Jornalistas quenianos contra interferências
Oito dos principais editorialistas do Quénia apresentaram a sua demissão em forma de protesto pela falta de liberdade
A liberdade de imprensa no Quénia é um assunto que volta a estar na ordem do dia depois que oito dos principais editorialistas do país apresentaram a sua demissão junto da administração do Grupo Nacional de Media, o maior conglomerado de comunicação do país.
Num comunicado conjunto, estes oito jornalistas revelam que na base da sua decisão está a “perda de independência editorial” que vêm sentindo para poder exercer condignamente a sua profissão. A administração do grupo, ligada ao actual Presidente Uhuru Kenyatta, lamentou a decisão dos oito jornalistas e disse acreditar que é possível manter a liberdade editorial com a necessária “responsabilidade patriótica”.
Estas resignações surgem numa altura em que o governo é acusado de estar a reforçar o seu controlo nalguns órgãos de informação, impondo às diferentes administrações a tomada de medidas administrativas que colocam diverso tipo de limites ao trabalho dos jornalistas.
Em Janeiro três das principais estações de televisão do país estiveram com as emissões suspensas por terem planeado cobrir a simbólica “tomada de posse” do líder da oposição, Raila Odinga, como Presidente da República.
Na carta onde apresentam os seus pedidos de demissão, os oito jornalistas acusam o governo de estar por detrás da não renovação do contrato com o editorialista Denis Galava por este ter escrito uma nota a criticar Uhuru Kenyatta.
Estas demissões, por outro lado, mostram haver também uma acção coordenada de contestação por parte dos jornalistas à linha editorial dos principais órgãos de informação do Quénia, incluindo o “Daily Nation”, o diário com mais circulação no país.
Acção coordenada
Durante décadas, o “Daily Nation” foi um autoritário e confiável jornal diário, onde a informação veiculada tinha o cunho da credibilidade.
Mas hoje, com a constante saída de jornalistas e com sucessivas alterações na sua direcção, o jornal transformou-se num veículo de informação quase oficial do governo perdendo todo o sentido crítico construtivo que fizeram dele uma referência em todo o continente africano.
Aos poucos, os títulos do Grupo Nacional de Media foram perdendo a sua identidade e com isso também a sua credibilidade.
O director-geral do canal de televisão NTV, que pertence a este grupo, foi despedido por ter falado com o sinal aberto dos problemas que colocam frente a frente o governo e os jornalistas, tendo na ocasião feito um apelo ao diálogo. Linus Kaikai, nessa sua intervenção, considerou ser “impensável em democracia” o canal ter estado impedido de transmitir a simbólica tomada de posse de Raila Odinga, que ele considerava ser um “acontecimento político importante”.
“Quando recebemos uma nota do governo a dizer o que podemos e o que não podemos transmitir é sinal de que algo não vai bem na nossa democracia”, disse o jornalista uma semana antes de receber a carta de despedimento. O governo queniano, entretanto, já reagiu a toda esta polémica e reafirmou que nada tem a ver com o modo como as administrações gerem as empresas, incluindo as de comunicação social.
“Não é justo pensar-se que estamos a censurar este ou aquele jornalista, este ou aquele canal de televisão. Temos uma lei que nos impede de intervir nessa gestão e estamos a cumpri-la com todo o rigor”, afirmou um portavoz do governo citado pelo “Daily Nation”.
Mas esta resposta parece não ter satisfeito os jornalistas que estão a ponderar a realização de uma manifestação de rua para denunciar todas as acções que o governo está a tomar e que limitam, no seu entender, a liberdade de imprensa.
Essa intenção, de acordo com um dos oito editorialistas que agora se demitiram, poderá contar com o apoio de numerosos jornalistas estrangeiros que se encontram a trabalhar no Quénia uma vez que, também eles, alegadamente, estarão a ser vítimas de acções que limitam o seu trabalho.
Os jornalistas revelam que na base da sua decisão está a perda de independência editorial que vêm sentindo para poder exercer condignamente a profissão, sem grandes embaraços