As dívidas como travões da economia
Num fórum importante, infelizmente não tive tempo suficiente para expressar já como alerta três ou quatro pontos de vista sobre as nuances e ritmos da execução do OGE, aprovado e selado na Assembleia Nacional. Apresentei as nuances não numa perspectiva político partidária esgotada pelos deputados. Na verdade deve sempre existir uma visão crítica, uma visão cívica ou de outra natureza que possa permitir leituras sobre a sua execução. É uma visão em tudo positiva, nem é inédita, é o que, em outras latitudes, as instâncias supranacionais intitulam de “acompanhamento” ou “monitoramento”, pois devido aos seus factores objectivos tentam avaliar os efeitos estatísticos e tendências. É uma realidade já conseguida por muitos ministérios das finanças que deixam nos links dos seus sites, de forma clara, as contas expostas para que até os cidadãos menos preparados possam ler a evolução das execuções.
Tocado pelo grito de centenas de empresários, não pude deixar de tornar minhas as suas lamúrias e receios. Perguntei se o Executivo não estaria a lançar para debaixo da mesa do orçamento muitas dívidas, mas para defesa falei sobre as obras de 2017 que estão “paradas por falta de pagamentos”,até como um aviso disse que notava a “falta de articulação entre instituições donas das obras com o ministério das finanças”. O Estado é uma pessoa de bem, usei tão estafado princípio. Lancei, com voz trêmula, nesse mesmo salão de tetos altos e de traços nobres, o mais veemente apelo para que se pudesse avançar para um processo de sistematização desses problemas da dívida para que, com o reinício das obras, o orçamento pudesse animar o país e, certamente conheceríamos novos índices de emprego e de vivacidade da economia que de tão travada amplia os factores deceptivos.
Na resposta bem formulada pelo Ministro das Finanças, este garantiu que esse Executivo não escondia dívidas, mas que tinham “apanhado” muitas facturas falsas, sim, “falsas”, repetiu. Uma semana depois desse encontro, já na pessoa da sua Secretária de Estado, tivemos os números monstruosos. Ao ouvir esses números e a voz de satisfação da Secretária de Estado, notavase uma alegria que nos dera conforto, mais ninguém viveria desses actos ilícitos. Mas esse terreno fértil foi adubado no corredor do tesouro, no qual funcionários menos escrupulosos e seus agentes de muitas nacionalidades, há mais de nove anos, exigiam mais de 25 por cento pelo pagamento das diversas facturas, falsas ou verdadeiras, um cancro que tem destruído as empresas que seguem actos legais, mais sufocadas porque têm de dividir o dinheiro das dívidas.
Lembro-me, como se fosse hoje, que foi nesse ano tão longínquo que apresentei na Reunião do Grupo Parlamentar do MPLA, diante de responsáveis do tesouro que geriam as dívidas públicas, um conjunto de medidas sem muita complexidade que poderiam tornar menos fértil ao roubo os cofres do tesouro, e, na sala repleta de meus confrades deputados, sugeri:
Criação de um software que registe as “datas” dos contratos de obras públicas, “número” das facturas de medição de obras, valor e tantas outras células de informação. Entre elas, a autorização do Tribunal de contas;
Os pagamentos só ocorreriam por ordem estabelecida pelo sistema, naturalmente colocando entre as prioridades as dívidas mais antigas;
Houvesse uma célula sobre as responsabilidades tributárias e trabalhistas, naturalmente para assegurar a equidade entre empresas.
E mais disse, sempre com o vivo propósito de apoiar uma solução que evitasse essa “negociata”, em tudo impulsionado pela transparência que seria exaurida nas regras acima expostas quase usando o potencial da “inteligência artificial”. Se esse mecanismo tivesse sido criado e afinado pelos nossos engenheiros de informática, não tenham dúvidas, a gestão de recursos públicos ficaria imune às más práticas e ilicitudes agora destapadas pela acção exemplar da equipa do Ministério das Finanças que atinge um recorde quase surrealista. É um valor que deveria entrar nos livros dos recordes, pelos motivos mais execráveis. Infelizmente os estados têm sido apontados como “órgãos” que não sabem cuidar dos seus activos e gente.
Espero que com o mesmo vigor de fiscalização que enchera o cálice de champanhe pelos feitos, sem vaidades palacianas, o Executivo possa actuar no pagamento de dívidas legais. Actue, nesse sentido, antes mesmo de anunciar que vai agir com velocidade em superar a fragilidade dos bancos com injecção de milhões de dólares, na verdade em mais uma eventual medida que premiará os banqueiros por práticas lesivas, uma receita condenada(Mark Blyth) por muitos grandes teóricos da economia. Antes dessa operação, o Executivo deve, com uma rapidez maior, ordenar ao tesouro que pague as obras paradas, quer as das linhas internacionais ou as de natureza interna em Kwanzas e que correspondam ao exercício de 2017.
Essa prioridade deve ser entendida porque são “obras de continuidade”, com projectos aprovados e inícios de pagamentos. Essas obras são de continuidade porque têm ainda nos estaleiros construídos nas frentes das obras os equipamentos: os tractores, camiões, dormitórios de trabalhadores ociosos, grupos de fiscalização, etc. E essa urgência exige que o Chefe de Executivo, João Lourenço, entenda que o primeiro ano de início de seu mandato é deveras muito curto. Primeiro porque, depois de um ciclo eleitoral, o OGE pode ser apresentado bem mais tarde, o que gera um ambiente de languidez; segundo, porque existe uma visão do líder do novo executivo ainda sem cultura definida. Se o Presidente não for muito pragmático, naturalmente sem destruir os preceitos da boa governação, por esse andar da carruagem espero que assim não seja, só poderá apresentar provas de obras no ano de 2019. Não sei se com a política nesse ambiente quase irrespirável, e, com essa austeridade feroz em que vivemos, o povo continuará a ser condescendente ao sentir que se queimou um ano do calendário da sua esperança. Ou será que pelas circunstâncias adversas, tendo já o Presidente os seus sete meses de consulado, apesar de aplaudido pela moralização e por assegurar a independência do poder judicial, como dizia, não será arrastado para uma situação em que o tempo de reinício e lançamento de novas obras cairá numa centrifugação burocrática que trave a vida económica.
O que não acabei de dizer nessa sala foi que o Executivo deve desde já estabelecer as novas regras de concurso, concretamente através da selecção de quatro a seis empresas do ramo objecto do concurso público, primeiro para que evite os processos de mil impugnações. Trata-se de um fenómeno que ocorre quando o concurso é aberto, podendo participar todas as empresas que pensam ter um bom portfólio. Também opinaria que a resposta do tribunal de contas, para ser célere na autorização não mais de quinze dias , o chefe do executivo deverá usar o seu poder através de decretos que determinariam o carácter de urgência para esse órgão se prenunciar. Não menos importante, devendo igualmente atribuir as lideranças das diversas comissões de avaliação aos técnicos dos sectores donos das obras, cabendo aos técnicos das finanças a segunda posição hierárquica nas comissões de avaliação Hermínia do Nascimento
secretária geral do SINPROF