Um desafio permanente e contínuo
Há muito que se diga em relação à paz em Angola. Se o fim do conflito armado foi confirmado antes da assinatura do Memorando, a 4 de Abril, a reconciliação nacional é processo em curso. Significa reencontro. No caso, de seres que um dia se desentenderam por questões políticas. Reconciliação exige o envolvimento das filhas e filhos deste país pois, a dada altura, compreenderam que os factores de união vencem as razões que sustentaram o longo conflito armado. Impossível consolidar a paz sem a reconciliação de mentes e espíritos. Diferenças gritantes, às vezes incompatíveis, devem continuar a ser apenas isso. Do mesmo modo que não podemos ser todos do 1º de Agosto ou do Petro, temos o direito de ser da FNLA, do MPLA, da UNITA, da CASA-CE, do PRS ou daqueles partidos que estão na forja. Ou de partido nenhum. Defender pontos de vista diametralmente opostos não tem que resultar em situação de vida ou morte. Em democracia os partidos competem entre si pela preferência do eleitorado. Mas a forma de ser e de estar em política anula qualquer equivalência que o dicionário possa atribuir às palavras. Adversário não é sinónimo de inimigo, apesar de muitos políticos se negarem a aceitar a mudança dos tempos. Apesar de terem despido a farda da guerra, não conseguiram livrar-se da camuflagem. Como se estivessem na época em que constituía dever patriótico eliminar pensamentos discordantes. Coincidentemente, quando estávamos imersos em reflexões em torno da paz e reconciliação nacional, o país foi abalado pelo desaparecimento físico de um patriota. Almerindo Jaka Jamba transmitia a sensação de paz e tranquilidade incomuns. A sua postura remetia-nos para a ideia de reconciliação. Militante, convicto da UNITA, relacionava-se bem com todos. Sabia separar a política dos demais meandros da existência humana. Vitimado por mal-estar repentino a 1 de Abril, a sua morte gerou onda de consternação pouco habitual em Angola. Fez com que os perfis nas redes sociais fossem inundados de homenagens tão belas quanto genuínas. Mensagens do titular do poder executivo, de membros de diferentes partidos, dos órgãos de justiça, entidades religiosas e cidadãos anónimos reflectiram a dimensão da figura consensual. Deputado à Assembleia Nacional pela UNITA, partido a que se juntou em 1972, o académico, africanista e homem de cultura foi a enterrar há uma semana. Centenas de individualidades, entre familiares, colegas, académicos, amigos, militantes do partido UNITA e gente comum o acompanharam à última morada. Tanto o elogio fúnebre, lido por Eugénio Manuvakola, companheiro de jornadas partidárias, quanto a sublime mensagem em nome dos docentes, estudantes e funcionário da faculdade de letras da universidade Agostinho Neto, ouvida na voz emocionada de Luzia Milagre, destacaram as qualidades ímpares do académico emprestado à política.
Era, como o caracterizou a mensagem Luzia Milagre, um modelo de concórdia para os angolanos, um homem íntegro e de trato fácil. Entre lágrimas amenizadas por cânticos religiosos e palavras silenciosamente aplaudidas com menear de cabeça, o corpo de Jaka Jamba desceu a sepultura. As cerimónias fúnebres resultaram numa aula magna, da qual ressaltaram valiosíssimas lições. Afinal, é possível suplantar barreiras políticas, sem ninguém perder a identidade. José Eduardo dos Santos, ex-Presidente da República prestou solidariedade à família enlutada, fazendo lembrar que, em certas ocasiões, gestos humanos são apenas isso. Pessoas de diferentes matizes partidárias caminharam ao som de cânticos entoados por militantes da UNITA. Bispos católicos e protestantes oraram em nome do mesmo Deus. Bem haja para as figuras congregadoras. O elefante, Jamba em língua umbundu, deixa fortes pegadas no seu percurso. Ti Jaka, o notável filho de Angola, cabe na analogia. Brilhou entre nós antes de se firmar eternamente entre as constelações.
Afinal, é possível suplantar barreiras políticas, sem ninguém perder a identidade. José Eduardo dos Santos, ex-Presidente da República prestou solidariedade à família enlutada, de Jaka Jamba, fazendo lembrar que, em certas ocasiões, gestos humanos são apenas isso