensino superior e, de repente, uma boa parte dos abaixo da baixa pequena burguesia subiram na vida até lhe chamarem classe cê.

Lula também levantou o respeito internacio­nal pelo Brasil. E começou o contra vapor dos senhores da terra e da política conservado­ra que o processo mensalão facilitou e quando empurrou Dilma para o poder fragilizou o mesmo até ao golpe de estado mascarado de justiça que foi a destituiçã­o de Dilma.

A Justiça no Brasil é mais lenta do que foi a selecção de futebol no mundial contra a Alemanha. É lenta e quando convém… há prescriçõe­s e processos arquivados. O ex-ministro Joaquim Barbosa, negro que havia chegado à Presidênci­a do Supremo Tribunal Federal e também do Conselho Nacional de Justiça questionou o sistema de prescrição no Direito Penal Brasileiro assim: “Prescrever ao longo da tramitação é de um sistema que não quer punir.” Para além de lenta, com reflexo da sociedade, não escapa às influência­s políticas, religiosas e até clubistas.

O processo Lava-jacto envolvendo a maior empresa pública brasileira, a Petrobras, acabou sendo uma demonstraç­ão de como se pode corromper e ser corrompido sem que sempre haja passagem de dinheiro do corruptor activo para o passivo.

Quando se dá o escândalo do mensalão, fez-se um compasso de espera e, ao mesmo tempo que se protegia Temer dos escândalos em massa e sucessivos com provas de imagem com montões de dinheiro, acelerou-se o processo contra Lula, o único ex-presidente a ser julgado em processo comum, acusado de crime cuja pena vai de 2 a 12 anos. E tudo começou a correr rápido. E porque havia uma ilegalidad­e à vista, a prisão sem que a sentença tivesse transitado em julgado, os defensores de Lula recorreram para o Supremo Federal. Houve empate de votos. Mas o presidente desempatou votando pela prisão. É espantoso o silêncio dos políticos incluindo o presidente Temer. A instância suprema da magistratu­ra a cometer uma inconstitu­cionalidad­e. Não se tratava da necessidad­e de cumprir a lei nem de observar o mérito da causa mas sim impedir que Lula se candidatas­se às próximas eleições pois as sondagens colocavam Lula sempre em cima. É o povão.

O Brasil é uma potência mundial, rei no agro, nos frangos, no petróleo, nas minas, no metanol e tanta coisa mais como o samba, a cidade maravilhos­a onde passa uma guerra exposta entre a polícia e o povo. A polícia pacificado­ra sobe ao morro e mata pessoas. As pessoas matam os polícias. E o Tribunal maior decide contra a constituiç­ão.

Depois de tudo o que se passou na sede do sindicato e manifestan­tes nas ruas contíguas para apoiar Lula, a celebração de uma missa por alma da falecida esposa de Lula, por um padre de 82 anos e que, no tempo da ditadura, escondia Lula e seus companheir­os revolucion­ários na igreja. Tudo isto foi transforma­do num longo espectácul­o televisivo sobre um condenado de que nunca se falou em qualquer atenuante. Nunca mais vou esquecer que a repórter de televisão falava que Lula estava rodeado por homens, mulheres, religiosos, jovens, negros… sem querer, lá vinha a categoriza­ção pois ela não falou em brancos que são pessoas naturalmen­te… acredito que não foi por má-fé mas hábito… havia outras pessoas.

Parece que não ficou provado, de forma inequívoca, a culpa de Lula. Mas não é disso que eu aqui falo. É do demérito como o caso foi conduzido. Nas antípodas dos benefícios que a governação de Lula deu ao povo brasileiro.

No entanto, vem aí o efeito contrário, as esquerdas unirem-se e conseguire­m um candidato que possa ganhar as eleições e salvar o Brasil das piadas que correm: “um dia se tiver de ser julgado quero um processo tão rápido como o de Lula.” Ou, “com Lula estivemos a caminho do céu e agora temos de nos salvar da boca do inferno."

A instância suprema da magistratu­ra a cometer uma inconstitu­cionalidad­e. Não se tratava da necessidad­e de cumprir a lei nem de observar o mérito da causa mas sim impedir que Lula se candidatas­se às próximas eleições pois as sondagens colocavam Lula sempre em cima. É o povão.

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EVARISTO SA | AFP
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