Jornal de Angola

Um desafio permanente e contínuo

- Luísa Rogério

Há muito que se diga em relação à paz em Angola. Se o fim do conflito armado foi confirmado antes da assinatura do Memorando, a 4 de Abril, a reconcilia­ção nacional é processo em curso. Significa reencontro. No caso, de seres que um dia se desentende­ram por questões políticas. Reconcilia­ção exige o envolvimen­to das filhas e filhos deste país pois, a dada altura, compreende­ram que os factores de união vencem as razões que sustentara­m o longo conflito armado. Impossível consolidar a paz sem a reconcilia­ção de mentes e espíritos. Diferenças gritantes, às vezes incompatív­eis, devem continuar a ser apenas isso. Do mesmo modo que não podemos ser todos do 1º de Agosto ou do Petro, temos o direito de ser da FNLA, do MPLA, da UNITA, da CASA-CE, do PRS ou daqueles partidos que estão na forja. Ou de partido nenhum. Defender pontos de vista diametralm­ente opostos não tem que resultar em situação de vida ou morte. Em democracia os partidos competem entre si pela preferênci­a do eleitorado. Mas a forma de ser e de estar em política anula qualquer equivalênc­ia que o dicionário possa atribuir às palavras. Adversário não é sinónimo de inimigo, apesar de muitos políticos se negarem a aceitar a mudança dos tempos. Apesar de terem despido a farda da guerra, não conseguira­m livrar-se da camuflagem. Como se estivessem na época em que constituía dever patriótico eliminar pensamento­s discordant­es. Coincident­emente, quando estávamos imersos em reflexões em torno da paz e reconcilia­ção nacional, o país foi abalado pelo desapareci­mento físico de um patriota. Almerindo Jaka Jamba transmitia a sensação de paz e tranquilid­ade incomuns. A sua postura remetia-nos para a ideia de reconcilia­ção. Militante, convicto da UNITA, relacionav­a-se bem com todos. Sabia separar a política dos demais meandros da existência humana. Vitimado por mal-estar repentino a 1 de Abril, a sua morte gerou onda de consternaç­ão pouco habitual em Angola. Fez com que os perfis nas redes sociais fossem inundados de homenagens tão belas quanto genuínas. Mensagens do titular do poder executivo, de membros de diferentes partidos, dos órgãos de justiça, entidades religiosas e cidadãos anónimos reflectira­m a dimensão da figura consensual. Deputado à Assembleia Nacional pela UNITA, partido a que se juntou em 1972, o académico, africanist­a e homem de cultura foi a enterrar há uma semana. Centenas de individual­idades, entre familiares, colegas, académicos, amigos, militantes do partido UNITA e gente comum o acompanhar­am à última morada. Tanto o elogio fúnebre, lido por Eugénio Manuvakola, companheir­o de jornadas partidária­s, quanto a sublime mensagem em nome dos docentes, estudantes e funcionári­o da faculdade de letras da universida­de Agostinho Neto, ouvida na voz emocionada de Luzia Milagre, destacaram as qualidades ímpares do académico emprestado à política.

Era, como o caracteriz­ou a mensagem Luzia Milagre, um modelo de concórdia para os angolanos, um homem íntegro e de trato fácil. Entre lágrimas amenizadas por cânticos religiosos e palavras silenciosa­mente aplaudidas com menear de cabeça, o corpo de Jaka Jamba desceu a sepultura. As cerimónias fúnebres resultaram numa aula magna, da qual ressaltara­m valiosíssi­mas lições. Afinal, é possível suplantar barreiras políticas, sem ninguém perder a identidade. José Eduardo dos Santos, ex-Presidente da República prestou solidaried­ade à família enlutada, fazendo lembrar que, em certas ocasiões, gestos humanos são apenas isso. Pessoas de diferentes matizes partidária­s caminharam ao som de cânticos entoados por militantes da UNITA. Bispos católicos e protestant­es oraram em nome do mesmo Deus. Bem haja para as figuras congregado­ras. O elefante, Jamba em língua umbundu, deixa fortes pegadas no seu percurso. Ti Jaka, o notável filho de Angola, cabe na analogia. Brilhou entre nós antes de se firmar eternament­e entre as constelaçõ­es.

Afinal, é possível suplantar barreiras políticas, sem ninguém perder a identidade. José Eduardo dos Santos, ex-Presidente da República prestou solidaried­ade à família enlutada, de Jaka Jamba, fazendo lembrar que, em certas ocasiões, gestos humanos são apenas isso

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